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Meu nome é Gal

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"Tudo é divino maravilhoso. Sim, a esperança chegando o dia raiando... Gal, como é que você não ficou mais um pouquinho para ver? Para ser parte? Qual foi a pressa?" - Foto: Giovana Chanley
Ela se foi tão rápido. Era ontem que víamos Gal fazendo o L, se abraçando com Lula

Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Escrevo, assim, minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada.

Penso em Gal, Oh, minha honey baby, e um filme, com diferentes momentos da minha vida, vai se passando em ritmo saudoso e reflexivo.

De adolescente e sem entender muito o português (sou de Buenos Aires e cheguei a Porto Alegre aos 33 anos), já aparecia sua voz, com sua estupidez não lhe deixa ver. Isso ainda era fácil de compreender. Já outras músicas ... eram bem mais difíceis e ficariam para sempre na melodia, na alegria do meu corpo: gatcomeueninguémoviu, gatfugiu, gatfugiu.

Mas agora, tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento. Ela se foi tão rápido. Era ontem que víamos Gal fazendo o L, se abraçando com Lula e contávamos 154 anos naquele abraço de esperanças! De tanta vida. É preciso estar atenta e forte, não temos tempo de temer a morte.

Atenção.

Tudo é divino maravilhoso.

Sim, a esperança chegando o dia raiando... Gal, como é que você não ficou mais um pouquinho para ver? Para ser parte? Qual foi a pressa?

Desde que chegou a notícia, mas tu leu bem?  COMO ASSIM? Mas se GAL é imortal. Como foi que aconteceu? A gente procura respostas como se elas fossem acalmar tanta dor.

Eu teria uns 15 anos. Ela estava na tevê, num show impressionante. Eu em casa, sozinha. “Sozinha” com ela. Sentada na cama, sendo abduzida por esse ser, essas melodias, essa mulher tão Gal que ela era. Esse dia ficaria comigo para sempre. Falaria por dias, semanas, meses, vidas. Dela. Passaram-se 4 décadas e, se penso numa primeira vez, num primeiro amor é ela, tão Gal que emCosta em mim nos mais íntimos suspiros e respiros. Eu ainda estou aí, vou descendo por todas as ruas e vou tomar aquele velho navio. Ela está na tevê, ela dança, ela canta. Uma hora ela se afasta um pouco do público, ficando de costas para arrumar seu tomara-que-caia quando é pega por uma das câmeras. Eu vi ela no seu íntimo. Talvez eu volte. Ah minha grande e minha pequena. Ah, minha grande obsessão.

No mundo judaico dizem que as pessoas, quando morrem, também levam uma parte da gente. Aí, num lugar recôndito, Gal deve de ter em um pedacinho bem ínfimo − da memória −, um dia em que nos cruzamos o olhar. Estávamos em João Pessoa, ela e Gil faziam shows. Era novembro, sim, como agora, e eu estava no encontro do Mulherio das letras. Tinha acompanhado uma amiga escritora ao seu hotel e nele, também se hospedavam Gal e Gil. Nessas, parou um carro e do nada, parou tudo. A porta se abriu devagar e ela desceu. Cachoeira de imagens e emoções. Vontade de correr e contar tudo que ela é (porque ainda é e sempre será um/no presente). (Um nó presente.) (Um não presente.) E foi uma dessas décimas que a gente cruzou o olhar e o meu mundo parou perto do mar, longe da cruz.

Esse dia eu estava com minhas calças vermelhas. Cheia de anéis.

Hoje, meu sujo olho vermelho

Não fico parada, não fico calada, não fico quieta

Corro, choro, converso

E tudo mais jogo num verso.

Ela partiu dia 9 de novembro, uma semana depois de Finados. O que será que isso simboliza? Que ano que vem, e todos os que virão, ficaremos a semana toda do 2 ao 9, com um altar à mexicana, com imagens e músicas e velas e comida e bebida, lembrando dessa voz, desse ser que sempre seguirá emCOSTAndo em nós?

Na frente do cortejo, o meu beijo.

Muito forte como aço, o meu abraço.

* mariam pessah : escritora e poeta, autora de Em breve tudo se desacomodará, entre outros livros. Organizadora do Sarau das minas.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko