Minas Gerais

Coluna

Qual é o espaço da cultura e da criatividade no debate do desenvolvimento econômico?

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O foco avançar para além da distribuição de renda e da minimização das desigualdades econômicas

Entre todos os temas que a economia é capaz de permear, sobretudo durante períodos eleitorais, existem sempre alguns centrais no debate político e popular brasileiro, como a saúde, a educação, a segurança, a estabilidade e o crescimento econômico. Mas, qual é o espaço da cultura no campo que envolve todos esses tópicos?

Perante a construção do pensamento da teoria econômica, a cultura e os fatores que permeiam a sua edificação sofreram oscilações, divergências e até mesmo negligências na agenda de investigação dos economistas. Não nos surpreende quando o tema cultura ou produção cultural e criatividade não se interpõe no debate popular.

Obviamente, sabe-se que em nível de Brasil temos urgências e emergências para serem solucionadas, como a fome, a miséria, a habitação, a saúde, o desemprego etc. Mas o foco dessa discussão não é colocar níveis de importâncias para as nossas emergências, mas sim avançar e planejar para além da distribuição de renda e da minimização das desigualdades econômicas.

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Como já nos dizia uma canção nos anos 1990, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade” (Titãs – Comida, 1994). O fato é que a cultura se insere como muita timidez nas abordagens dominantes do debate político e econômico.

Apesar de que música da banda Titãs soe alinhada com os pressupostos do desenvolvimento econômico (crescimento econômico, distribuição de renda e acesso aos bens de consumo e riqueza), a abordagem desses pressupostos, no caso brasileiro, consegue suspirar sob o ponto de vista do desenvolvimentismo estrutural.

Abordagem teórica

Sobre a delimitação da abordagem do desenvolvimento, o economista Celso Furtado retrata na sua literatura a importância da criatividade e da cultura como meios que alavancam o desenvolvimento. Ou seja, Furtado descreve um processo de desenvolvimento para além do processo de desenvolvimento industrial e material, colocando a produção cultural como aliada do desenvolvimento e com poder capaz de gerar novos processos criativos e inventivos, capaz de romper as amarras do desenvolvimento tardio.

Para Celso Furtado, em uma economia capitalista, as etapas de acumulação permeiam dois pontos: a inovação e a difusão.

É inerente à inovação a capacidade inventiva e criativa do ser humano, que é exatamente a potencialidade da abstração derivada da cultura e da reprodução cultural, da filosofia, da meditação mística e da ciência de base. Ora, todo produto final está relacionado ao incremento da criatividade humana sobre tudo o que há na natureza.

Isto é, a moda com suas diferentes vestes para os momentos distintos; a gastronomia que incrementa os alimentos com diferentes combinações e formas de preparo; as artes visuais, plásticas e cênicas que questionam e debatem a existência do ser humano sobre a face da terra etc. Contudo, todas as formas criativas baseadas na abstração e na produção cultural também expressam personalidade e diferenciação na capacidade de inovação e de criação de novos processos e produtos que permeiam o desenvolvimento de base industrial.

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Tais valores inventivos, derivados da produção cultural e criativa, são elementos fundamentais para a inovação tecnológica, que, como sabemos, pode gerar valor, acumulação, empregos e crescimento econômico. Por esse ponto de vista, torna-se indissociável a produção cultural e criativa, e o desenvolvimento industrial convencional.

A grande diferença entre o desenvolvimento que avança pela cultura e criatividade e o desenvolvimento industrial, é que o primeiro está relacionado ao intangível e permeia todos os setores econômicos da sociedade, desde o design e a arquitetura até os softwares avançados, jogos eletrônicos, novas formas de transporte e de consumo de bens e ativos culturais, como o streaming. E isso tudo não é observado com facilidade. Já o desenvolvimento industrial é facilmente observado com as fábricas, máquinas, complexos industriais e, sobretudo, produtos tangíveis.

Realidade brasileira

Mas, como falar de acumulação e criatividade, ampliação do modo inventivo no Brasil a partir da produção cultural, sem passar pela educação, formação de gosto e consumo cultural?

Como a sociedade brasileira o modo de produção é pautado, único e exclusivamente pela exploração do trabalho, condicionando a maior parte da população ao modo servil, dedicado à sua subsistência, está arraigado na moral popular de que o trabalho é somente aquilo que faz suar a camisa e não é esporte (assim como na Grécia antiga). Ou pela moral judaica/cristã em que o trabalho deve ser oneroso como punição divina ao pecado original (Gênesis 3:19). E o trabalho que gera prazer ou satisfação (como o trabalho cultural) é tomado pelo discurso conservador como algo indigno. Isso porque nem vamos falar sobre o direito ao ócio.

Nesse ponto, o Estado democrático e, fundamentalmente laico, é o único capaz de ser promotor do desenvolvimento cultural e criativo, que possibilita a formação de gosto via apresentação dos ativos culturais que estão para além do mainstream, por intermédio do sistema educacional e, também, agindo como meio facilitador para o acesso a esses ativos.

Ao incluir a cultura no processo de desenvolvimento, recorremos a um processo de mudança social, ampliando o espaço para que o potencial da população brasileira seja alcançado, não reprimido ou encaixotado nos moldes de produção fordista e servil. Furtado destaca em seus manuscritos que o “processo de criatividade cultural é exatamente as potencialidades do homem que são insondáveis”.

Ou seja, o processo de desenvolvimento que perpassa a criatividade e cultura não sofre limitações e desempenha papéis fundamentais no surgimento de novas civilizações industriais, que criam alternativas de desenvolvimento para além do desenvolvimento industrial convencional.

Mas, para conseguir avançar no desenvolvimento, para além do industrial convencional, é necessário, também, superar alguns códigos morais da sociedade brasileira, das classes dominantes (econômica e política) e da base popular, que ainda não conseguem constatar, discutir ou vislumbrar que sim, pode haver desenvolvimento econômico de modo complementar ou substituto aos moldes convencionais de produção.

Jonas Henrique é doutor em economia pelo Cedeplar/UFMG e membro fundador do Instituto Economias e Planejamento (IEP).

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida