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Marx e a Religião

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"Sem luta de classe e revolução, ricos e poderosos não renunciam ao seu papel de explorador" - Foto: Tolga Akmen/AFP
Liberdade só é possível sem pressões deformadoras da propriedade privada e do dinheiro

Ao final do mês de fevereiro de 1844, em Paris, portanto há 178 anos, Karl Marx escreve no primeiro e único número da revista “Anais Franco-Alemães”, “Para a Questão Judaica”; além de um outro trabalho dele, “Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, onde ele diz: “O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo”.

Ópio

Marx não queria alinhar a religião a todas as drogas do século XIX além, é claro das que viriam a ser criadas, mas sim, a um único entorpecente da época, o ópio.

Marx entendia que a religião era um conforto para os explorados

O ópio era um narcótico que a Companhia Britânica das Índias Ocidentais, contrabandeava às toneladas da Índia para a China, o que por sua vez, contrabalancearia o comércio entre o Reino Unido e a China, pois o interesse dos britânicos nos produtos chineses era muito grande (chá, seda, porcelana etc.), no entanto, os chineses se interessavam muito pelo ópio. Portanto, quando Marx menciona o ópio, trata-se de uma metáfora, pois a essência da questão marxista está na exploração dos mais pobres pelos mais ricos; nesse caso os mais pobres (chineses) e os mais ricos (britânicos).

Marx entendia que a religião era um conforto para os explorados, que se amparavam a ela a fim de se compensarem, onde o sofrimento religioso compensava o sofrimento real. Então, segundo Marx, em uma sociedade sem exploradores não haveria explorados, sendo assim a religião deixaria de existir.

A Questão Judaica

A proposta de Marx era de que a classe operária saísse da sua prostração e rompesse o ciclo da exploração de seu trabalho, tomando o que seria seu de direito, como o controle de seu trabalho bem como a posse de seus frutos como propriedade legítima, adquirindo assim, a “felicidade real” rejeitando, por assim dizer, a felicidade ilusória oferecida pela religião. Isso, no entanto, só seria possível com a luta de classe e com a revolução. De outra maneira, os ricos e poderosos não renunciariam ao seu papel de explorador.

Mudança precisa atingir a estrutura social e econômica da sociedade

Ao abrirmos a frase escrita por Marx em seu artigo: “Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, devemos considerar o contexto político-religioso da época, uma vez que sua crítica visava a atingir as religiões dominantes que compartilhavam descaradamente com o poder da classe dominante. Essas religiões enalteciam a mística religiosa como a realização fundamental terrena do homem, negando-lhe o direito da luta de classe e da prática revolucionária, o que condenava o proletariado às privações sem o direito de aspirar a uma vida digna.

Marx tinha o propósito de anular o uso da religião pelos homens que se apoderavam dela com o intuito de usá-la contra o proletariado.

Emancipação humana

Já, quanto “A Questão Judaica”, texto esse publicado por Bruno Bauer, em 1842, onde Bauer, aponta o povo judeu como o verdadeiro responsável pela sua opressão, na medida em que considerava a religião judaica defensora de um mundo individualista, defensora da usura; tal concepção favorecia a um sentimento isolacionista que levava à indiferença em relação à humanidade como um todo. Sendo que a única maneira que restaria aos judeus para a conquista de sua emancipação, seria passar pela abdicação de sua fé.

De um modo geral, Bauer sustenta a sua teoria, influenciado bastante, pelas obras de Hegel onde ele afirma que a religião é inimiga da razão e esta deveria ser superada na teoria, através do triunfo da razão pelo método dialético.

Judaísmo e cristianismo não existem por acaso

Visto isso, então, é que Marx escreve em 1844 também, o artigo “Para a Questão Judaica”, na mesma revista “Anais Franco-Alemães”, uma crítica à análise de Bauer sobre a questão judaica. Marx considera, em primeiro lugar que a análise de Bauer sobre a emancipação judaica possui um caráter eminentemente teológico. Marx sai da discussão da crença religiosa em si, deve-se primeiro, questionar o conceito de emancipação. Para Marx, os judeus deveriam “como alemães, trabalhar pela emancipação política da Alemanha; como homens, pela emancipação da humanidade”.

Em parte, concordando com a essência da crítica de Bauer à religião, sobretudo em seu aspecto positivista, Marx discorda frontalmente dos meios que levariam à sua abolição definitiva, como desejava Bauer. Pois, para Marx essa era uma alternativa ilusória. Para ele, ainda que a religião fosse abolida em termos ideais, através de sua exclusão do âmbito público com o subsequente estabelecimento de um Estado laico, tal Estado não poderia prescindir da religião, uma vez que, o Estado burguês teria como uma de suas premissas básicas o controle social advindo da crença religiosa.

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Nada mais atual do que vemos por aqui, por exemplo. Portanto, a verdadeira emancipação humana, para Marx, exigiria, não só a transformação das leis, mas do sistema social de produção e distribuição das riquezas. A liberdade política depende, em última análise de uma liberdade econômica. O ser humano só será verdadeiramente livre quando todos os homens puderem desenvolver uma atividade criadora que não esteja sujeita às pressões deformadoras da propriedade privada e do dinheiro.

Judaísmo e cristianismo: resultado da sociedade dividida em classes

Marx queria explicar que tanto o judaísmo quanto o cristianismo, são resultados da sociedade dividida em classes: elas são ideologias imponentes no combate da exploração do homem pelo homem. As religiões, são, em um contexto geral, um protesto contra a vida insatisfatória que é dada aos homens. No entanto, a religião é uma ideologia impotente para orientar, como de costume, a luta pela transformação do mundo, a luta pela superação das instituições baseadas na propriedade privada. Então, para Marx, as religiões funcionam como o ópio do povo, pregando a resignação.

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O judaísmo e o cristianismo não existem por acaso, pois, essas duas religiões refletem a situação em que se encontra o mundo atual. Marx achava que a mudança deveria ser mais acentuada, devendo atingir a estrutura social e econômica da sociedade.

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, conselheiro do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED-MG)

 

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Edição: Elis Almeida