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Lições do 1º turno das eleições: vitória, Deus, família, amor e teimosia

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Crédito - Ricardo Stuckert
Só defendemos na prática e de forma efetiva a vida se criarmos as condições objetivas

Partindo dos números

A apuração do 1º turno das eleições no Brasil revelou que Lula obteve 48,43% dos votos válidos (57.257.473 milhões de pessoas), 5,23% a mais que Bolsonaro com 43,2% (51.071.106 milhões de pessoas). Faltou 1,57% para Lula ser eleito no primeiro turno. Simone Tebet obteve 4,16% e Ciro Gomes, 3,04%. Houve pouco mais de 20% de abstenção.

Lula foi o mais votado em 14 estados e Bolsonaro, em 13 estados. Os eleitos para a Câmara Federal e para o Senado indicam que a partir de 1º de janeiro de 2023 teremos um Congresso Nacional mais à direita, defensor do grande capital.

Mas, o PT também cresceu, juntamente com seus aliados. A federação PT-PCdoB-PV elegeu 80 deputados (PT com 68, PCdoB com 6  e PV com 6) e o PSOL elegeu 14 deputados federais. Elegeram-se índios, negros, LGBTQIA+, Sem Terra, Sem Teto, um significativo número candidatos comprometidos com as lutas por justiça social, agrária, urbana, ambiental e com a superação das discriminações.

Uso de Deus

Analisar sob todos os aspectos e não recair em análises simplistas ou dualistas é necessário. O resultado do 1º turno demonstra que as fake news – “notícias” mentirosas - continuam causando um estrago brutal no meio do povo, muitas vezes usando da questão religiosa. Em nome de Deus, da pátria e da família, há uma indústria produzindo pessoas reacionárias, moralistas, hipócritas, desumanas, preconceituosas.

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Muita gente continua sendo seduzida por mensagens absurdas, tais como a que alega que “Lula vai fechar igrejas”. Como? Se Lula e a Dilma em 13 anos de governo não fecharam nenhuma igreja. Foi Lula que criou a Lei do Dia da Marcha com Jesus. Lula é católico, cristão que tem sensibilidade humana e social.

O que agride a família brasileira?

Diante de problemas complexos, muita gente assume posturas moralistas e fundamentalistas, que as levam a posturas dogmáticas, tais como, “defendo a família e pronto”, “Sou cristã” e “Deus acima de tudo e família acima de todos”. Triste engano pensar que para defender a família basta dizer “defendo a família”. Apoiar um candidato que fala de forma abstrata ser defensor da família, ao mesmo tempo que implementa políticas de morte diariamente, significa destruir as famílias no atacado.

Ao apoiar de forma irrestrita o agronegócio liberando um exagero de agrotóxicos, que está sendo a causa principal da epidemia de câncer que ceifa a vida de 250 mil pessoas por ano no Brasil, se mata no atacado de muitas formas.

Ao restringir a fiscalização do IBAMA e das outras instituições de fiscalização, abre espaço e incentiva a ação criminosa de garimpeiros em territórios indígenas e o desmatamento desenfreado da Amazônia e de outros biomas que só cresce. Com isso secam-se os rios aéreos, que são responsáveis para garantir o regime de chuvas no Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil. Na última safra já foi constatado um enorme prejuízo por falta de chuvas no tempo certo. Pisoteia na dignidade humana e mata-se no atacado, ao realizar políticas públicas que impõem a fome a 33 milhões de pessoas.

Ao assinar 34 decretos que reforçam o armamentismo na sociedade, ceifa-se a vida de milhares de pessoas porque a violência, o feminicídio e a morte por armas crescem. O atraso em seis meses na compra da vacina da covid-19 levou à morte quase 700 mil pessoas, sendo que cerca de 400 mil pessoas poderiam estar vivas, se tivessem se vacinado em tempo hábil. Então, é preciso avaliar as pessoas com poder político não apenas pelo que elas dizem, mas principalmente pelo que elas fazem.

Ou seja, o tipo de política que elas implementam gera vida ou morte?

Ovelhas com maus pastores

Não basta a gente constatar os problemas, é preciso buscar as causas que estão gerando os problemas. O resultado do 1º turno das eleições demonstra que parte do povo está como ovelhas sem pastores. Muita gente está sendo seduzida por mentiras repassadas por falsos pastores, falsos padres, enfim, líderes religiosos fundamentalistas.

A Igreja Católica e outras igrejas abandonaram a Opção pelos Pobres, ao contrário do “bom samaritano” (Lc 10,25-37), se distanciaram dos pobres. Temos hoje mais de 90% das comunidades periféricas sendo “atendidas” apenas por igrejas (neo)pentecostais, que apenas propõem consolo e autoajuda e via de regra alimentam posturas moralistas, fundamentalistas e criminalizadoras das políticas sociais.

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Só com trabalho de base, no corpo-a-corpo, estabelecendo relações de amizade, de amor, de solidariedade e de compromisso com os pobres, nas suas necessidades e causas, poderemos orientar os rebanhos prisioneiros hoje por líderes religiosos hipócritas, verdadeiras matilhas de lobos travestidos de bons samaritanos.

Defender a vida

Fica evidente mais uma vez que apostar as principais energias em política institucional e em eleições e arrefecer o compromisso com as lutas concretas por direitos da classe trabalhadora e camponesa superexplorada é um erro político gravíssimo. Sem lutas concretas por direitos e cada vez mais massivas não conseguiremos jamais superar a onda de extrema-direita que está varrendo muitos países mundo afora.

Só defendemos na prática e de forma efetiva a vida se criarmos as condições objetivas que viabilizem o respeito à dignidade da pessoa humana e de toda a biodiversidade.

Quem foi eleito na onda moralista e fundamentalista subiu “vertiginosamente”, mas pode cair de repente e revelar sua insignificância política, como o palhaço Tiririca, que sendo exímio humorista, na Câmara Federal não conseguiu ser um político com alguma importância, pois estava fora da sua praia.

Como balão de ar, muitos eleitos pela sedução de mentiras das redes virtuais não têm consistência, pois estão recheados de contradições que podem irromper de forma inesperada também a qualquer momento. Quem foi eleito buscando adquirir foro privilegiado porque está temendo ter que responder nas raias da Justiça pelos inúmeros crimes que cometeu terá sempre telhado de vidro e pode cair a qualquer momento.

Houve uma avalanche de fake news disseminada para milhões de pessoas. Cadê o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para coibirem isso de forma preventiva? E o abuso da máquina pública e do orçamento secreto que irrigou gigantes currais eleitorais?

Teimosia e amor

Como dizia Carlos Drummond de Andrade, em 1968, nos anos de chumbo, no poema "É hora de recomeçar tudo outra vez, sem ilusão e sem pressa, mas com a teimosia do inseto que busca um caminho no terremoto”, com a convicção de que “quem cultiva a semente do amor segue em frente e não se apavora”, como nos lembra a canção “Tá escrito”, de Alexandre Assis, Carlos Rodrigues e Gilson Bernini.

Sigamos firmes e irmanados na luta pela democracia, o que passa necessariamente pela eleição de Lula como presidente do Brasil. Sigamos com fé no Deus da vida e pés no chão!

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida