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Marx e O Capital

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Dez anos após a crise financeira ter abalado a Europa, Marx publica o primeiro volume da obra em 1867 - Foto: Reprodução
Primeiro volume foi lançado em 1867 com tiragem de mil exemplares

Nessa época, o sistema capitalista se encontrava em grande evolução. O Canal de Suez estava sendo construído; o túnel de Mont-Cenis, estava sendo escavado, pelo engenheiro francês Lesseps; a primeira máquina de escrever era fabricada; assim como a primeira fábrica de máquinas de costura;  por acaso, o americano, Erwin Duke fura o primeiro poço de petróleo, dando início à “corrida do ouro negro”, nos EUA; o técnico alemão Siemens inventa o dínamo, um eficiente aparelho destinado à produção de eletricidade, por meios eletromagnéticos.

Em todo o mundo a produtividade do trabalho humano ia aumentando, bem como as relações capitalistas de produção, que aproveitavam os frutos do avanço tecnológico.

Trabalho humano como criador de valor é condição da existência

Esse foi o período em que o capitalismo estava visivelmente saudável, no entanto, Marx desmascara as contestações e as suas fronteiras, identificando a moléstia fatal que viria mais tarde a se manifestar com toda a precisão.

Antes de dar por encerrada a obra, Marx a submete para uma leitura crítica de Engels, o que faz com que ele altere por sugestão, alguns pontos que exigiam mais clareza no desenvolvimento.

Situação financeira

A situação financeira de Marx, era menos ruim do que a dez anos atrás, pois, seu amigo Wilhelm Wolff, após falecer em 9 de maio de 1864, deixou-lhe alguns bens em testamento. Mesmo com essa herança - a quem dedicou o primeiro volume de “O Capital” - ele não consegue custear sua viagem para Hamburgo para levar sua obra ao editor Otto Meissner1, quem pagou sua passagem, então, foi Engels.

De Hamburgo, segue para Hannover, onde lhe são prestadas homenagens.

Valor de uso é o valor que as coisas têm para as pessoas

Ao enviar as últimas provas revistas ao editor, Marx escreve a Engels: “Foi somente graças a ti que pude fazer tudo. Sem os sacrifícios que fizeste por mim, eu não poderia ter realizado o imenso trabalho necessário à elaboração dos três volumes. Com o coração cheio de gratidão, abraço-te”.

Valor de uso e valor de troca

O primeiro volume de “O Capital” é lançado em setembro de 1867, com uma tiragem de mil exemplares.

No início do primeiro volume, Marx estabelece uma distinção de grande importância para o desenvolvimento de sua teoria econômica: a distinção entre “o valor de uso” e o “valor de troca”.

O valor de uso é o valor que as coisas têm para as pessoas que se servem delas; ele reside na utilidade das coisas. Assim sendo, o valor de uso não pode ser medido, ou seja, não pode ser traduzido em uma determinada quantidade, não pode ser expresso em números. Por exemplo, o valor de um livro tem mais valor para mim do que para meu vizinho que não aprecia a leitura. Sendo assim, o valor de uso será sempre “subjetivo”, válido para um só sujeito que está usando ou pretende usar a coisa.

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O trabalho humano, como criador de valores de uso, é uma condição da existência em geral, uma necessidade que está presente em todas as formas de organização da sociedade, desde as sociedades primitivas, as escravistas ou feudais, as capitalistas ou socialistas e continuará, portanto, a existir no comunismo.

Assim como nenhuma sociedade pode parar de “consumir”, também não pode parar de “produzir”, pois para poderem viver e se desenvolver toda a sociedade produzem bens materiais. O trabalho humano, portanto, é indispensável à vida de qualquer sociedade humana. Mas, os produtos do trabalho humano também possuem um valor de troca, não de uso.

O valor de troca, então, é oposto ao valor de uso, não é “subjetivo”, e sim “adjetivo”, ou seja, ele se manifesta precisamente nas relações sociais, na troca, na compra e na venda dos produtos.

