Rio Grande do Sul

Coluna

A construção da inconsciência

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"A recuperação da saúde de nossa terra, nossa sociedade, nosso planeta, está a exigir que cada um observe o que faz e o que pode fazer pela superação do egoísmo, da discriminação e da desinformação" - Foto: Ricardo Stuckert
A natureza acredita e ensina que a verdade prevalecerá, que toda forma de amor vale a pena

Uma das grandes vitórias da humanidade está no avanço da consciência coletiva a respeito da impossibilidade de manter o sucesso de alguns, às custas do abandono de muitos.

No entanto, a injustiça ali contida, que gera revoltas e por isso é insustentável, não para de crescer e hoje já alcança patamar que prenuncia o caos, o inferno na terra e o fim a vida.

Como entender isso? O que podemos fazer a respeito?

Sabemos que decisões econômicas em favor de interesses desumanos se orientam pela sede de dinheiro e poder. Também sabemos que os gestores deste processo se mantêm no controle através da manipulação de desinformações que espalham o vício da alienação, da apatia e da corrupção. Para isso, tratam de alimentar distorções perceptivas que, na prática, atiçam o galope cego de multidões empenhadas em atropelar quem tente frear seu avanço coletivo, rumo ao precipício.  

Na medida em que suas místicas pseudorreligiosas, suas mitologias negacionistas se mostram bem-sucedidas para aqueles fins, estreitam-se os caminhos para a formação de uma consciência coletiva pautada pelo livre arbítrio. Desta forma, são obstruídos processos naturais que por milênios determinaram evolução da racionalidade humana.

Naquele mundo das fantasias, o aprendizado real, para a vida, perde sentido. Os confrontos reflexivos com a realidade coletiva, a especulação de seus desafios e tendências, bem como a construção de conhecimentos com base em experimentos, acertos e erros, são substituídos pela manipulação egoísta, pela subserviência e pela bajulação.

É como se, no presente, uma descrição falsa sobreposta às evidências de degradação de valores éticos, morais e espirituais, bem como do que se passa no mundo real, avançasse como ilusão pautadora dos sonhos, desejos e atitudes de milhões de zumbis hipnotizados a serviço do caos. Mito, Mito, Mito.

Avança um processo de construção planejada da ignorância. Que, assustadoramente, se mostra bem-sucedido na medida em que nosso presidente que mente festeja o sucesso de seu governo sob o aplauso de suas vítimas. Mito, Mito, Mito.

Afinal, como entender que quase metade de nosso povo negue uma realidade onde 33 milhões de brasileiros passam fome, onde quase 80% de nossa população está endividada e onde o número de famílias inadimplentes já beira os 20 milhões (30% de aproximadamente 69 milhões de famílias)?

Cabe pensar que avança entre nós uma espécie de metástase destinada (se não vier a ser interrompida a partir de 30 de outubro) a acabar com nossa frágil e para a maioria já inexistente, democracia.

É alarmante saber que nossa decadência é tal que, na interpretação de Noam Chomsky, o futuro do mundo depende das eleições no Brasil (e nos USA).

Ele associa esta condição a mecanismos adotados por negacionistas que por aqui se multiplicam em número e na ocupação de postos decisórios. Bloqueando esforços protetivos a direitos e necessidades coletivas, aqueles grupos disseminariam estímulos à ignorância tão poderosos que esconderiam a real dimensão de ameaças associadas ao aquecimento global, à degradação da Amazônia, às mortes e às guerras pelo controle da água e dos escassos recursos naturais remanescentes. Não apenas esconderiam. Na real, crimes lesa-humanidade seriam fomentados pela premiação de seus principais responsáveis, na a eleição de ministros do presidente que mente e seus apoiadores, artífices da farsa da lava-jato.

Enfim, há como que uma cegueira em face de drama comum que não apenas está agravando a miséria dos que já não usufruem de uma vida digna, como seguramente começa a afetar a todos.

E o retardo a seu enfrentamento, a apatia que nos encaminha para ponto sem retorno, parece se dever ao fato de que a “opinião pública” já não resulta mais do pensamento reflexivo, do acordo, da cultura coletiva. Com a vontade popular sendo orientada por “deseducação” construída em favor de impulsos inconscientes, a opinião geral se faz deturpada. Modela-se, desta maneira, no imaginário que alimenta as ações dos tutelados, o que ali pretendem implantar os senhores dos meios de comunicação (ver brevíssima síntese de José Luís Sampedro).

