Paraíba

Coluna

A Ocupação João Pedro Teixeira e o Direito à Cidade

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Ocupação Carolina Maria de Jesus, na Zona Leste de São Paulo - Comunicação/MTST
A ocupação é um processo de construção coletiva de um sentido possível de vida na cidade

Por Rafael Faleiros de Padua

Há mais de um mês aproximadamente 40 famílias do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), ocuparam um prédio no centro da cidade de João Pessoa e lá estão, lutando pela conquista de uma moradia. O prédio é de propriedade da Prefeitura de João Pessoa e está desocupado há alguns anos. As famílias limparam três andares e adaptaram suas instalações para ficarem ali por um tempo. Na Ocupação também há sala de reunião, cozinha comunitária, sala para as crianças brincarem. Muitos cômodos do prédio, antes usados como escritórios e consultórios, agora são arrumados para servir de quartos e pequenos apartamentos onde as famílias se acomodam e passam a viver. Não é uma moradia definitiva, mas uma forma de lutar para alcançar a própria casa. 

Há uma organização coletiva do funcionamento do prédio e um processo próprio de construção da Ocupação como encontro de diferentes famílias em busca de um objetivo comum, a conquista da casa. As pessoas passam a se conhecer melhor e têm que resolver coletivamente as questões que aparecem, seja de ordem prática, como instalações de água e luz e provisões de alimentos, seja questões circunstanciais que precisam de deliberações e decisões.

A Ocupação não é simplesmente entrar num prédio desocupado e degradado e ocupá-lo, é um processo de construção coletiva de um sentido possível de vida na cidade. Pessoas de dentro e de fora da Ocupação se transformam nesse processo, passam a ver a própria cidade de outra forma, para além dos parâmetros dados. 

A ocupação é a principal forma de luta dos movimentos sociais para avançar para a conquista de moradias para famílias que não possuem os meios necessários para alugar ou comprar uma casa. Essa forma de luta expõe, para toda a sociedade, que o direito à moradia está sendo desrespeitado e que esse direito é um direito fundamental inclusive para a luta por outros direitos, como trabalho, educação, saúde, cultura, etc. A Ocupação no centro da cidade expõe outra questão importante, que é o fato de que na cidade e sobretudo no centro, há inúmeros imóveis desocupados que não cumprem nenhuma função social.

São construções, muitas vezes antigas, que ficam entregues à degradação do tempo e os proprietários deixam essa degradação acontecer, pois o que lhes interessa é a propriedade do terreno. Muitas dessas propriedades, perante à lei, estão ilegais, pois não cumprem qualquer função social e na maioria das vezes o Estado não faz vigorar os instrumentos que fariam com que elas cumprissem alguma função social.

Nesse sentido, a Ocupação revela inúmeros problemas inclusive do ponto de vista da própria regulação da propriedade privada da terra, que não é realizada efetivamente pelo Estado, o que aprofunda as desigualdades, pesando sobretudo sobre aqueles que não têm acesso à propriedade privada alguma. 

Mas a principal contribuição das Ocupações Urbanas para a sociedade está situada num aspecto mais amplo, que é aquele de nos fazer pensar na direção de um outro sentido possível de cidade. A Ocupação questiona, necessariamente, a cidade como um lugar estritamente mediado pela lógica da mercadoria (propriedade privada da terra), pois ela, a Ocupação, funciona através da solidariedade e da organização de parcelas da classe trabalhadora empobrecidas, que não têm acesso financeiro a uma moradia. A Ocupação afirma o direito de que todos têm de habitar a cidade, pois é na cidade que há a concentração das atividades que realizam a vida das famílias.
 
A Ocupação, nesse sentido, aponta para elementos do que poderíamos chamar de Direito à Cidade, pois ela, mesmo que por meio de uma luta dura e difícil, ou sobretudo por isso, demonstra que há possibilidades de apropriação do espaço para além das coerções do Estado e do terrorismo do mundo da mercadoria.

O Direito À Cidade, mesmo que de modo geral tenha sido difundido hoje de forma muito empobrecida, reduzida muitas vezes a políticas públicas ou à conquista formal de moradia e serviços urbanos, é uma noção que ilumina a possibilidade da apropriação do espaço urbano através da realização plena do humano. Ou seja, é uma noção utópica, que aponta para uma outra sociedade, outro espaço e outra cidade possíveis, onde teria lugar prioritário o uso e a troca concretas entre seus moradores, sem a mediação da lógica da mercadoria. O Direito à Cidade é, portanto, uma noção revolucionária, que propõe uma transformação radical do modo como se produz e se vive a cidade. É um horizonte utópico que faz movimentar lutas por uma cidade da realização da vida.

A Ocupação no centro da cidade carrega ainda mais esse sentido de chamar a atenção para a luta por uma cidade da vida. O centro é o lugar que concentra atividades de todas as ordens na cidade, é onde tem muitos comércios, escolas, órgãos públicos, tem uma concentração de transportes para toda a cidade e região, concentra espaços públicos, espaços de cultura, espaços de trabalho, enfim, o centro é um espaço especialmente carregado dos elementos que caracterizam a própria cidade e os seus conteúdos urbanos.

No entanto, no centro da cidade verificamos uma grande quantidade de edificações públicas e privadas que não têm qualquer uso e que, quando são ocupadas, retomam um sentido de utilidade para a cidade. Nesse sentido, as Ocupações no centro revelam que, embora o espaço seja dominado pela lógica da propriedade privada da terra, há dimensões da cidade que ultrapassam essa lógica, que é o sentido de utilidade de qualquer espaço para o conjunto da cidade.

Ao ocupar um edifício degradado e sem uso no centro da cidade, os movimentos sociais estão evidenciando para toda a sociedade que o centro é lugar de vida e também o lugar da vida das classes trabalhadoras, que devem ocupar o centro. Um centro transformado em lugar prioritário de moradia das classes trabalhadoras que buscam seu direito à moradia seria, em nossa opinião, a verdadeira revitalização dessa região fundamental da cidade.

A Ocupação no centro de João Pessoa se chama Ocupação João Pedro Teixeira, em homenagem ao líder da Liga Camponesa de Sapé, assassinado em 1962 a mando de latifundiários de famílias que, infelizmente, até hoje têm muito poder político na Paraíba. Essa homenagem revela que a luta dele não foi em vão, pois dá frutos até hoje, mas também que muita luta ainda precisa ser travada para desconcentrar a propriedade, seja no campo ou na cidade. Para que todos e todas possam conquistar uma vida com dignidade. 


 

Edição: Cida Alves