Rio Grande do Sul

Água e Saneamento

Privatização da Corsan é questionada em coletiva de imprensa convocada pelo Sindiágua/RS

Argumentos e metodologia usados pelo governo estadual foram questionados através de análise técnica e jurídica

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em coletiva, Sindiágua/RS rebateu os argumentos do governo estadual para seguir com o processo de privatização da Corsan - Reprodução

Foi realizada, na manhã desta sexta-feira (29), uma coletiva de imprensa convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS). O objetivo foi rebater os principais argumentos do governo Eduardo Leite (PSDB) para tocar o processo de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan).

Além disso, foram questionados os métodos considerados ilegais e imorais que estão sendo usados pelo governo para pressionar e convencer os prefeitos a assinarem os contratos referentes ao processo de privatização da Companhia e do serviço de água e saneamento do estado.

O Sindiágua/RS chamou esta coletiva de "Corsan: uma privatização sem ter o que vender". O nome faz referência a uma das principais críticas ao processo: o governo do estado é dono da maior parte das ações da Corsan. Porém, esta propriedade se refere somente às estruturas físicas da Companhia (prédios, reservatórios e tubulações, por exemplo).

Por outro lado, o serviço de saneamento e a própria água não têm dono, atualmente. Cabe aos municípios tratar e regular o serviço, tanto que o Marco Legal do Saneamento define que são os governos e legislativos municipais que devem, até março de 2022, assinar os aditivos nos contratos de saneamento, com as novas metas definidas.

Prefeituras pressionadas

Segundo relataram na coletiva de imprensa os integrantes do Sindiágua/RS, o governo do estado tem pressionado as prefeituras para que assinem a entrega do serviço para a iniciativa privada antes do final do ano, utilizando de ameaças e chantagens. Além disso, afirmam que o governo determinou que somente os prefeitos assinassem os aditivos de contrato, pressionando para que isto aconteça sem que a análise dos documentos passe pelas Câmaras de Vereadores locais.

Outro ponto que foi bastante discutido foi que a assessoria jurídica do Sindicato afirma que essa mudança não deve nem ser chamada de um aditivo de contrato. Além das metas estabelecidas pelo Marco Legal de Saneamento, que já são expressivas, o governo Leite ainda propõe mais de 50 mudanças na forma e nas regras do serviço de água e saneamento.

Desta forma, considera o Sindiágua que o que está sendo proposto é um novo contrato, e não um simples aditivo. O que aumenta ainda mais a importância de que esses contratos sejam analisados pelos legislativos municipais.

Ressaltaram também que, entre as mudanças propostas, o governo colocou no contrato a liberação para a que a empresa privada que vier a prestar o serviço possa cobrar a tarifa que quiser, a partir de 2033, além de isentar a empresa de arcar com os custos da tarifa social (preços mais baixos para a população pobre).

Confira abaixo, um resumo das falas que fizeram parte da coletiva de imprensa:

Governo pretende entregar o saneamento para o mercado financeiro

O primeiro a falar foi Arilson Wünsch, presidente do Sindiágua/RS. Retomou o histórico dos grandes planos nacionais para impulsionar o saneamento do país. Segundo ele, esses planos passam a ter uma grande mudança na sua lógica após 2016, quando se passou a tratar a questão da água não mais como um tema da saúde pública, mas pela lógica do mercado.

"No governo Temer, tivemos duas medidas provisórias que 'entregaram' a água. Depois, em 2020, foi aprovado o Marco Legal do Saneamento, que induz a privatização da água, tira as companhias estaduais da jogada. A desculpa era de que a iniciativa privada poderia entrar competindo no saneamento, o que era uma mentira, pois no RS [por exemplo] já tínhamos cidades que haviam privatizado o serviço", explica.

Afirmou também que o governo Eduardo Leite pretende entregar o serviço de água e saneamento do estado para os bancos e empresas financeiras, o chamado mercado financeiro. Recordou que o governo lutou para retirar a obrigação de consulta pública à população no caso de privatização da Corsan, além de garantir a aprovação da lei que permite a venda.

Recorda que os integrantes do Sindicato têm feito visitas à prefeitos e deputados estaduais para dialogar sobre o tema. Afirmou também que, em visita ao deputado estadual Beto Fantinel (MDB), por exemplo, foi relatado que o governo tem ameaçado os municípios de que, caso não consiga a aprovação dos prefeitos para a privatização, irá simplesmente "desmanchar a Corsan".

