Inovação

Protótipo pode revolucionar a gestão de processos judiciais para acesso a medicamentos

Ferramenta batizada de JUDJe foi criada por pesquisador brasileiro e traz dados precisos sobre a judicialização da saúde

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JUDJe monitou mais de três bilhões de movimentações processuais - © Marcello Casal Jr /Agência Brasil
Os processos são indicadores dos grandes gargalos do SUS e sua relação com a saúde suplementar

Um protótipo criado por um pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pode se tornar uma solução revolucionária para medir e lidar com a demanda crescente de processos judiciais que pedem acesso a medicamentos não autorizados pela Anvisa.

O JUDJe -  abreviação para Judicialização no Diário de Justiça Eletrônico - é capaz de levantar a analisar uma quantidade considerável de dados com precisão. Ele revela características processuais importantes e preenche a lacuna da falta de informações sistematizadas sobre o assunto.

Criador da iniciativa, o cientista Jânio Gustavo Barbosa desenvolveu a ferramenta  em sua tese de doutorado, Infraestrutura de Informação na Fronteira entre Saúde e Direito: ampliando o diagnóstico da judicialização no Brasil, realizada para  no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz.

Ele conta que um dos principais problemas enfrentados para estudo da judicialização da saúde no Brasil está na falta de bancos de dados. Há informações discrepantes para levantamentos feitos em lugares e períodos iguais e os casos são subestimados.

Para conseguir reunir elementos que dessem a verdadeira dimensão do problema, a pesquisa buscou dados do Diário de Justiça Eletrônico, onde estão todos os processos que não correm sob segredo de justiça. Eles foram coletados pela internet, armazenados e classificados por meio de robôs.

O protótipo fez uma varredura em mais de 700 mil documentos de 32 tribunais estaduais e municipais, abrangendo mais de 12 terabytes de registros e mais de três bilhões de movimentações processuais.

A primeira análise foi realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que apresentou organização mais adequada às comparações e está na região Sudeste, maior foco de judicialização da saúde em território nacional.

"Vinte e seis milhões de movimentações processuais foram mineradas, chegando a um banco de dados de quase cem mil. Neles temos todos os temas relacionados ao câncer. Para isso, nós ensinamos a máquina a entender mais de 250 descritores diferentes, em que ela combina esses descritores para recuperar a informação e trazer esse processo. Quando ela traz esse processo, ela já traz o número do processo, quem são as partes, quem são os advogados, quais são os descritores envolvidos nesse processo, se houve liminar naquela movimentação, se não houve liminar, se houve decisão, se houve despacho, se houve algum agravo ou algum recurso, e fornece esse banco de dados para você no JUDJe", explica o pesquisador. 

O pesquisador afirma que, com dados precisos sobre a judicialização da saúde, o mecanismo pode auxiliar o Sistema Único de Saúde (SUS) e o judiciário na gestão, na organização e nos fluxos processuais. Informações levantadas pelo protótipo mostram que a demora média das sentenças é 27 meses e mais de 70% das ações possuem liminares ou antecipações de tutela para garantia do tratamento imediato.

"Você consegue montar fluxos a partir disso. Os processos são indicadores dos grandes gargalos ou das questões de fluxo que envolvem tanto a gestão pública quanto o Sistema Único de Saúde, inclusive na sua relação com o sistema suplementar e os planos de saúde e na sua relação com o poder judiciário. Porque, uma vez que eu entro na justiça para ter meu direito, significa que todos os recursos administrativos possíveis dentro do sistema de saúde foram tentados. Desde a espera ou acesso ao próprio advogado até o entendimento dos laudos médicos e a negativa de serviço, até você entrar na justiça. Com isso, o JUDJe pode mostrar para quê e onde o poder público pode atuar para diminuir os problemas."

Um exemplo de funcionalidade da ferramenta é a capacidade de identificar em quantos processos um determinado medicamento é citado, o que pode qualificar a gestão de compras e o planejamento de estoques e até diminuir riscos de superfaturamento. Além disso, é possível pesquisar que remédios estão relacionados aos tratamentos com maior demanda para facilitar a assistência a pacientes e reduzir a judicialização.

Barbosa e a equipe a frente da pesquisa esperam fechar parcerias com o Conselho Nacional de Justiça para que a solução seja usada por tribunais e secretarias de saúde de estados e municípios. Acesse o protótipo clicando aqui.

Edição: Thalita Pires