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Crise

“Franceses lutam contra a perda de direitos trabalhistas”, diz sociólogo

A proposta de reforma trabalhista do governo serviu como estopim para grandes mobilizações sociais.

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Há mais de um mês, os sindicatos franceses protestam contra a reforma trabalhista
Há mais de um mês, os sindicatos franceses protestam contra a reforma trabalhista - La Diaria

A França vive intensas manifestações de trabalhadores que lutam contra uma reforma trabalhista que pode resultar em perda de direitos conquistados com muito esforço. Para entender melhor a situação no país, o Brasil de Fato entrevistou o pesquisador Breno Bringel, professor de Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da UERJ. Ele está em Paris esse mês acompanhando vários movimentos sociais e atuando como diretor de estudos associado do instituto francês Collège d’études mondiales, da Fondation Maison des Sciences de l’homme (Fundação de Ciências Humanas).

Brasil de Fato – Estão acontecendo protestos massivos na França. Qual é o ponto central dessas mobilizações? 

Breno Bringel - Desde a crise financeira de 2008, a Europa tem vivido mobilizações contra as políticas de ajuste fiscal, a precarização do trabalho, retiradas de direitos, crise dos partidos políticos tradicionais, ou seja, o desmantelamento do Estado de bem estar social. Diferentes países na Europa presenciaram protestos massivos desde então, começando pela Islândia e passando por Portugal e Espanha. Na França, os protestos não tinham sido tão grandes como os de agora. A proposta de reforma trabalhista do governo serviu como estopim para grandes mobilizações sociais. 

Brasil de Fato - Quais os principais setores que serão afetados com essa reforma?

A reforma foi aprovada no Senado no dia 28 de junho e volta à Assembleia no dia 5 de julho para nova discussão. Ela afeta os trabalhadores de maneira geral. Pode aumentar o limite de horas de trabalho semanais de 35h para 39h, diminuir as indenizações em caso de demissão, eliminar os financiamentos aos jovens, flexibilizar ainda mais os contratos temporários e dar maior poder às negociações empresariais e menos importância aos acordos coletivos. É um grande retrocesso.

Brasil de Fato - Esses protestos, grandes assim, são comuns na França? 

A França tem uma longa tradição de mobilização e de organização política popular. No entanto, o que mais chama a atenção hoje não é somente o tamanho das mobilizações, mas principalmente sua intensidade e suas características. Assim como em outros lugares do mundo, houve uma ampliação dos protestos para uma parte da população que não estava antes organizada via partidos, movimentos e sindicatos, mas que se sente indignada e passa a participar da vida política. 

Brasil de Fato - Quais as semelhanças do que está acontecendo na França com a luta dos trabalhadores no Brasil?

Estamos diante de posições estruturais muito diferentes no Brasil e na França, mas há uma tendência comum de retrocesso em termos de precarização e de fortes ameaças aos direitos trabalhistas conquistados historicamente. Em termos políticos, boa parte das forças políticas da França parecem caminhar ao centro, embora a direita mais radical tenha crescido também. Na sociedade, a polarização aumenta. Tanto no Brasil como na França, há um contexto de militarização dos territórios e dos espaços públicos. No caso da França, isto se deve à política de combate ao terrorismo devido aos últimos atentados. Isso acaba afetando os movimentos populares, os indivíduos e a coletividade organizada, com uma limitação da liberdade e o aumento da repressão, da criminalização e do controle social. 

Brasil de Fato - O que o Brasil pode aprender com os franceses?

Há muitas experiências fantásticas de luta hoje, sejam na França, na Síria ou no México. Para aprender é preciso compartilhar. Temos que gerar mais solidariedade e conexões entre nossas lutas. É cada vez mais importante reforçar e revitalizar a luta internacionalista. Um exemplo importante de solidariedade da França com o Brasil foi a atuação de movimentos populares franceses e de coletivos de brasileiros na França. Esses movimentos mudaram a visão que a população e os meios de comunicação franceses tinham sobre os acontecimentos recentes no Brasil. De uma visão de apatia ou até de apoio ao impeachment, boa parte dos meios franceses mudaram o tom e passaram a denunciá-lo. Passaram a chamá-lo pelo seu verdadeiro nome: golpe de Estado. 

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