Por fim, Arilson indagou o atual presidente da Corsan, Roberto Barbuti, sobre uma declaração dada ao jornal Correio do Povo. Questionado sobre os riscos do processo de privatização, enquanto o mundo observa diversas tentativas de reestatização dos serviços de coleta e tratamento de água, Barbuti afirmou que esses riscos fazem "parte de um ciclo".

"Qual ciclo estamos falando? Se estamos privatizando pra tentar resolver a questão da água, como vamos jogar riscos pra 'outros ciclos'? Eles não estão preocupados com o saneamento e sim com um ciclo de entregas para o mercado financeiro", rebateu Arilson.

Governo estadual não pode vender a Corsan sem antes consultar municípios

Após, falou Rogério Ferraz, diretor de Divulgação do Sindiágua/RS. "A Corsan é uma sociedade de economia mista, pertencente quase totalmente ao estado do RS. Nos municípios, ela existe enquanto parte física, é o reservatório, a estação de tratamento, os prédios. É isso que o governador tem pra vender na Bolsa de valores. Esse patrimonio, para efeito de venda, não tem interesse. O que tem valor é o serviço de saneamento, só que esse serviço pertence ao municípios", afirmou Rogerio.

Ele explicou o porquê do Sindiágua/RS afirmar que o governador não tem o que que vender. Segundo ele, a conclusão lógica desse raciocínio é que o governador não pode colocar à venda algo que não é totalmente do governo estadual. Porém, afirma que o tem sido feito é o contrário.

Recordou também que o aditivo proposto apresenta 58 mudanças. "Isto não é um aditivo, é um novo contrato. O governo se esforça para fazer parecer que é um simples aditivo, pois se mostrar o que é na verdade, ele fica obrigado a passar pelo crivo dos legislativos municipais" explica.

Afirma que o governador não pode pressionar os municípios, e que o dono do negócio é o prefeito, que é quem determina o que quer para a cidade, e que essa relação contratual tem que ficar clara. Por fim, criticou que o governo tem se valido de duas equipes de advogados que foram contratados sem licitação, por R$ 6 milhões, para tentar pressionar os prefeitos.

Tantas alterações configuram um novo contrato

Falou também o advogado Antônio Castro, do escritório Castro, Osório, Pedrassani & Advogados Associados. "A Corsan enviou aos municípios um aditivo contratual que altera o serviço em 58 cláusulas e esta exigindo que as prefeituras devolvam assinado, apenas pelo prefeito, até meados de dezembro, desrespeitando inclusive a lei que afirma que os prefeitos tem até março de 2022", relatou.

Apontou que o governo não respeitou o rito determinado pelo Marco Legal, que é primeiro a conclusão do processo de regionalização, ou seja, o agrupamento de municípios circunvizinhos que tenham as mesmas características de fornecimento de água e saneamento. Esse processo deveria ter sido concluído até julho deste ano.

O advogado destacou também que o governo tem feito o contrário: primeiro mandou o aditivo de contrato, afirmando que este não sofre impacto e predomina sobre a regionalização, desrespeitando o Marco Legal.

Além disso, com relação à pressão do governo para que somente os prefeitos analisem e assinem os aditivos, afirmou que essas ameaças já foram registradas e estão guardadas como provas.

Prosseguindo, explicou que o Marco Legal do Saneamento altera as metas, os custos e os prazos do serviço de água e saneamento. "Altera de forma tão profunda que os municípios precisam se reunir e decidir sobre a assinatura desta mudança. Um tema que precisa ser debatido no Legislativo municipal e não somente assinado pelo chefe do Executivo. Mais razão temos ainda se analisarmos essas 58 cláusulas."

Explicou que, dentro dessas 58 mudanças, pelo menos quatro alterações justificam essa preocupação: a primeira é que a concessão do serviço será de mais de 30 anos; a segunda é que a partir de 2033 a prestadora será liberada para cobrar a tarifa que quiser; a terceira mudança importante diz respeito ao fato que, a partir de 2033, quando se libera a tarifa pra empresa, se existir alguma tarifa social a ser subsidiada para os pobres, o município é que devera arcar com os custos.

Já a quarta mudança se refere a uma garantia que têm os atuais prefeitos: caso a Corsan seja privatizada, o governo municipal pode denunciar o contrato e assumir o serviço, se apropriando legalmente dos bens da companhia, pagando da forma que puder. É uma garantia que o governo pretende fazer os municípios abrirem mão, sem nenhuma contrapartida.

"Essas mudanças não podem ser assinadas somente por um prefeito. Já analisamos dezenas de legislações municipais, e todas elas são muitos claras: os contratos de concessão devem ser analisados também pelos legislativos", explicou o advogado.


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Edição: Marcelo Ferreira