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Cristãos não devem votar em empresários da fé

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John Moore - Getty Images/AFP
Não votem em partidos do centrão, da direita ou da extrema direita

Na atual legislatura do Congresso Nacional, na Câmara Federal e no Senado, existem mais de 100 deputados ou senadores que são pastores, a maioria dos quais integram a chamada Bancada Evangélica (da Bíblia) com 203 deputados, que está associada às Bancadas do Boi com 210 deputados (Agronegócio) e da Bala (do armamentismo).

A maioria dos deputados e senadores pastores participam do Centrão, que são uma maioria ultraconservadora do Congresso Nacional que sustenta o pior presidente que o Brasil já teve, se negando inclusive a tramitar mais de 160 pedidos de impeachment em razão de uma série muito grande de crimes de responsabilidade do atual presidente. Com isso, praticam com a cumplicidade do poder Judiciário um crime gravíssimo, que é o orçamento secreto. Esse orçamento distribui R$ 5 bilhões do Governo Federal sem transparência, alimentando currais eleitorais.

Nas eleições de 2022, o número de pastores candidatos aumentou em mais de 15%. Ultimamente, eleição após eleição está crescendo o número de pastores eleitos. Isto não tem melhorado a vida do povo. Aliás, tem piorado muito, pois assistimos a um predominante abuso do nome de Deus no apoio a políticas de morte, como o agronegócio, que é devastador do meio ambiente e corresponsável pelos 33 milhões de famintos.

Na Bíblia e na fina flor de todas as religiões há um rechaço veemente à idolatria, que é adorar ídolos. A pior idolatria é tentar domesticar o Deus verdadeiro, amordaçá-lo e usar linguagem religiosa com objetivo escuso de manipular a fé das pessoas para obter poder político e enriquecer-se. Os profetas e profetisas bradam contra a idolatria.

Segundo a profecia de Oseias, os sacerdotes são os grandes culpados pela violência reinante. O povo percebe que os sacerdotes haviam se transformado em assassinos e se comportavam como bandidos em emboscada (Os 5,9). Diante dessa dramática máfia religiosa e política, o povo, passando por um processo sofrido de conversão, conclui, voltando-se para o Deus Javé: “é em Ti que o órfão encontra misericórdia” (Os 14,4). A hipocrisia e o cinismo dos sacerdotes na condução do culto fazem o povo descobrir que o caminho para a libertação não passa pelos sacrifícios, mas pela misericórdia. A conclusão é: “misericórdia, sim; sacrifício, não!” (Os 6,6).

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A mais cruel idolatria é a do mercado. Em nome do ídolo mercado os gigantes tratores devastam ecossistemas para extrair minérios ou produzir commodities para acumular lucro e capital. Enquanto deixam nos territórios terra arrasada: desertificação, contaminação e crimes socioambientais premeditados. Ai de quem usa em vão o nome de Deus e abusa de versículos bíblicos citando-os para tentar legitimar posturas que geram discriminação, opressão, injustiça, violência e morte de muitas formas!

Sendo um camponês indignado diante da injustiça agrária, social e urbana, o profeta bíblico Amós brada: “Escutem exploradores dos vulneráveis, opressores dos pobres do país! Vocês ficam maquinando: Quando vai passar a festa da lua nova para podermos pôr à venda o nosso trigo? Quando vai passar o sábado para abrirmos o armazém para diminuir as medidas, aumentar o peso e viciar a balança, para comprar os fracos por dinheiro, o necessitado por um par de sandálias, e vender o refugo do trigo?” (Am 8,4-6). Esta veemente profecia se encaixa perfeitamente em uma legião de pastores e padres que usam e abusam do poder religioso que tem para se enriquecer, curtir vida luxuosa, enquanto vira as costas para o povo injustiçado.

Cresce o número de pastores eleitos, enquanto piora a vida do povo 

O que acontece atualmente em muitas igrejas é um descarado comércio, ou seja, uso e abuso do nome de Deus, invocado em vão, e a citação de versículos da Bíblia retirados dos seus contextos para justificar posturas discriminatórias e moralistas com o objetivo não confessado, que é acumular cada vez mais dízimo.

É cretinice alardear “Deus acima de tudo”, mas fomentar o armamentismo, a devastação ambiental, a perseguição aos povos indígenas, quilombolas, LGBTQIA+, reforçar a cultura machista e patriarcal e amputar cada vez mais o braço social do Estado. Dizer de forma abstrata que é “contra o aborto” e na prática amputar direitos trabalhistas, previdenciários, retirar dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) e da farmácia popular. É na prática “abortar” milhões de famílias empurrando-as para a fome, a doença e a morte lenta.

O Estado Brasileiro é laico, pois a Constituição Federal de 1988 garante a liberdade religiosa, mas isso não pode recair em libertinagem religiosa, que é usar em vão o nome de Deus para projetos de poder. Abuso de poder econômico e político já são considerados crimes eleitorais que levam à cassação da candidatura. O abuso do nome de Deus e da fé das pessoas também precisa ser considerado crime eleitoral e levar à cassação.

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Procure saber se os pastores e líderes religiosos candidatos doam a vida na defesa do povo empobrecido ou se eles se servem da fé das pessoas humildes. O que eles estão fazendo para superar a fome de 33 milhões de brasileiros? Eles apoiam as teses do Bolsonaro? E não esqueçam de observar em quais partidos estão filiados. Se estão filiados em partidos do centrão, da direita ou de extrema direita (PL, PSC, União, Patriota, Republicanos, PP, PROS, AVANTE, NOVO, PODEMOS, DEM, PSL, PTB, PMDB etc.), não vote neles, pois com certeza são lobos em peles de ovelhas. Representam os interesses das grandes empresas e do grande capital.

O princípio básico do Decálogo Bíblico é “Não matarás!” (Êxodo 20,3). Não merece o seu voto um candidato que faz propaganda, fazendo alusão ao uso de armas e coloca um fuzil nas mãos de uma criança, dizendo que é melhor do que feijão. De fato, pisoteia na fina flor da Bíblia que nos exorta a construirmos uma sociedade com Justiça e Paz, com vida em abundância para todos (Jo 10,10).

As pessoas cristãs, sejam católicas ou evangélicas, não devem votar em candidatos que seguem a idolatria do dinheiro, nem seguir os pastores empresários da fé, que são traidores do Evangelho de Jesus Cristo, que viveu ensinando e testemunhando que ético é viver se doando aos outros na luta pelo bem comum e pela construção do reino de Deus.

Voto tem consequência. Vote em candidatos de partidos da esquerda, pois a esquerda não é perfeita, mas é mil vezes melhor para o povo e para o meio ambiente do que a direita, que defende via de regra o status quo opressor. Vote em quem está comprometido com a luta por direitos humanos fundamentais – lutas por terra, moradia, preservação ambiental, agricultura familiar, agroecologia, saúde e educação pública.

Priorize eleger mulheres de luta pelo bem comum, negros que lutam pela superação do racismo e indígenas que estão comprometidos com as lutas pelo resgate dos territórios indígenas e pela abolição da famigerada tese do marco temporal.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida