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Depois de um julho de derrotas, construir um agosto de esperança

Fomos derrotados totalmente? O que precisamos avaliar desse processo?

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
A esquerda brasileira se unificou na luta contra um governo que combina perseguição ideológica, miliciana selvagem.
A esquerda brasileira se unificou na luta contra um governo que combina perseguição ideológica, miliciana selvagem. - Juan Mabromata/AFP

Maio e junho inauguraram as lutas sociais unitárias contra o desmonte bolsonarista. De um lado, uma visão social de mundo limitada, elegendo a educação como inimiga, advogando pela substituição de um suposto doutrinamento ideológico nas escolas, por uma concepção bruta e pobre, onde tudo se resume a “aprender um oficio, a ler e escrever e fazer conta”. De outro, um projeto econômico cruel, de destruição da aposentadoria pública e solidária, por formas dos bancos se apropriarem da poupança dos trabalhadores, tirando da responsabilidade dos patrões pagarem pelo que consomem da força e energia do povo brasileiro, jogando futuros idosos na dura batalha por encontrar emprego.

Assim, toda a esquerda brasileira se unificou na luta contra um governo que combina perseguição ideológica, miliciana selvagem, vinculando juiz, verdugo com interesses econômicos mafiosos, de roubar o que resta do Estado. Os lutadores estiveram animados, logo após os cinco meses de crise interna do governo: militares contra olavista; Bolsonaro contra Maia; bolsonarismo contra STF, etc., etc. De ruas cheias nos dias 15 e 30 de maio, animando as forças sociais anti-desmonte, nos desanimamos com o híbrido dia 14 de junho, que combinou greve parcial, arrastando vários cantos do país, com atos massivos, mas sem a força do dia 15.
Em julho, fomos derrotados pela votação folgada por uma previdência que dificulta a aposentadoria e tende a jogar mais pessoas no trabalho precário. Fomos derrotados totalmente? O que precisamos avaliar desse processo? É necessário o entendimento da conjuntura econômica e social para poder compreender nosso patamar atual de forças, para que não nos perdemos nem em triunfalismo delirante, nem em derrotismo depressivo.

Em Londrina, numa cidade com atual forte hegemonia do pensamento miliciano-ultraliberal, nossa expectativa para o dia 14 de junho era somar-se às lutas nacionais e cumprir um papel a contento e disputar politicamente nossa cidade. Dessa forma, conseguir impactar o poder social local, movimentar e unificar os lutadores, acumulando forças para o movimento nacional, numa ampla e interessante unidade que se forjou no comitê de luta contra a reforma da previdência, que unifica a Frente Povo sem medo, Coletivo de sindicatos, Frente Brasil popular, Frente ampla e Frente feminista, agregando diversas forças, trazendo lideranças estudantis, sindicais, da luta pela educação e diversos partidos de esquerda, e do melhor das igrejas cristãs.

Assim, no dia da greve geral, comitê unificado local conseguiu parar a circulação dos ônibus pela manhã, impactando na rotina produtiva da cidade, logo, um ato pela manhã, que somado ao da tarde, dos estudantes, teve a medida do dia 30. Não houve a mobilização esperada de alguns atores, nem uma paralisação total da cidade, mas é inegável o impacto local, com setores da direita londrinense se sentindo ofendidos com a nossa luta, assim como, envolvendo a opinião pública no necessário debate sobre a importância duma aposentadoria solidária. Nacionalmente também houve paralisações pontuais do processo produtivo, que se diferenciou dos atos da esquerda, que em geral, se concentram nas capitais.

Enquanto as forças sociais se movimentavam. No altar de cima, a elite local, os investidores internacionais, os donos do dinheiro, isto é, o capital e seus representantes visualizavam estarrecidos os indicadores de estagnação econômica e manutenção das contas públicas negativas, mantendo instáveis as condições financeiras do país, essencial para valorizar seus dólares. O déficit primário, que junta despesas do Estado e a previdência social, excluindo as despesas com juros, isto é, onde se encontra os gastos com direitos, resultaram em -1,9% do pib, em maio de 2019, segundo dados do Banco Central. O que reforça a necessidade de mais corte de gastos públicos para a elite nacional e internacional. Numa dinâmica de baixa acumulação, os lucros transferidos para financiar a parte social do déficit, isto é, o financiamento dos gastos com o povo, funciona para os capitalistas como salário indireto e, portanto, algo a ser cortado para que eles possam incrementar seu poder social e voltar a acumular, ou ganhar, mesmo com baixo crescimento.

