Paraná

BALANÇO DE 2019

Eles roubam as flores, pisam no jardim e não se escondem

Professor estadual faz um balanço da conjuntura turbulenta de 2019

Brasil de Fato I Ponta Grossa (PR) |
Fila de desemprego comum de ser vista ao longo do primeiro ano de governo Bolsonaro
Fila de desemprego comum de ser vista ao longo do primeiro ano de governo Bolsonaro - Cesar Itiberê

Outubro de 2018. O Brasil elege o presidente da República. Muitos sinais de alerta dão conta que o ovo da serpente do fascismo estava em fase de eclosão. Embates políticos são travados para disputar a vanguarda eleitoral. Jair Bolsonaro é eleito. A democracia burguesa, no auge da exposição das suas contradições, das suas fétidas feridas e fissuras, permite que um grupo avesso aos mínimos ritos democráticos, chegue ao poder.

Nesse grupo político reúnem-se a direita, a extrema-direita, liberais, neoliberais, conservadores, herdeiros do nazifascimo brasileiro, militares do auto-escalão inconformados com o fim da ditadura e defensores de um legado de repressão, censura, tortura e assassinatos impostos à sociedade brasileira.

Soma-se a esse grupo frações da classe média ressentida, que se considera classe dominante, mas fica na antessala da burguesia, além de alguns grupos religiosos cristãos conservadores e ultraconservadores, saudosos da Idade Média e das trevas do obscurantismo que expõem, em praça pública e em seus púlpitos, a intolerância e manipulam o cristianismo ao seu bel-prazer.

Eles venceram e o Brasil perdeu! Desde então, as pautas que atacam os direitos humanos e a frágil democracia brasileira passaram a ser parte do cotidiano no país. Num misto de naturalização da barbárie, de ode ao obscurantismo, de vingança por um projeto interrompido com o fim da ditadura, da invocação dos invasores portugueses, dos defuntos putrificados da monarquia, da alusão aos fascistas derrotados, que se supunha extintos, passou-se a reivindicar e saudar os monstros de um passado sombrio e perverso.

Completa-se um ano de posse! A previdência social foi destruída, os direitos trabalhistas atacados, os direitos sociais tratados como privilégios, a educação teve cortes bilionários, as universidades públicas de referência mundial se tornaram inimigas a serem abatidas. Os professores, já precarizados em suas funções, passaram a ser criminalizados pelo ministro da educação e por integrantes do alto escalão governamental. Áreas como ciência e tecnologia foram atacadas por astrólogos e terra-planistas, como se a ignorância, a estupidez e a cultura do atraso estivesse na moda nessas terras tropicais.

A censura a alguns veículos de comunicação da mídia comercial viraram rotina, mesmo a mídia brasileira sendo fiadora desse projeto, por vezes explicitamente e, por vezes, disfarçadamente. Porém, muitos desses grandes veículos de comunicação, ao longo de 2019 foram atacados por Bolsonaro e seu grupo político. Ironicamente, esses mesmos veículos permanecem fiéis à ala neoliberal e às metas privatistas traçadas pelo governo federal. Trabalham, diuturnamente, como propagandista das medidas econômicas, como se fosse possível separar tais medidas das ações truculentas e autoritárias.

Os flertes com a ditadura ocorreram cotidianamente ao longo de 2019, no entanto, nada diferente do que já faziam em período eleitoral. A romantização da ditadura servia, também, como forma de desviar o foco de problemas graves envolvendo o clã Bolsonaro como por exemplo, o caso Queiroz, os candidatos “laranjas” do partido do presidente ou as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco. As menções à ditadura e, principalmente ao Ato Institucional número 5 vieram do clã, mas também do ministro da economia, representante máximo do neoliberalismo que ocupa o governo federal, assim como do vice-presidente da República.

Eles avançam! Tentam criar um partido com o número 38, em alusão à arma de mesmo calibre. Os defensores do nazifascismo já exibem suas preferências publicamente, cantando o hino dos integralistas no centro da maior cidade brasileira ou ostentado a suástica nazista em espaço público.

O aparelhamento do Estado brasileiro segue em ritmo acelerado para dar sustentação ao governo e fazer avançar o projeto de poder. Esse avanço é perigoso, mas não pode paralisante para aqueles que se mantém lúcidos, conscientes e dispostos a lutar.

Em 1968, ano em que a ditadura militar impôs o AI5, Eduardo Alves da Costa escreveu o poema “No caminho de Maikovski”. Dizia ele:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada


2020 está aí! Algumas flores já foram roubadas e parte do jardim pisoteado. Não permitamos, porém, que nos roubem a luz e que nos arranquem a voz da garganta. Com a união, organização e a luta, faremos passar a noite escura, a repressão, o terror e o medo e, à luz do dia, reconstruiremos o jardim e faremos ecoar a nossa voz! O caminho, porém, se faz caminhando! Coloquemo-nos em marcha!

Edição: Pedro Carrano