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Lenda de Ratambufe: conheça o Boi de Conchas de Ubatuba, no litoral paulista

Criada em 2003, manifestação cultural já caiu no gosto popular e leva alegria às ruas da cidade duas vezes ao ano

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Ilustração do boizinho Ratambufe, mais conhecido como o Boi de Conchas - Divulgação/Associação Boi de Conchas
Um boi sonhador que transformou a própria vida, ao invés de seguir o caminho traçado pelo por outros

Um boizinho branco que fugiu de seu destino do abate e foi viver no mar, de onde retorna cheio de conchas assim que escuta a cantoria, o chamando na beira da praia. Essa é a história do boizinho Ratambufe, lenda criada pelo artista popular de Ubatuba, Júlio Mendes, que é encenada todos os anos nas ruas da cidade.

A ideia da montagem dessa espécie de Ópera de rua caiçara partiu do dramaturgo Bado Todão, quando ele participava, com Júlio, do movimento cultural chamado Pirão Geral.

Todão, dramaturgo e ator, viajou pelo Brasil e pelo exterior trabalhando com o teatro popular até retornar para a sua terra natal, Ubatuba, no litoral paulista, no início dos anos 2000. Foi nessa época que estava no Movimento Cultural Pirão Geral, que reunia diversas expressões e artistas nas terras ubatubenses. 

O Pirão Geral foi extinto, mas foi exatamente dessa cena cultural que nasceu, em 2003, o Boizinho Ratambufe, mais conhecido como o Boi de Conchas. A manifestação retrata um animal imaginário que desapareceu na praia de Iperoig. Enquanto festividade, o Boi de Conchas nasceu na Praça Nóbrega, bem no centro da cidade de Ubatuba. 

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“Nós pegamos uma lenda, uma história, daquela ocasião colhida e reinventada pelo Julinho Mendes, um companheiro de trabalho de cultura popular aqui de Ubatuba. E a partir daí a gente criou essa manifestação pública popular, desse boi que nasceu em São Luiz de Paraitinga e depois foi levado para Ubatuba", recorda o artista. 

Todão define aquele movimento como libertário, "de rua, na frente de um sebo de livros, que era da minha propriedade, e a gente e a gente ali fazer uma manifestação. E a ideia ela tá ali fomentar a caráter público e poder contar as nossas histórias. E ali foi-se construindo um pouco essa dramaturgia do boi, do auto do Boi de Conchas. Em função dessa instigação de ter lido e me chamado muita atenção àquela história universal, um boi sonhador que transformou a própria vida, ao invés de seguir um caminho traçado pelo por outros", acrescenta. 

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Mas, afinal, porque Ratambufe e Boi de Conchas? Ou seja, dois nomes para o mesmo personagem? Que tal conhecer um pouco no enredo dessa história-lenda para entender?

Conhecendo o Boi de Conchas

A professora e contadora de histórias Mariza Taguada conta a lenda do Boi de Conchas - confira os contos de Mariza no YouTube

Enredo

Tudo começa com o tropeiro Cipriano, que tinha um sítio no alto da serra. Ele descia para Ubatuba para vender seus produtos e apreciar o mar. Foi no Dia de São Pedro, Pescador, que nasceu Ratambufe, um boizinho todo branco, de rabo preto e marca de concha na testa.

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Ratambufe cresceu ouvindo as histórias que Cipriano contava sobre o mar, azul, cheio de peixes, sereias e baleias.

Mas o sonho de ver a água azul na verdade escondia a realidade dos planos de Cipriano levar o boi para o açougue. 

É daí que, a caminho do matadouro, Ratambufe foge e mergulha com alegria até sumir no fundo do mar. Tempos depois Ratambufe ressurge da praia ao ouvir uma viola.  

O animal que reaparece passa a ser chamado como Boi de Conchas. Pelo próprio nome, é possível imaginar um boi coberto por conchas.

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Música

Ao mesmo tempo, a referência da palavra ratambufe realça um instrumento musical, criado por Domingos Anagro, um folião de Ubatuba. Uma espécie de berimbau adaptado.  


Bado Todão segurando o instrumento musical ratambufe / CRUMI 

“Ratambufe foi o nome dado ao boizinho nascituro. Ele nasceu no dia de São Pedro Pescador. E o ratambufe nada mais é que um berimbau de lata. Um instrumento feito com um bastão, uma biriba, um bastão que enverga né. Um arame e uma lata”, explica Bado Todão. 

Uma das pessoas que é símbolo da resistência cultural do Boi de Conchas é Ana Carolina Sorrentino. Desde os 3 anos de idade, ela participa da manifestação. O boi foi inspiração para a carreira de Carolina, que trabalha hoje como atriz. Ela defende a importância da festa para a cidade.

"Quando as pessoas olham o Boi de Conchas, eles se lembram desse período em que Ubatuba era humilde, era pequeno, quando as pessoas todas se conheciam. E querendo ou não o Boi faz com que as pessoas todas se conheçam, naquela bolha, infelizmente não é tudo, mas grande parte de Ubatuba conhece, e isso é muito muito importante a gente tem um ponto de identificação, né?, destaca.

Nos dias 28 de junho, quando se comemora o dia do Pescador, e em 29 de outubro, aniversário da cidade, o boi sempre volta a aparecer, trazendo sonhos, alegria e vontade de resistência para o povo de Ubatuba.

Edição: Douglas Matos e Daniel Lamir