Por outro lado, o desemprego em alta, que desde 2015, ápice da crise, não baixa de um piso de 11% aumentou a percepção de insegurança social, que fragiliza o povo ante as chantagens dos capitalistas de que é necessário cortar gastos para voltar a empregar. A fragilidade da visão social de mundo das esquerdas que defendem maior gasto social como alternativa a crise, um antipetismo ainda fresco das eleições, somado a lógica popular de esperar ver no que dá, e torcer pelo país, foram pratos cheios para a campanha midiática pela nova previdência. Como se a aposentadoria pública e, nalguma medida a educação, fora um custo que impedisse o Brasil de crescer, sendo assim necessário arrumar a casa e pagar as dívidas para voltar a consumir.

É nessa perspectiva dura, com alinhamento no alto, força das ideias elitistas que partimos. Esse processo foi iniciado no golpe parlamentar, que não apenas derrotou o que havia de errado no PT, mas também seu lado popular e o caldo programático dos outros setores, que defendem bandeiras democráticas e populares, e tem um horizonte anticapitalista e socialista. Então, as forças sociais e políticas apontam, na conjuntura atual, para as classes dominantes, mesmo estes setores não tendo um programa capaz de ser suficientemente superior ao neodesenvolvimentismo que fez o Brasil crescer, sendo liderado por um sujeito totalmente inábil para garantir estabilidade ao país e exercer papel digno frente ao capitalismo mundial.

Diante disso, é que temos de analisar nosso pouco tempo de luta. 14 de junho foi um processo nacional, que não chegou a ser uma greve geral capaz de parar 70% do processo produtivo do país, tampouco um ato com os de junho de 2013, massificando as ruas e mexendo com o ânimo do poder. Mas foi um exercício de unidade que unificou lutadores e teve impacto na produção, fazendo disputa nas massas, que também participaram dos atos (ou apoiaram) - em menor medida do que o esperado e necessário. Nessa mesma toada, o governo desidrata a reforma, retira o projeto de tornar o BPC uma esmola e da destruição da lógica pública da previdência, da capitalização.

Uma derrota e uma vitória? Show de fisiologismo com rios de emendas parlamentares. Opinião pública dividida com uma parte apoiando. Acordo pelo alto. Campanha massiva dos meios. Realinhamento do governo. 30% de apoio ao Bolsonaro, mas com 30% de desaprovação, dado mais alto de um primeiro mandato. Porém 30% querendo pagar para ver, entendendo o governo como regular. Seria um empate? E, lutadores frustrados, tentando apontar erros uns nos outros, que claro, existe. Necessidade de retomar trabalho de base, de disputar pensamento e o senso comum para valores e universalidades da esquerda de novo. Degeneração moral da direita com quadros políticos saídos do pior pesadelo de um filme de terror em que os vilões ganham.

Foi ou não foi uma derrota histórica a aprovação da reforma da previdência? Não. Pois a derrota estratégica se deu em 2016, com o golpe, e agora é a recomposição das forças. Duraremos 30 anos como na derrota de 1964? Se acreditarmos numa história circular, num processo em que os ciclos se repetem, bom, podemos achar que sim. Mas não é assim que as coisas são. Nem 1929 foi igual a 1973. Castelo Branco é bastante diferente de Bolsonaro. Assim como Paulo Guedes está longe da erudição de direita de Delfim Neto.

É necessário disputar cada centímetro tático desse ajuste, impedir um desmonte global dos gastos sociais, ao mesmo tempo, que, nos fortalecemos socialmente, tanto nosso trabalho organizativo, de agitação e de construção de novos consensos sociais, em torno dos gastos públicos e dos direitos como soluções econômicas para arrumar a casa. Dia 13 de agosto está aí para mais um capítulo dos lutadores sociais serem atores dessa arena política e não deixar o andar de cima ditar todas as regras

Edição: Laís Melo