Para que alguma coisa possua valor de troca, é necessário que ele tenha valor de uso para alguém, ou seja, alguém deve considerá-lo útil e tenha interesse em comprá-lo. Existem coisas que têm valor de uso, mas, não possuem valor de troca, como por exemplo, o ar.

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Mas, infelizmente, a análise econômica não se ocupa do valor de uso – que não pode ser medido precisamente – e sim do valor de troca. Por agregarem o valor de uso com o valor de troca é que os economistas burgueses são levados muitas vezes a se afastarem muito da realidade em suas teorias.

Trabalho humano: produtor de valor

Ele irá então se perguntar: “Qual é a origem do valor de troca. O que faz com que duas coisas de natureza diferente possam ser compradas e uma delas seja considerada no mercado mais valiosa do que a outra?”.

As condições especiais da oferta e da procura fazem com que os preços variem muito, ou seja, a expressão monetária do valor das coisas.

O que faz com que nas condições usuais, uma determinada coisa tenha mais valor do que a outra? Por exemplo, o que faz com que um automóvel seja mais caro do que um geladeira?

Marx responderá: “O trabalho humano”. A fabricação do automóvel exige muito mais trabalho do que a fabricação da geladeira. Quanto mais trabalho se exige na fabricação de uma mercadoria, maior valor ela tende a alcançar no mercado. O valor aumenta, em geral, na mesma proporção em que aumenta o tempo de trabalho necessário para a produção da mercadoria.

O valor de uma mercadoria não é determinado pelo tempo de trabalho gasto na sua fabricação pelo operário que produziu; e sim, determinado pelo tempo de “trabalho socialmente necessário” para a sua fabricação.

Em condições normais de uma sociedade, em um determinado período histórico de sua evolução tecnológica, com um trabalho de intensidade média, um operário comum levaria determinado tempo para fabricar uma mercadoria. Assim sendo, esse é o tempo de trabalho socialmente necessário que serve de base para determinar o valor da mercadoria.

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Se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho produzido, pode parecer que quanto mais preguiçoso ou inábil for um homem, tanto maior o valor de sua mercadoria, pois ele precisa de mais tempo para produzi-la. No entanto, o trabalho que constitui a substância dos valores é trabalho humano.

Para Marx: “(…) como valores, todas as mercadorias são apenas medidas determinadas do tempo de trabalho nelas cristalizado”. Ele adverte, que essa explicação do valor é evidentemente apenas um ponto de partida, uma teoria de caráter geral e não serve para enquadrar imediatamente toda e qualquer forma especial com que a questão do valor possa se apresentar no dificílimo quadro de uma moderna sociedade capitalista.

O que então constituirá a alienação do trabalho? Em primeiro lugar, o fato de o trabalho ser externo ao trabalhador, não faz parte de sua natureza, e por fim o trabalhador não se realiza em seu trabalho mas nega a si mesmo, tem um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar; ele não desenvolve livremente suas energias mentais e físicas, mas fica fisicamente exausto e mentalmente deprimido.

O trabalhador, só irá se sentir à vontade em seu tempo de folga, pois no trabalho se sente constrangido. O caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele por ele próprio apropriado, mas por seu patrão. É uma perda de sua própria espontaneidade.

O caminho seguido por Marx em sua análise do capitalismo não podia deixar de causar fortes contrariedades aos economistas burgueses: “O que caracteriza a divisão de trabalho no interior da sociedade moderna é que ela engendra especialidades, e com elas, o idiotismo da especialização”.

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, Conselheiro do Sindicato dos Economistas (SINDECON/MG) e ex-Coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED-MG)

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

             

1. Otto Karl Meissner (1819-1902), Editor de Hamburgo, publicou além de O Capital, vários outros trabalhos de Marx e Engels.

Edição: Elis Almeida