No Rastro das Lutas

No Rastro das Lutas: mulheres em luta construindo direitos e democracia

O último episódio desta temporada destaca o papel das mulheres na construção da democracia brasileira

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Episódio 11 da série no Rastro das Lutas destaca o papel dos movimentos de mulheres na construção da democracia brasileira - Foto: Mídia Ninja

O feminismo é tanto uma teoria, quanto uma forma de ação no mundo, é o que nos explica Carmen Silva, neste episódio que encerra a primeira temporada da série No Rastro das Lutas: Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil, uma produção em uma parceria entre o Brasil de Fato e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE). Este episódio aborda as lutas das mulheres por direitos e democracia no Brasil.

Carmen é militante feminista, educadora e comunicadora popular, atua no Instituto Feminista SOS Corpo e no Fórum de Mulheres de Pernambuco. “O feminismo é fundamentalmente um movimento que luta pela emancipação das mulheres, um movimento que constrói a autonomia das mulheres”, complementa Carmen.

Também recebemos nesse episódio Benilda Brito, que se apresenta como mulher negra, lésbica, quilombola, de axé, mãe e avó, neta da dona Benigna e filha da dona Zaira. Ela é também mestre em Gestão Social, Pedagoga, CEO da Múcua Consultoria e Assessoria Interdisciplinar. Ativista pela Educação no Fundo Malala, membro do Movimento de Mulheres Negras N´Zinga de Minas Gerais e consultora da ONU Mulheres.

“Eu gosto de dizer que a gente precisa radicalizar o conceito de democracia. Democracia exige que todo mundo seja tratado da mesma forma, que tenha os mesmos acessos igualitários à cidadania, respeito, direitos humanos, sejam econômicos, culturais, sociais, ambientais. E isso são situações que nunca aconteceram para a população negra no Brasil”, acrescenta Benilda.


Histórico


Carmen Silva lembra que a construção das lutas feministas pela democracia no Brasil é longa e remonta, inclusive, a luta pelo fim da escravização de pessoas negras no país. “A própria luta das mulheres escravizadas, que eram quituteiras, que eram chamadas escravas de ganho que iam para a rua vender quitutes para poder comprar alforria de seus companheiros, homens negros escravizados ou de outras mulheres, é uma luta fundamentalmente democrática, uma luta pela liberdade, uma luta pelo fim da escravidão”, afirma.


Carmen Silva militante no Instituto Feminista SOS Corpo e no Fórum de Mulheres de Pernambuco / Arquivo pessoal

Ela acrescenta que, décadas depois, as lutas feministas também contribuíram para a democratização do direito ao voto. “No Brasil, o voto era um direito dos proprietários, dos homens, dos letrados. As mulheres não tinham esse direito, então essa é também uma luta democrática”, explica.

Carmen acrescenta ainda a luta pela democratização da educação, para que as mulheres tivessem o direito de estudar nos mesmos espaços que os homens.Uma conquista mais recente apontada por ela é o direito de mulheres camponesas terem acesso à documentação como trabalhadoras rurais.

“Essa luta foi tão significativa, porque permitiu o acesso das mulheres rurais a direitos que, inclusive, alguns que os homens rurais tinham e as mulheres não, porque não eram reconhecidos como trabalhadoras”, explica.

Neste histórico de construção da democracia no Brasil, Benilda Brito destaca que a democracia brasileira nunca abraçou completamente a população negra. “Eu cresci ouvindo que a democracia era um mito. Cada vez mais, para a população negra brasileira, é o mito da democracia. E, principalmente, a democracia racial”, afirma.

Para Benilda, o Brasil nunca foi capaz de construir um projeto de democracia que incluísse a população negra. “Os movimentos, a resistência, aqueles e aquelas da nossa ancestralidade sempre reafirmaram o lugar importante de sujeito na história, de pessoa humana para a população, que merece ter acesso às garantias democráticas legais nesse país”, diz.


Benilda Brito, quilombola, lésbica, de axé, pedagoga, mestre em Gestão Social e CEO da Múcua Consultoria / Arquivo pessoal

Efetivação da democracia

Carmen Silva acrescenta a isto, outros elementos que também precisam ser enfrentados para a implementação real de uma democracia no Brasil. “Um primeiro elemento são as desigualdades de gênero e de raça que geram condições de vidas muito mais precárias para as mulheres, especialmente para as mulheres negras e empobrecidas”, diz.

Outros elementos apontados por ela são as desigualdades estruturais e uma cultura política, que estabelece o poder como “coisa de homem”. “As mulheres seguem sendo vistas como as fracas, as que não falam, que não participam. Essa visão cultural sobre as mulheres e os homens conferem lugar de poder aos homens”, afirma.

Para Benilda Brito, todos os empecilhos à participação das mulheres e, especialmente, das mulheres negras na sociedade são criados justamente para tentar manter uma organização social pautada na desigualdade.

“A gente precisa entender que todas essas negações, todas essas estratégias para não participação política de nós, mulheres negras, em qualquer espaço de poder, seja na iniciativa privada pública, no terceiro setor, na iniciativa política, são exatamente para manutenção das desigualdades”, acredita.

Ela acrescenta ainda que é justamente a presença de mulheres negras nos espaços de poder que poderá modificar tal situação. “Uma mulher negra enquanto gestora consegue modificar realidades territoriais que vão impactar muito na vida das pessoas”, diz.

Futuras caminhadas

Para os passos futuros dos movimentos de mulheres no país, Carmen destaca a urgência em garantir a continuidade da vida no planeta e o reconhecimento do direito das mulheres à autonomia.

“Primeiro precisa garantir a continuidade do planeta, porque da forma como a gente vem no quadro da situação climática que a gente está vendo no planeta, daqui a pouco não tem nem planeta para a gente ter democracia. A segunda coisa é reconhecer que nós, mulheres, somos sujeitos e que devemos ter garantia de autonomia, poder de decisão sobre o nosso corpo”, diz.

Benilda Brito acrescenta também a essas construções o direito ao bem viver. “Eu acredito no bem viver como era as comunidades quilombolas, onde cabia todo mundo. Manifestações inclusivas, onde cabia todo mundo onde o processo era discutido, em que havia a valorização das mulheres importantes. Então eu acho que é extremamente possível, sim, a gente construir uma democracia, mas ainda estamos longe de conseguir essa participação”, finaliza.

A série de reportagens e podcasts No Rastro das Luta é mais uma iniciativa que se relaciona com as ações dos 50 anos da CESE, trazendo uma abordagem voltada para sensibilização da sociedade acerca da contribuição social, cultural, econômica e política dos movimentos sociais no país. E conta com apoio do programa Doar para Transformar.

Edição: Alfredo Portugal