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Marx x Proudhon, da amizade à inimizade

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Durante a luta, a classe operária se organiza, toma consciência de seus próprios problemas e se torna como bem dizia Marx, “uma classe para si mesma” - Foto: Wikimedia Commons
Marx criticou Proudhon por reduzir a dialética hegeliana às proporções mesquinhas

Em 1842, Marx, então com 24 anos e ainda estudante, mas já como redator-chefe da “Gazeta Renana”, conheceu a obra de Pierre-Joseph Proudhon, considerado o pai do anarquismo, “O que é a propriedade?”. Então, em 6 de outubro desse mesmo ano, Marx declara na Gazeta que “para fazer a crítica de obras como as de Leroux, considerando, e antes de tudo os trabalhos tão penetrantes de Proudhon, não chega algumas ideias superficiais e passageiras, mas é necessário primeiramente estudos prolongados e aprofundados”.

Isso bastou para que nascesse entre os dois o início de uma amizade. Durante algum tempo, os dois passavam horas em discussões políticas e econômicas.

Em 1845, Proudhon dizia em carta ao seu amigo Bergmann: “após os novos conhecimentos que fiz, neste inverno, fui bem compreendido por um grande número de alemães que admiraram o trabalho que fiz para chegar sozinho aquilo que pretendem existir na casa deles. Não posso ainda julgar do parentesco que existe entre a minha metafísica e a lógica de Hegel, por exemplo, porque ainda não li Hegel”.

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Então, já em maio de 1846, Marx escreve a Proudhon uma carta convidando-o para fazer parte de um comitê encarregado de promover, por meio de correspondência, um constante intercâmbio de ideias entre comunistas de vários países.

Proudhon responde a Marx que achava a ideia interessante, a princípio, mas advertiu que não aprovava ação revolucionária como método para transformar a organização econômica social. Além disso, disse que estava acabando de escrever um livro, que o enviaria ao seu “caro filósofo” assim que fosse lançado, pois gostaria de ouvir a crítica e, se fosse o caso, sentir a “palmatória”.

Em dezembro de 1846, o livro “Sistemas das Contradições Econômicas ou Filosofia da Miséria” chega até Marx. No texto, Proudhon define o Estado descentralizado, criticando o autoritarismo comunista. Ou seja, Proudhon condenava a filosofia dos que procuravam explorar a miséria dos trabalhadores, conduzindo-os por caminhos revolucionários, o que lhes traria prejuízos ao seu modo de ver.

Marx não gostou do que leu e criticou Proudhon por reduzir a dialética hegeliana às proporções mais mesquinhas que poderiam imaginar. Marx falou que “na França, ele tem o direito de ser um mau economista, porque ele passa por ser um bom filósofo alemão. Na Alemanha, tem o direito de ser um mau filósofo, porque passa por ser um dos melhores economistas franceses”.

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Foi dada então, a resposta à “palmatória” que Proudhon desafiara, sendo que um ano mais tarde Marx escreve um pequeno livro, intitulado de “Miséria da Filosofia”, tendo redigido diretamente do francês. Começa assim a desavença entre os dois. Após ler a “Miséria da Filosofia”, Proudhon se pôs ao silêncio e não mais respondeu Marx.

Embora Proudhon tivesse trabalhado como um operário, sua mentalidade era a de um pequeno-burguês típico. Por isso, segundo Marx, ele venerava a contradição, pois quanto mais o capitalismo o “proletalizava”, mais ele repelia a ideologia da classe operária. Quanto mais a condição de grande burguês se tornava inacessível para ele, mais ele passava a viver em função da esperança de um dia alcançá-la.

Só que em vista da perspectiva da pequena burguesia, a contradição nunca tem solução, ou seja, assume a forma de um “paradoxo” que se eterniza.

Proudhon, com sua mentalidade de pequeno-burguês, não compreendeu o caráter “histórico” das contradições que procurou examinar em seu livro e utilizou, em sua análise da economia capitalista, conceitos e categorias que supunha estarem “acima da história”. Ele falava em “natureza humana” como se isso fosse imutável, que não se modificasse ao longo da história e não pudesse mudar no futuro. Marx retruca, dizendo que “o senhor Proudhon ignora que toda a história não tem sido outra coisa senão uma permanente transformação da natureza humana”.

Marx ainda chamou a atenção para o fato de que Proudhon considerava um absurdo que os operários se unissem e usassem a greve para reivindicar melhores condições. Para Proudhon, a greve prejudicaria a harmonia do sistema de produção, fazendo-o cair, o que parecia uma ação “criminosa”.

Marx, no entanto, dizia que a greve era muitas vezes o único meio de defesa que o próprio sistema capitalista deixava aos operários. Ele observou que era o próprio sistema capitalista que, para se servir da mão de obra, reunia os trabalhadores e os aglomerava em suas indústrias. “Assim, essa massa já constitui uma classe para o capital, embora ainda não constitui uma classe para si mesma”.

Durante a luta, a classe operária se organiza, toma consciência de seus próprios problemas e se torna como bem dizia Marx, “uma classe para si mesma”.

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Rompem assim os laços entre os dois, mas um pouco antes a esse rompimento, Proudhon havia sido incitado por Engels que, em carta a Marx, em 18 de setembro de 1846, diz: “na minha carta de assuntos, cometi uma injustiça gritante a respeito de Proudhon. Acreditava que ele tinha cometido um pequeno non-sens que se mantinha nos limites do senso comum. Mas ontem, a coisa foi discutida de novo e com detalhe, e apercebi-me que este novo non-sens é um non-sens que ultrapassava verdadeiramente os limites”. Talvez, isso tenha sido a dificuldade inicial de Marx em refutar as ideias de Proudhon.

 

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, conselheiro do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed-MG)

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa