Paraná

Educação

Muito além da sala de aula

Jornadas estafantes, ataques a direitos, desvalorização da profissão. Professores pedem condições de trabalho dignas

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
No dia dos professores, mais que parabéns, categoria quer condições de trabalho dignas
No dia dos professores, mais que parabéns, categoria quer condições de trabalho dignas - Gibran Mendes

Jornadas estafantes, dois, três turnos por dia. Trabalho “não para nunca”. Essa é a realidade de professoras, do ensino fundamental e da universidade pública. Por coincidência, duas “Elzas”, entrevistadas pelo Brasil de Fato Paraná. Mais que dar parabéns pelo dia do professor, comemorado em 15 de outubro, o BdF buscou entender a realidade a que as profissionais estão submetidas. 

“Trabalho três turnos por necessidade”, diz Elsa, da escola pública 

“Trabalhar três turnos é por necessidade. Estamos com salários sem reajuste, ainda tem desconto de impostos, não passa de dois salários mínimos cada turno,” diz Elsa Magalhães, que é mãe, dona de casa e ainda trabalha de manhã, tarde e noite em escolas públicas, desde 2003, quando fez seu primeiro concurso.

Atualmente, pela manhã, é professora do ensino fundamental, à tarde trabalha com formação de docentes no ensino médio, e à noite atua como pedagoga.

Rotina pesada que, segundo ela, só é aliviada porque ama o que faz. “Eu acredito na sala de aula. Eu me realizo vendo uma criança do 5º ano ou um jovem com os olhos brilhando porque superou uma dificuldade, aprendeu algo. Eu vibro com eles, eu coloco vida, pois só assim tem sentido”. Elsa aponta como aspectos negativos a desvalorização externa, que nada tem a ver com a sala de aula. “Os prós são a desvalorização da profissão, são estes tempos em que é crime trabalhar conteúdos com senso crítico e alguma desvirtuação na função da escola”, diz.

Elsa, em 2005, teve que pedir licença médica e precisou fazer tratamento com antidepressivos. Atribui isso ao desgaste da rotina, pois “muitas vezes era o meu salário que sustentava a casa”. Mesmo com tantas adversidades, não pensa em desistir. “Apesar das adversidades, meus alunos me enchem de vida”, declara. 

“O trabalho não acaba nunca”, diz Elza, da UTFPR 

A primeira reação da professora Elza Oliveira Filha, que dá aula em Comunicação Organizacional na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), é de indignação quando perguntada sobre a frase do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de que professor ganha muito e trabalha pouco. “É estapafúrdio, por parte do ministro, pensar que a gente trabalha apenas em sala de aula. E aqui na UTFPR, que conheço bem, ninguém dá tão pouca aula como ele fala nem ganha tanto”. Elza conta que dá 12 horas de aula por semana, mas que orienta seis alunos no trabalho de conclusão de curso (TCC), coordena o Núcleo de Comunicação do Departamento de Extensão do Campus e faz projeto de pesquisa, com estudantes da graduação e do mestrado, no Observatório Paranaense de Mídia. 

“Trabalhei 25 anos em jornais diários, que todos os dias fechavam uma edição, mas acabava e ia pra casa dormir, sem ficar preocupada. Na universidade, a sensação é de que nunca acaba, sempre tenho coisas para fazer, aulas para preparar, trabalhos para corrigir. Mesmo nas férias, isso fica na cabeça permanentemente", diz.

Ela destaca ainda o aspecto do relacionamento com os alunos, gratificante, mas também desgastante. “Os alunos sofrem com depressão, síndrome do pânico, desemprego, é um momento da sociedade que implica desgaste maior do professor. Muitas vezes você deita e fica pensando. Ontem mesmo tive conversa com uma aluna que está sem emprego, pensando em desistir da universidade. Vou deitar e fico pensando o que posso fazer para ajudar. Isso também faz parte das atividades”, explica a professora.

Ratinho Jr. dá ‘presente de grego’ ao funcionalismo 

No dia dos professores, a categoria acabou, junto a todo o funcionalismo, recebendo um verdadeiro “presente de grego” do governo do estado do Paraná. Em 15 de outubro, deputados aprovaram projeto do governador Ratinho Jr. (PSD) que acabou com a licença especial, a que tinham direito há décadas. Era um período de 90 dias a que os servidores tinham direito a cada cinco anos de serviço e se não tivessem penalidades administrativas. O que era usado, muitas vezes, para tratamento médico. 

A votação, em segundo turno, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), aconteceu com grande protesto dos servidores, que lotaram as galerias da Alep. Muitos professores presentes lamentavam não poder comemorar o seu dia. “É triste estar aqui lutando por um direito nosso. Um governador que trata seus professores assim é alguém que promete muitos outros ataques”, disse Maria Lucia, professora da rede pública. 

Na sessão, a deputada Luciana Rafagnin (PT) trouxe números de suicídios que vêm acontecendo entre servidores. “Em 2018, 11 policiais morreram por suicídio. Entre 2008 e 2016, na área da saúde, foram 48 casos de suicídio. E em 2018 foram 15 mortes de professores pela mesma causa.” Luciana destacou que tanto o aumento de adoecimento como o número de suicídios se dão pelas más condições de trabalho e que a licença especial era uma possibilidade para tratamento médico. 

Como fica 

Para os servidores que entrarem agora no serviço público, após a lei entrar em vigor, não haverá mais direito à licença. Os atuais servidores, que completarem o tempo de serviço necessário para o direito, terão que comprovar a realização de cursos de aperfeiçoamento profissional (capacitação) na sua área. 

Edição: Lia Bianchini