Rio Grande do Sul

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Terreira da Tribo (R)Existe!

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Em 1° de agosto de 1997, o Ói Nóis Aqui Traveiz estreava “A Morte e a Donzela”, um trabalho de pesquisa e criação coletiva baseado no texto do argentino/chileno Ariel Dorfman - Foto: Claudio Etges
A cultura e as artes têm função vital na reconstrução de outro mundo possível!

Há exatos 38 anos, o Ói Nóis Aqui Traveiz inaugurou a sua sede. Era julho de 1984 e a Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz abria as suas portas para o público. Com um show de rock-punk que reuniu as bandas Replicantes e Urubu Rei. A Terreira da Tribo ficou durante 15 anos na rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa, para se mudar no final de 1999 para a rua João Inácio, no Navegantes. Há 12 anos o centro cultural Terreira da Tribo está localizada na Rua Santos Dumont, 1186, no bairro São Geraldo.

O Ói Nóis Aqui Traveiz encenou na sua primeira casa “A Visita do Presidenciável ou Os Morcegos estão Comendo os Abacates Maduros”, uma parábola sobre o momento político que o Brasil vivia, com a saída dos militares de cena e a entrada de um governo civil. Chegou chegando e alardeando “...todas as pessoas gostam de cantar, dançar, representar, pintar, fotografar. Qualquer pessoa é capaz de criar e a Terreira da Tribo está aí para isso”.


Com a peça A Visita do Presidenciável ou Os Morcegos estão Comendo os Abacates Maduros, o Ói Nóis Aqui Traveiz estreiou no espaço da José do Patrocínio / Foto: Cláudio Etges

A Terreira da Tribo sempre abrigou as mais diversas manifestações culturais como espetáculos de teatro, shows musicais, ciclos de filmes e vídeos, seminários, debates, performances e celebrações. Foi reconhecida como Ponto de Cultura e um dos principais centros de investigação cênica do país e é hoje uma referência nacional na aprendizagem do teatro com a sua Escola de Teatro Popular.  

O caráter sócio-cultural do trabalho do Ói Nóis Aqui Traveiz e da Terreira da Tribo visa democratizar o acesso à cultura e das artes, seja por meio da fruição de atividades culturais, de trocas, seja por meio da iniciação, formação e qualificação técnica nas artes cênicas, ou seja ainda garantindo o trânsito e circulação de trabalhos originados nas regiões mais vulneráveis economicamente. Tem como princípio norteador a noção de Arte Pública, ou seja, acessível a todos, independente de classe, etnia, raça, gênero ou outro marcador social.

A ação da Terreira se desenvolve principalmente nas vertentes: o teatro de rua com apresentações em praças e bairros populares; o teatro de vivência - pesquisa sobre o trabalho autoral do ator e investigação da utilização do espaço cênico, essencial para a evolução das nossas artes cênicas; o trabalho artístico-pedagógico com oficinas populares, na sua sede e na periferia da cidade, compartilhando e construindo coletivamente saberes acerca do teatro e fomentando a criação de grupos culturais de organização local; e uma ação ligada à memória através de publicações e audiovisuais que registram a trajetória estética e política da Tribo de Atuadores. E agora a criação de um repositório digital, primeiro passo para o Museu da Cena Ói Nóis Aqui Traveiz que, oxalá se torne uma realidade neste ano de 2022.


Em 2017, o Ói Nóis Aqui Travez lançou a peça Caliban - A Tempestade de Augusto Boal / Foto: Pedro Isaias Lucas

A organização da Terreira é baseada no trabalho coletivo, tanto na produção das atividades artísticas, como na manutenção do espaço. Para a Terreira o teatro é instrumento de desvelamento e análise da realidade e contribui para o conhecimento das pessoas e o aprimoramento das suas condições.