Neste sentido estaria sendo falseado um conflito de conteúdos que se faz decisivo para a vida no planeta e que deve ser enfrentado em todas as frentes. A vida depende de associações, parcerias, colaborações. Para ocultar esta verdade, as mistificações midiáticas distorcem, corrompem noções essenciais como a liberdade, a fidelidade, o livre arbítrio e a consciência humana. Estas características, para se fazerem funcionais, exigem que recuperemos o que nos está sendo suprimido pela raiz: o acesso a informações consequentes com a realidade e o respeito à credibilidade de instituições e gestores públicos. 

Quanto a isso, vale rever documentário sobre o fim do modelo americano, as forças discriminatórias que ali operam, a miséria que dali emana e suas implicações sobre o que se passa em nosso meio.

Por isso, nesta eleição não se trata de escolher entre Lula e o presidente que mente.

Estamos diante de algo maior, de caráter global.

Algo como o duelo fundamental que nos levará, como esclarece Marcia Tiburi, ao retrocesso ou à superação deste "cenário sociopolítico" que coloca o planeta em risco e o Brasil como objeto de "experimentos nefastos".

Estamos ameaçados pela consolidação de um novo padrão geral de comportamento medíocre, armado e orientado por modelos nojentos de sucesso, de moral e de civilidade.

Como exemplo vale lembrar a importância do Senado Federal, a qualidade intelectual que se espera de seus membros, e o que ali se desenha com a ascensão de figuras como Romário, Mourão, Astronauta e Damares, entre outros. Todos aqueles, em apoio ao presidente que mente, emprestam ao Brasil um perfil de ódio à maioria dos brasileiros. Às mulheres, aos pretos, aos indígenas, aos nordestinos, aos intelectuais, aos LGBTQIA+, aos pobres, aos umbandistas e, enfim, a todos que se reafirmam como adultos conscientes e, portanto, que a eles se opõem, em qualquer frente.

É sintomático que nesta semana, quando o presidente que mente, aquele que frequenta a maçonaria, que se apresenta como um tipo especial de cristão batizado como evangélico no rio Jordão, pelo Pastor ex-presidiário Everaldo, e que já havia estado na procissão do Círio de Nazaré, passou em campanha política pela Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Com sua presença, o evento ganhou manchetes inéditas. Seguidores do presidente que mente hostilizaram a imprensa local e fizeram baderna após o Arcebispo Dom Orlando Brandes ter afirmado que é preciso vencer o ódio e que “precisamos ter uma identidade religiosa”. “Ou somos evangélicos ou somos católicos. Precisamos ser fiéis à nossa identidade católica” foi talvez a frase que contrastou com aquela história de simpatia com canibalismo, relatada na semana anterior.

Mais importante, com certeza foi a afirmativa daquele representante do Papa Francisco, de que “o dragão, que é o tentador. O dragão, que já foi vencido, a pandemia, mas temos o dragão do ódio, que faz tanto mal, e o dragão da mentira. E a mentira não é de Deus, é do maligno”.

De fato, e com isso voltamos ao início deste texto. Uma das grandes vitórias da humanidade está no avanço da consciência coletiva a respeito da impossibilidade de manter o sucesso de alguns, às custas do abandono de muitos, bem como do papel das mentiras para distração e abafamento do espírito humano.

A recuperação da saúde de nossa terra, nossa sociedade, nosso planeta, está a exigir que cada um observe o que faz e o que pode fazer pela superação do egoísmo, da discriminação, da desinformação e da luta contra as mentiras do maligno e suas hordas.

Ainda que não compreendamos por inteiro, sabemos que se faz necessário descartar de vez lideranças que nos mentem, que nos dividem, que afastam, ou tentam nos afastar de uma verdade básica: a natureza aposta na solidariedade, nas parcerias, no respeito aos diferentes. A natureza acredita e ensina que a verdade prevalecerá, que toda forma de amor vale a pena, que toda forma de amor valerá.

Por isso, por um projeto de nação solidária e includente, com nosso empenho, esforço e consciência, dia 30, Lula será eleito. Em 2023, do mal será arrancada a semente.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko