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O povo precisa entender que a reforma administrativa é cruel

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Com a ajuda do ministro da economia, o banqueiro Paulo Guedes, eles criaram a chamada reforma administrativa. - Foto: Marcos Corrêa
Para vender a tal reforma administrativa, o ministro Paulo Guedes brinca com a dor do povo.

Todo mundo utiliza serviços públicos. 

Mas tem quem usa esses serviços para garantir a própria dignidade. São trabalhadores, desempregados, quem faz bico, quem mora na periferia, quem dá duro para se sustentar e sustentar a família ou mesmo quem precisa da prestação de um serviço público específico para não morrer de fome. 

Esses sabem como é duro ficar horas na fila do hospital, ter que levar o filho para escola com goteira e fiação elétrica exposta, ter que driblar o atraso do repasse de programas sociais e ainda conviver com o excesso da burocracia quando mais precisa agilizar um documento importante. Esse cenário precisa ser mudado com urgência.

Com a própria realidade como exemplo, o governo Jair Bolsonaro resolveu, mais uma vez, enganar o povo, inclusive parcela daqueles que confiaram a ele o voto depositado na urna. 

Com a ajuda do ministro da economia, o banqueiro Paulo Guedes, eles criaram a chamada reforma administrativa. O nome é bonito. Traz aquela ideia de aprimoramento, de melhores resultados. Mas não passa de mais um projeto para deixar a situação de quem mais precisa ainda pior. Para vender a tal reforma administrativa, o ministro Paulo Guedes brinca com a dor do povo brasileiro e diz que a proposta do governo veio para melhorar os serviços públicos.

E quem hoje, que depende dos serviços públicos para tudo, vai dizer que isso é ruim? O grande problema é que, como muitas vezes já foi feito, essa é uma grande mentira.

Mesmo depois de uma série de alterações feitas como resposta à pressão de sindicatos e centrais sindicais, como a CUT, a reforma administrativa é uma tentativa de acabar com os serviços públicos. Para fazer essa maldade, o projeto teve que ser construído como uma proposta de emenda à Constituição, a PEC 32.

Nela, o governo cria várias armadilhas. Ele fala, por exemplo, que vai aperfeiçoar os serviços públicos com a realização de instrumentos de cooperação entre governos e a iniciativa privada para gestão de equipamentos públicos. Isso quer dizer que o governo da sua cidade, do seu município ou mesmo o governo federal poderão fazer parceria com uma empresa privada, que ficaria responsável por gerenciar escolas e hospitais, por exemplo. 

Mas ninguém nunca ouviu falar em alguma empresa que não tivesse o objetivo de lucrar. E no caso do serviço público, o lucro vem da piora na prestação dos serviços ou do aumento/implementação de taxas. E em algumas vezes, como no caso da privatização do sistema elétrico, as duas coisas acontecem ao mesmo tempo: serviço péssimo e conta cara.

Bolsonaro e Paulo Guedes também prometeram acabar com a fantasiosa imoralidade do serviço público. Mas a reforma administrativa, ao permitir essa gestão de serviços públicos por empresas privadas, permite a contratação de pessoal sem concurso público. 

Ou seja, os primeiros da lista, sem dúvidas, seriam o amigo do diretor, o sobrinho do deputado, a esposa do senador, o contato do ministro. Tem algo mais imoral, mais vergonhoso do que isso? Sem falar que essa prática levaria à redução gradativa de concurso público, até que todos os setores existissem basicamente com mão de obra terceirizada e contratados por indicação política. 

Na reforma administrativa de Bolsonaro e Guedes, também está a contratação quase ilimitada de servidores temporários para as áreas que não são consideradas funções típicas de Estado, ou seja, próprias do Estado. 

E por incrível que pareça, setores básicos como educação, saúde, lazer e tantas outros direitos sociais não estão garantidos no texto da reforma administrativa como setores típicos de Estado. Com isso, as vagas oferecidas seriam para profissionais sem estabilidade, com pouquíssimos direitos e sem domínio do setor. Nenhum lugar melhora a qualidade de serviço com um quadro majoritariamente assim.

Para ganhar apoio popular, o texto da reforma administrativa, depois de alterado, prevê que o próprio usuário do serviço público pode fazer a avaliação dos servidores. Parece interessante. Mas será que realmente existe possibilidade de executar um serviço rápido e que agrade todo mundo sem ter a estrutura necessária? 

Há repartição pública que falta tinta na impressora, filtro de água para servidores; tem hospital que falta gaze; tem escola que falta pincel de quadro. Entretanto, a reforma administrativa de Bolsonaro não diz uma linha sobre a melhoria das condições de trabalho oferecidas aos servidores.

Tudo isso leva a acreditar que o que hoje está ruim, amanhã pode ficar ainda pior. E quem pagará o pato, mais uma vez, é o povo, que teria serviços públicos precários e caros. Aliás, somente os grandes empresários donos de empresas prestadoras de serviço sairiam ganhando, e ganhando as nossas custas. 

Na realidade, se a gente parar para pensar direito, como poderia dar certo uma reforma elaborada por um presidente que fala que o trabalhador tem que escolher entre direito ou emprego e por um ministro que diz que o brasileiro põe muita comida no prato e o resto deve ir para quem passa fome?

Uma reforma administrativa é sim necessária. Mas não essa que vem sendo trabalhada para virar lei sem que a população, a principal interessada, saiba do que se trata. A gente precisa de uma reforma administrativa que valorize os serviços públicos e seus servidores, que amplie esses serviços e os torne cada vez mais acessíveis. A gente precisa de uma reforma que esteja de acordo com as necessidades da população e que respeite os direitos já garantidos.

O povo precisa entender que essa reforma administrativa é cruel e ter consciência do que está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados. Precisamos ir às ruas, pressionar parlamentares, conversar com nossos vizinhos sobre mais este golpe. Precisamos desmascarar a reforma administrativa de Bolsonaro e Guedes e enterrá-la de uma vez por todas já. Ou será tarde demais.

*Rodrigo Rodrigues é professor de História da rede pública de ensino do DF e presidente da CUT-DF

**Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Márcia Silva