Apesar das terríveis dificuldades para viabilizar a sua existência, para sobreviver ao estrangulamento econômico que os trabalhadores e grupos culturais estão vivendo, a Terreira mantém suas portas abertas. Milagre? Não sei responder com precisão, mas desconfio que os sonhadores e lutadores sociais que mantem viva essa chama, animada por todo o público que tem acompanhado a existência desse importante espaço de imaginação e trocas vitais, seguem acreditando que juntos podemos engendrar um outro mundo possível, onde venceremos a barbárie capitalista, com suas terríveis facetas: o racismo, o machismo e a misoginia, a lgbtfobia, a exploração do ser humano, os trabalhos análogos a escravidão. 

Acredito que a cultura e as artes têm função vital nessa reconstrução, e uma delas é sem dúvida a de fazer o convite ao voo, à imaginação criadora e revolucionária para que juntas, juntes e juntos possamos instaurar um imaginário de sociedade que valorize a vida, a liberdade, a justiça social e proclame o direito à alegria.

Lançamento do curta-metragem UBU Tropical


Terreira da Tribo vai lançar seu primeiro filme, o curta UBU Tropical, no dia 27 de julho / Divulgação

Agora a Terreira da Tribo prepara-se para lançar seu primeiro filme, o curta UBU Tropical, a ser exibido no dia 27 de julho, às 20h, na Terreira (rua Santos Dumont, 1186), com entrada franca. O filme é uma alegoria da ascensão do pensamento fascista, propagando o ódio e a intolerância que estamos vivendo no nosso país nos últimos anos. Primeira realização cinematográfica da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, este projeto tem o apoio do Rumos Itaú Cultural 2019-2020. 

Desde agosto de 2021 o Ói Nóis Aqui Traveiz vem pesquisando a personagem Pai Ubu, criada no final do século XIX pelo francês Alfred Jarry, e icônica para todo o teatro ocidental, influenciando as vanguardas em todas as partes do mundo. A investigação relaciona a personagem com o nosso Tropicalismo, movimento artístico surgido no contexto de um governo repressivo. Ainda que se tenham passado mais de cem anos desde a sua primeira aparição, Pai Ubu persiste como veículo de ruptura, chamando atenção para um mundo aparentemente ordenado e progressista, mas que a todo momento cria os seus brutais Ubus. Personagem que neste momento histórico que o Brasil está vivendo garante a contundência de seu retorno. O filme se utiliza da estética do cinema mudo trazendo elementos da comédia bufa e do grotesco. 


O filme é uma alegoria da ascensão do pensamento fascista, propagando o ódio e a intolerância que estamos vivendo no nosso país nos últimos anos / Divulgação

Através do olhar crítico da personagem Jarry o filme conta a história de uma família de bem que em um domingo ensolarado vai passear no parque para assistir uma exibição pública de desmiolamento. Aqueles que não se ajustam ao sistema ubuesco precisam passar pela Máquina de Descerebrar. O roteiro tem sua origem na Canção dos Desmiolados, criada por Alfred Jarry para a sua saga da personagem do Pai Ubu. O curta-metragem foi criado coletivamente pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, trazendo como protagonistas Tânia Farias (Alfred Jarry), Lucas Gheller (Marceneiro), Keter Velho (Costureira), Clélio Cardoso (Filho) e Maria Inês Falcão (Filha), e mais de 30 atuadores no elenco. A música original é de Johann Alex de Souza e a operação de câmera é de Eugênio Barboza.


O roteiro tem sua origem na Canção dos Desmiolados, criada por Alfred Jarry para a sua saga da personagem do Pai Ubu / Divulgação

Na programação serão projetados também os documentários ‘Teatro e Circunstância – Ói Nóis Aqui Traveiz’ e ‘Ói Nóis Aqui Traveiz: Uma Retrospectiva Audiovisual-Cênica’ sobre a origem e a trajetória da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. A estreia do curta-metragem celebra os 38 anos do espaço cultural Terreira da Tribo, e também marca o início dos ensaios da nova encenação de teatro de rua do Ói Nóis que terá como protagonista a personagem do Pai Ubu, com a estreia prevista para o primeiro semestre do ano que vem.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko