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CRÔNICA. Recordação de Mineiro

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Animado, articulador, Mineiro tinha sempre olho atento para ajudar alguém ou então fazer uma ponte entre duas pessoas e duas necessidades - Pedro Carrano
São incontáveis as figuras humanas que temos o prazer de conhecer nas lutas populares

São incontáveis as figuras humanas que temos o prazer de conhecer nas lutas populares. Algumas deixam marcas em nosso convívio, depois que ele passa a ser permanente. Outras, por sua vez, atravessam como uma flecha as nossas vidas, um raio em céu azul, a partir desse trecho militante que, de alguma maneira, é feito de estradas, de caminhos, de mudanças constantes, de encontros, de despedidas.

Foi assim com Carlos Henrique Pereira, o Mineiro, amigo que faleceu no final do trágico 2021, e de quem me recordei neste começo de 2022, como se ele tivesse surgido para ser o tema do perfil dessa crônica. Não sou dado a calendários ou qualquer astrologia, mas cheguei a pensar comigo que este fosse o ano de Mineiro.

Figura carismática, militante negro que, recém-chegado a Curitiba, vindo de Belo Horizonte, conheceu a associação de moradores das vilas Maria e Uberlândia, e a nossa União de Moradores que organizamos no bairro Novo Mundo, e foi se apresentando para o trabalho.

Sempre disposto, ele contribuiu também no barracão de comercialização de alimentos do MST, que concentra a produção de todo o Paraná, enviada pelos assentamentos e acampamentos do movimento. Animado, articulador, Mineiro tinha sempre olho atento para ajudar alguém ou então fazer uma ponte entre duas pessoas e duas necessidades.

“Sou becão, camisa três, eu vou chegando, entrando de cabeça, pé firme”, ele dizia, do alto do seu corpanzil, da sua capacidade de olhar nos olhos e dizer o que pensava para qualquer pessoa. Conseguia ser sério e sorridente ao mesmo tempo. Talvez até por isso tivesse habilidade para romper as divergências entre as lideranças das associações de moradores em nosso bairro, reunindo, problematizando, encontrando um ponto comum e até deixando envergonhada a parte que se recusava a ceder e não olhava para aquilo que era central: os problemas do nosso povo. Mais tarde, Mineiro deixou as tarefas no movimento popular e foi trabalhar numa fábrica. “Cumpri meu período, bola pra frente, pra outra empreitada, logo volto. Ruim comigo, pior sem mim”, brincava.

No episódio quando recebemos mais de uma tonelada de batata salsa de uma das colheitas solidárias do MST, quando corremos contra o tempo para não deixar a batata estragar, depositada no corredor lotado da associação de moradores, recordo das horas que passamos cortando os tubérculos, enquanto Leonel encontrava lugares que quisessem doações e também restaurantes que comprassem a batata. Além de tudo, nos assustávamos com os preços abusivos de um pequeno punhado daqueles alimentos nos mercados. Já as batatas que tínhamos em quantidade seriam jogadas fora e descartadas pelo mercado se não as tivéssemos aproveitado!

Entrega, debate franco, crítico, mas com disposição amiga. São itens que até o momento me lembram do Mineiro e me lembram do que necessito, do que talvez todos necessitemos, para este 2022.

Edição: Lucas Botelho