Minas Gerais

Coluna

Bolsonaro e a condenação na Bíblia e na história a idolatria

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Carolina Antunes - PR
A mais letal de todas as idolatrias é tentar domesticar o Deus da vida

A história da humanidade demonstra que vem de longe o uso em vão do nome de Deus e o abuso da dimensão de fé das pessoas por políticos dominadores e opressores dos povos. No seu sentido original, todas as religiões buscam humanizar as pessoas religando-as com o mistério de amor e respeito que as envolve. Invocando Deus, com diferentes nomes, as religiões procuram nos religar com o Ser Supremo, com o próximo, com todos os seres vivos e com nosso eu mais profundo.

Entretanto, ao longo da história, as religiões se tornaram instituições com doutrinas, dogmas e seus “sacerdotes”, funcionários que muitas vezes as degeneram usando-as para galgar poder econômico, político e posições privilegiadas de status na sociedade.

Quem tem poder religioso pode oprimir e explorar muito mais do que quem tem poder econômico, pois pode controlar consciências, comportamentos, atitudes e o mais profundo das pessoas de fé.

Idolatria na Bíblia

Na Bíblia, no livro de Juízes, nos capítulos 19 a 21, e na profecia de Oseias, sacerdotes (chefes religiosos) promovem guerra fratricida estimulando a violência entre irmãos e irmãs usando em vão o nome de Deus. A idolatria religiosa oprime e explora a dignidade humana.

A Bíblia atesta repúdio veemente dos profetas e das profetisas à idolatria, que é adorar e servir a outros deuses, ídolos “construídos por mãos humanas” que exigem sacrifícios das pessoas ludibriadas em rituais religiosos que viabilizam projetos de acumulação de ofertas, dízimo etc., o que resulta em “sacos de dinheiro” para falsos sacerdotes e pastores mercenários. Imbuídos de ira santa, os profetas e as profetisas bíblicas bradam: “Os ídolos deles são prata e ouro, obras de mãos humanas” (Cf. Sl 115,4; Lv 19,4; Dt 4,28; Is 40,19-20; Os 8,6; Hab 2,18-20; At 19,26; Ap 9,20 e muitas outras passagens bíblicas).

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Uso e abuso da dimensão da fé

A mais letal de todas as idolatrias é tentar domesticar o Deus da vida, mistério de infinito amor, e usá-lo para tentar criar um verniz de bondade e humanidade por opressores travestidos de bons samaritanos. Diante destes, possuído por uma ira santa e profética, Jesus Cristo “chutou o pau da barraca” e expulsou os mercadores do templo (Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-49; Jo 2,13-25 ).

Ao longo da história, ditadores e tiranos sempre usaram e abusaram da dimensão de fé das pessoas e invocaram o nome de Deus em vão. Os imperadores do sanguinário, opressor e repressor Império Romano se consideravam deuses e exigiam o culto ao imperador.

Na época em que foi escrito o livro do Apocalipse, nos anos 54 a 110, os imperadores Nero e Domiciano impuseram brutal tribulação às primeiras comunidades cristãs e ao povo escravizado. Esfolaram brutalmente o povo com pesadíssima carga tributária, perseguição e repressão. Muitos líderes das comunidades foram presos, torturados e mortos.

Ao escrever o livro do Apocalipse, seu autor teve que usar nome falso, João, para não ser torturado e morto. Muitas pessoas foram martirizadas, como os apóstolos Tiago e Paulo. Também foi martirizado Antipas, “fiel seguidor de Jesus Cristo”, membro da Comunidade cristã de Pérgamo (Ap 2,13).

Ditadura, Deus, Pátria e Família

Na invasão da África e das Américas, por europeus que exerciam poder opressor, também a cruz, símbolo do cristianismo, foi levada à frente da espada. Em nome de uma fé idólatra, negros e indígenas foram criminalizados e demonizados como se não fossem humanos. Esta violência religiosa pavimentou o caminho para o massacre e o genocídio de povos negros e indígenas e a brutal escravidão imposta no Brasil há mais de 350 anos.

Com o slogan “Deus, Pátria e Família”, o fascismo se espalhou na Europa com Benito Mussolini na Itália, Adolfo Hitler na Alemanha e com o general Franco na Espanha, sendo estes eleitos pelo povo seduzido e cegado por líderes religiosos e até pelo papa Pio XI, que se arrependeu amargamente ao descobrir as atrocidades dos fascistas. O papa Pio XI percebeu tarde que tinha chocado ovo de serpente.

Com os nazifascistas europeus no poder, milhões de pessoas foram assassinadas – mais de 6  milhões de judeus, ciganos, camponeses, homossexuais etc., - em nome de “raça pura”, pensamento único, uniformização cultural da sociedade a partir dos que estão no poder tiranizando a maioria do povo e tecendo relações sociais escravocratas.

