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Coluna

Betim (MG): espada do despejo está na cabeça de 130 famílias, desnecessariamente

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Imagem: - Camilo Mendes
É injustiça brutal o prefeito de Betim virar as costas para a comunidade Pingo D’Àgua

Em Betim (MG), mais de 130 famílias da ocupação que se tornou uma comunidade e um bairro, o Pingo D’Água, estão com a espada do despejo na cabeça. Transitou em julgado o pedido de reintegração de posse da mega construtora MRV S/A, um processo cheio de irregularidades.

A MRV comprou o terreno no papel, mas não pagou nem um centavo e, pior, o deixou abandonado, sem cumprir a função social. Por necessidade, as famílias ocuparam a área e construíram uma comunidade, que já é um bairro em franco processo de consolidação, com ruas largas, rede de iluminação da CEMIG e acesso à rede de água.

O poder público municipal e estadual reconhece a comunidade Pingo D’Água de diversas formas, tais como: coleta de resíduos sólidos três vezes por semana, micro-ônibus escolar que leva as crianças e adolescentes para a escola e atendimento das famílias na rede do SUS. As ruas da comunidade já têm código postal (CEP). Na comunidade habitam idosos, crianças, homens e mulheres trabalhadoras.

É injustiça brutal o prefeito de Betim, Vitório Medioli, virar as costas para a Comunidade do Pingo D’Àgua alegando que “se trata de um conflito entre particulares”. O município de Betim tem um gigante déficit habitacional. Mais de 50 mil famílias sobrevivem em Betim sem o direito à moradia garantido.

A Constituição de 1988 assegura o direito à moradia adequada para todas as pessoas, sendo dever do Estado nos três entes federativos: União, Estado e município. Logo, nem o prefeito, nem o Governador de Minas Gerais, podem se esquivar da responsabilidade que têm de realizar politica habitacional séria, popular e massiva.

Só aluguel social e casinhas em lugares de alta vulnerabilidade social não é política habitacional, é paliativo inaceitável.

Exemplos de Regularização Fundiária Urbana Social (REURB)

Outra mentira brutal do prefeito Medioli é alegar que “não se pode fazer Regularização Fundiária Urbana Social (REURB-S) em razão da área estar em litígio”. Esta tese não tem pé nem cabeça. Ana Cláudia Alexandre, defensora pública da Defensoria Pública de MG, contesta de forma contundente a alegação falsa da prefeitura de Betim.

“Este critério impeditivo alegado pelo prefeito de Betim deveria ter vindo na Lei 13.465/17, a Lei da REURB-S e REURB-E, e não veio. A Lei 13.465 é voltada para regularizar núcleos informais – todos -, pois fazer parte da cidade é requisito para ser cidadão. Se a Lei Federal 13.465 não restringiu, não cabe ao Poder Executivo Municipal (o prefeito) criar a restrição. O princípio da legalidade determina que o administrador cumpra a lei. O prefeito é o administrador do município. Por isso, a Lei 13.465 já estabeleceu que isto se dará incluindo, entre outros meios, a desapropriação para fins de regularização fundiária urbana”, defende.

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Há centenas, senão milhares de processos de REURB-S sendo realizados em ocupações e comunidades que estão sob litígio judicial no Brasil. Por exemplo, em Timóteo (MG), em maio de 2021, o prefeito baixou decreto de desapropriação de áreas de ocupações em Timóteo, que estavam com decisão judicial de reintegração de posse. O prefeito, assim, está fazendo REURBs em ocupações sob litígio judicial. Em 22 de agosto de 2018, o prefeito de Ribeirão das Neves, MG, instaurou o processo de Regularização Fundiária Urbana pela REURB-S da ocupação Dom Tomás Balduíno, com mais de 500 famílias, que também está com decisão judicial de reintegração de posse.

Nas Ocupações da Izidora em Belo Horizonte, para impedir o despejo, o Governo de Minas, por meio da COHAB Minas, ofereceu outro terreno para a empresa Granja Werneck S/A e, assim, o acordo foi celebrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e a prefeitura de Belo Horizonte está fazendo, em fase inicial, a regularização fundiária e a urbanização das comunidades da Izidora. São cerca de oito mil famílias nas comunidades Helena Greco, Rosa Leão, Esperança e Vitória que se beneficiarão.

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Em Sete Lagoas (MG), cerca de 100 famílias da ocupação Cidade de Deus, com um ano e meio de existência, sofria com a decisão judicial de reintegração de posse. Mas, com luta e negociação, um acordo no qual o Governo de Minas cedeu para o município de Sete Lagoas um prédio onde funciona um abrigo público e em contrapartida o prefeito de Sete Lagoas doou o terreno para as 100 famílias possibilitou a regularização fundiária urbana da comunidade.

Em Contagem (MG), a prefeita Marília Campos se comprometeu em arrumar outro terreno para a construtora Moschioni e fazer REURB-S na ocupação Guarani Kaiowá.

Há solução

Poderíamos citar muitos outros exemplos para solucionar o gravíssimo conflito social e urbano que está sacrificando mais de 400 pessoas da comunidade Pingo D’Água.

1) A Câmara Municipal derrubar do veto do prefeito Medioli e promulgar a Lei fruto do PL 162, que declara a área da Comunidade Pingo D’água como de Interesse Social para fins de desapropriação para se fazer REURBs;

2) O prefeito Medioli baixar decreto desapropriando a área da comunidade Pingo D’água para fins de REURBs;

3) A prefeitura de Betim ou o Governo de Minas, ou ambos, oferecerem outro terreno para a Construtora MRV S/A. Ou a MRV S/A doar o terreno de 35.000 m2 para as famílias;

4) O poder Judiciário reconhecer e decidir judicialmente que na comunidade Pingo D’água, em franco processo de consolidação, não pode acontecer despejo e que deve ser feito desapropriação indireta/judicial, caso o Executivo Municipal e a Câmara de Vereadores de Betim não se disponham administrativamente a fazer a REURB-S da Comunidade;

5) Para atender o disposto no Plano Diretor de Betim (Lei 4.574/2007), artigo 3º, que afirma que a função social da cidade e da propriedade compreende que todo cidadão tem direito à moradia salubre e segura, deve-se aplicar os instrumentos previstos em seu artigo 62,  como a Política de Terras Públicas e a Transferência do Direito de Construir;

6) Trilharmos o caminho da negociação via Mesa de Negociação do Governo de Minas e do CEJUSC em 2ª instância do TJMG.

Despejo é injusto, desumano e brutalmente violentador sob todos os aspectos, pois destrói não apenas moradias, mas sonhos, histórias, projetos de vida e massacra as pessoas despejadas. Por isso, por respeito à dignidade da pessoa humana e para cumprir a Constituição Federal que garante direito à terra e à moradia, o justo e necessário é que os prefeitos façam REURB-S, já, nas ocupações e comunidades.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida