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Quilombo Sacopã: símbolo de resistência da natureza e ancestralidade no Rio de Janeiro

Fundado há 110 anos, o espaço preserva a herança cultural através da música, artesanato e gastronomia

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Lideranças apontam que a vizinhança pertuba as atividades do quilombo - Jessica Rodrigues
Eles acham, o povo discriminador, que a zona sul não foi feita para negro

Entre prédios e mansões que compõem o bairro da Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro, está localizado o Quilombo Sacopã, um respiro da natureza, que resiste há 110 anos, deixando viva sua cultura e ancestralidade.

Apesar de ser alvo constante da especulação imobiliária, e estar no bairro com o terceiro metro quadrado mais caro da cidade, o local de 18 mil metros quadrados preserva parte da história. 

“Damos valor à natureza, preservamos, temos árvores frutíferas, plantações. Eles [vizinhança] não. Eles querem botar no chão [o quilombo] para botar no alto os prédios deles”, afirma o artista Luiz Sacopã. 

Existem 53 quilombos no Rio, mas apenas 3 possuem o título de propriedade, mesmo sendo garantido pela Constituição Federal. José Luiz Pinto, de nome artístico Luiz Sacopã, é cantor, compositor e liderança do quilombo. Ele vive há 81 anos no local e conta que sua família viveu lá desde seu início, enfrentando as remoções em seu entorno. Apenas em 2014 o quilombo foi de fato reconhecido pela Fundação Cultural Palmares. 

“Eles acham, o povo discriminador, que a zona sul não foi feita para negro. Nós temos nossas manifestações culturais e isso revolta eles. Mas as nossas manifestações culturais consiste em uma cantoria de samba de protesto, samba de carnaval, com nosso bloco. E nós obedecemos a lei, quando dá 22h paramos, mas mesmo assim eles perturbam. E aí vem polícia e eu tenho que mostrar que na Constituição diz que a gente tem direito a nossa manifestação”, relata.

Mais de vinte pessoas da família Pinto vivem no quilombo. O local é conhecido por suas tradicionais feijoadas, que já receberam a presença de artistas como Zeca Pagodinho e a saudosa Beth Carvalho. Para Luiz, essa também é uma forma de resistência. 

“Não era para estar do jeito que está o lado do povo negro no nosso país. Pelo tempo que passou na escravidão, levando chibatada, tem coisas assim horripilantes, mas não era mais para estar nesse nível", aponta. 

Rosane Garces mora há 21 anos no quilombo. Para ela, é uma missão de vida mostrar para as pessoas a importância do local.

“Eu fiz uma parceria com o Sesc para fazer uma horta comunitária, nós já fazemos grafite, talvez um documentário. Todo nosso trabalho aqui é em prol da melhoria do local. Eu tenho dois filhos que nasceram aqui e eu quero muito que eles tenham orgulho do lugar onde moram. Tem pessoas que dizem ‘ah! são do quilombo’ Eu só quero que eles tenham orgulho e aprendam comigo, com o pai e avô a querer esse lugar aqui como a história da família e que eles continuem”, afirma. 

Luiz Martins Pinto, filho de Luiz Sacopã, tem 53 anos e explica que não é fácil manter viva sua história. 

"A gente não tem aquele dia que falam ‘vou olhar gentil para os grupos que construíram o Brasil.’ Então temos que lutar constantemente e buscar as formas mais adequadas de atingir as pessoas que estão disposta a ouvir para manter a história com sua força e presença que em partes está na manutenção da natureza”, destaca. 

O Quilombo Sacopã foi criado no fim do século 19 pelos antepassados de Luiz Sacopã, que vieram refugiados da região serrana e dos lagos. 

Tina Martins Pinto foi morar no local quando se casou com Luiz Sacopã. 

“É tudo família, você deixa as crianças brincando de bicicleta, correndo, não precisa ficar perto porque estão super protegidos. A brincadeira deles também é assim subir em árvore, fazer casinha nas pedras, criança gosta de natureza e sempre viveram aqui muito felizes”, relata. 

Luiz gosta de reforçar que 13 de maio, data que foi assinada a Lei Áurea, não é celebrado pelo povo afrodescendente, mas repugnado pela maioria. 

“Nós quilombolas temos pavor do 13 de maio, é uma ojeriza que existe. Esse negócio de assinatura da abolição a gente não aceita porque não foi uma abolição ampla e irrestrita. Eles deram a falsa liberdade, mas não deram a dignidade. Todo dia morre negro na favela, é negro debaixo do viaduto. Até hoje o negro não teve a ascensão”, afirma.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho