AGROEXTRATIVISMO

Do Pará e do Brasil: produção de castanhas beneficia comunidades ribeirinhas no Sul do Amazonas

Projeto popular agroextrativista em Lábrea (AM) rompe com sistema escravista, valorizando as famílias e a biodiversidade

Ouça o áudio:

Na primeira etapa, o produto coletado nas comunidades ribeirinhas vai para o secador - Reprodução
Nossos associados não derrubam mais a floresta porque sabem que as sementes têm valor agregado

Uma imagem para encher os olhos de quem gosta da castanha-do-Brasil, também conhecida como castanha-do- Pará. Antes de chegarem aos consumidores, elas passam pela fábrica de castanha, no município de Lábrea, no sul do Amazonas, às margens do rio Purus. 

Na primeira etapa do beneficiamento, o produto coletado nas comunidades ribeirinhas vai para o secador e só sai de lá quando atinge de 8 a 10 por cento de umidade. Depois a castanha é levada para o forno. Bastam cinco minutos a 50 ou 60 graus para ela soltinha da casca. 

Saiba mais: Documentário "Castanhal" mostra a dura rotina dos coletores de castanha do Pará

Depois é a vez das mulheres da fábrica de castanha. Elas quebram as cascas e as separam da parte comestível. tudo com muito silêncio e concentração. Sem casca, as castanhas vão ser torradas em um forno industrial. Cada fornada tem aproximadamente uma tonelada do produto, elas ficam aí de 24 a 30 horas, sempre a 50 graus. A última etapa do beneficiamento é a seleção. De novo, entra em cena o time de mulheres. elas examinam todas as castanhas - uma por uma - e retiram as que estão estragadas ou inaptas para o consumo 

Depois que a castanha já foi secada, descascada, torrada e selecionada, a última etapa é o ensacamento, a máquina remove todo o ar, e ela chega embalada à vácuo até o comprador. 

Tudo isso acontece na Associação dos Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS). A associação recebeu esse nome por causa da comunidade onde foi criada há 25 anos. A presidente da ASPACS, Sandra Barros, conta que o projeto cresceu, e hoje envolve 118 famílias em 48 comunidades, a maioria ribeirinhas. 

“Nós observamos que, desde que a Associação começou a fazer esse trabalho de conscientização, de valorização das famílias, dos produtos da biodiversidade, eles têm um pensamento então agora diferente do que eles faziam antes. A maioria dos nossos associados e não associados que vendem produto para a gente não derrubam mais a floresta. Porque eles sabem que as sementes que eles coletam tem valor agregado. eles vão receber por isso. E também sabem que no outro ano vai ter o mesmo produto para vender e a floresta continua em pé”, afirma Sandra.

Além da castanha do Brasil, a ASPACS beneficia o muru-muru, a andiroba, o tucumã e a copaíba. Na usina de óleos vegetais da associação, acompanhamos a produção da manteiga de muru-muru, uma semente de palmeira.

As primeiras etapas do beneficiamento são parecidas com as da castanha do brasil. O muru-muru seca na estufa e vai para uma máquina que ajuda a separar a casca. e aí, mais uma seleção cuidadosa.

Ouça também: Quebradeiras de coco babaçu: tradição, respeito e emancipação

O resultado final é a manteiga de muru-muru, um hidratante poderoso utilizado na indústria de cosméticos, que hoje é a principal compradora dos produtos da ASPACS. 

Em 2021, a associação de extrativistas vendeu 20 toneladas de produtos da sociobiodiversidade. Em 2022, essa marca foi superada ainda em setembro, indicando um crescimento importante. 

O sucesso nos negócios significa o rompimento com um modelo de extrativismo que marcou a ocupação da Amazônia nos últimos 150 anos: o do patronato. donos das terras, os patrões financiavam a extração dos produtos, e compravam tudo dos extrativistas a preços baixíssimos. a escravidão por dívida espalhou miséria pela floresta.

“Queremos tirar esse modelo antigo, modelo de escravidão, que até hoje acontece. E a ASPACS está conseguindo isso. Já percebi que há uma diferença. já tivemos conflitos com alguns patrões. Por quê? Porque nós valorizamos os trabalhos dos extrativistas, nós compramos com o melhor preço e também a gente faz sempre reuniões pra eles entenderem que o trabalho deles é digno", acrescenta Sandra.

Edição: Douglas Matos