Imposta ao povo brasileiro em 31 de março de 1964 a ditadura militar também usou e abusou da dimensão de fé do povo. Usando os símbolos nacionais, bandeira do Brasil, o verde amarelismo e o patriotismo xenófobo, houve marchas “religiosas” idolátricas em defesa da “Família, Deus e Propriedade” em apoio à ditadura militar. O novo regime mentirosamente alegava ser um regime que livraria o Brasil do comunismo, uma cortina de fumaça para um projeto de dominação política e econômica que abriu as portas do Brasil para as empresas transnacionais, desnacionalizando nossa economia.

Na prática, os generais ditadores impuseram o terror com o AI-5 fechando o Congresso Nacional, mudando a Constituição, cassando deputados e senadores, exilando muitas lideranças, impondo tortura e morte, aprofundando a brutal desigualdade social existente.

Sob a baioneta dos generais tiranos, a Reforma Agrária foi bloqueada com perseguição brutal às mais de 1200 Ligas Camponesas existentes e a latifundiarização do país foi incrementada. Os generais ditadores determinaram que empresários que comprassem terras na Amazônia ou no Centro-oeste teriam isenção de 50% de impostos.

Criado e difundido por Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base (MEB) foi extinto, porque interessava à ditadura manter altíssimas taxas de analfabetismo no meio do povo. Obras faraônicas, como a rodovia Transamazônica, foram feitas para abrir caminho para a invasão da Amazônia e o endividamento do Brasil perante os Estados Unidos e empresas transnacionais. A ditadura impediu a realização de Reformas Sociais de base necessárias para construirmos Justiça Agrária, Social e Urbana. 

Eleições 2022

Agora, nas eleições de 2022, novamente está acontecendo o uso e o abuso escancarado do nome de Deus e de versículos bíblicos para tentar justificar um projeto de poder ditatorial e a implantação de mais uma ditadura no Brasil. Isso é brutal idolatria.

Será atitude suicida autorizar pelo voto o início de mais uma ditadura no Brasil que, sob a tirania de uma pessoa desumana, será sanguinária e precipitará o fim da humanidade. Além de milhares de humanos mortos, será a devastação completa da biodiversidade e da Amazônia, o que secará os rios aéreos causando a desertificação das regiões Centro-oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

O inominável antipresidente, em conluio com falsos pastores e padres mercenários, segue abusando da dimensão religiosa das pessoas, seduzindo e cegando muita gente.

Há muitos sinais que demonstram que Bolsonaro não é cristão e nem defensor da família.

Como pode ser aceito como defensor da família alguém com a história familiar de agressão e ofensa a tantas mulheres; que tem ligações com milicianos; com inúmeros casos de “rachadinhas” envolvendo funcionários fantasmas; que tem como ídolo o torturador Ustra; que assinou 34 decretos flexibilizando o acesso a armas que só aumentam a violência; que atrasou em seis meses a compra de vacinas; desdenhou da dor de quem estava asfixiado pela covid-19 e, assim, condenou à morte quase 700 mil pessoas?

Como pode alguém ser aceito como paladino da moralidade com mais de 17 casos de corrupção constatados e que coloca muita coisa suspeita sob sigilo de 100 anos?

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Como pode ser considerado digno e competente para ser reeleito presidente do Brasil alguém que desgovernou o Brasil nos últimos 4 anos impondo fome atroz a mais de 33 milhões de pessoas; proibindo fiscais do Governo Federal de fiscalizar o desmatamento da Amazônia, em conluio com garimpeiros e invasores de terras dos povos indígenas; não demarcando nem um centímetro de terra dos indígenas, fustigando e ameaçando o Supremo Tribunal Federal?

Lula

Lula não é perfeito, mas é mil vezes melhor que o inominável antipresidente. Em 8 anos como presidente do Brasil, ele demonstrou que tem compromisso com a democracia, com políticas públicas que garantem a dignidade e o desenvolvimento do povo.

Compromete-se, agora, com o aumento anual e real do salário mínimo, com a continuidade do Bolsa Família/Auxílio Brasil de R$ 600, com o resgate de políticas públicas que atendam às reivindicações justas e legítimas dos Povos Indígenas, Quilombolas e de todos os outros Povos e Comunidades Tradicionais. 

Compromete-se com políticas que asseguram o combate ao racismo, à homofobia e ao feminicídio; com investimento pesado no SUS e na educação pública, da creche ao pós-universidade; com a fiscalização e coibição do desmatamento ilegal, com o apoio à agricultura famíliar na linha da agroecologia; com a política externa cidadã que garanta a responsabilidade que o Brasil tem no contexto internacional.

Aprendamos com a história

Enfim, aprendamos com a história do fascismo que nos diz que muitos ditadores e tiranos foram eleitos usando e abusando do nome de Deus e acenando de forma hipócrita para as pessoas religiosas. O fascismo é ovo de serpente e não deve ser chocado. Para o bem do povo, do meio ambiente e das próximas gerações.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

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Edição: Elis Almeida