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O Bife de Ouro da Seleção não tem nada a ver com a falta de carne no prato dos brasileiros

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"Exigir que não comam o tal bife de ouro para “dar exemplo”, enquanto certo morador do Palácio do Planalto comia bife wagyu, não é só errar o alvo, é cometer uma baita estultice" - Divulgação
O alvo tem que ser colocado naqueles que tiraram quase tudo dos pobres para dar aos ricos desde 2016

Essa piazada que sai dos campinhos de várzea das periferias brasileiras e que encontram no futebol uma maneira de ascender socialmente, fugindo das mazelas do racismo, do tráfico, do desemprego, que vencem com seu talento a ponto de irem para uma Copa do Mundo defender um país que virou as costas para eles quando mais precisaram lá no começo, é motivo de orgulho. Essa piazada que com seu talento e ginga nos pés para driblar adversários e adversidades, acabam ficando multimilionários, a ponto de terem dinheiro para comerem um bife de ouro, em uma das churrascarias mais caras do mundo, para mim, é motivo de orgulho. Quem se entupam de bife de ouro, que ostentem, que se realizem em campo e fora dele.

Às vezes, muitas personalidades sábias em suas análises cometem um vício militante muito simples de ser cometido. O de se exigir que os outros defendam padrões de comportamento que eles julgam ser o correto, mas sem que ocorra um debate e um processo de convencimento. E pior, muitas vezes erram o alvo.

Quer dizer que quem nasceu preto, na favela, e venceu o mundo com os pés, precisa se preocupar com os 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil? Como cidadão, e atleta, claro que sim. Mas isso impende eles viverem daquilo que conquistaram para si? Não, não mesmo. Bife de ouro não é só para quem nasceu em berço igual, pode ser apreciado também por quem lutou para chegar lá. É a história do “pobre pode comer camarão?”, que perguntaram certa vez para um tal de Luís Inácio.

E, às vezes, isso também incomoda quem tem a mesma pele de quem nasceu em berço esplêndido, mas adquiriu um pouco de consciência social. A situação material determina o nível de noção, e também de pré-conceitos, por mais que se coloquem muito colorido e lacres para escondê-lo. Acabam caindo na Síndrome de Senhorita Morello. Quem viu o seriado “Todo Mundo Odeia o Chris” vai entender.

Em um país que para muitas crianças que nasceram com escassez de tudo as únicas opções são a bola ou fuzil ver um Vini Jr ao lado do Salt Bae gastando uma bolada naquilo, tem que ser motivo de celebração. É triste, por outro lado, que milhões não tenham uma proteína para se alimentar bem, mas isso não tem nada a ver com nenhum atleta da Seleção Brasileira.

Talvez o alvo tem que ser colocado naqueles que tiraram quase tudo dos pobres para dar aos ricos desde 2016. Acabaram com programas sociais, com a renda, com o emprego, com direitos trabalhistas, deixaram as famílias se atolarem em dívidas, falirem, adoecerem. A culpa não é da Seleção, não.

Faltou empatia? Cobrar empatia deles, enquanto quem tinha a caneta na mão para evitar a maior catástrofe sanitária da nossa história não fez nada, é errar o alvo. Exigir que não comam o tal bife de ouro para “dar exemplo”, enquanto certo morador do Palácio do Planalto comia bife wagyu (carne tão cara quanto), torrava dinheiro público no cartão corporativo sigiloso, em meio a fome e a miséria provocadas pelo governo dele, não é só errar o alvo, é cometer uma baita estultice.

Ao Vini Jr, Raphinha, Paquetá, Richarlison, que estejam bem alimentados, seja com carne de ouro, para que ergam a Copa Dourada, dia 18. Que bailem muito para desespero dos narizes tortos eurocentricos. E os que buscam problema no prato do nosso ponta esquerda, parem de mal-humor. Deixemos isso no colo de quem está esperando intervenção intergaláctica em porta de quartel. O Brasil está se encontrando consigo mesmo, começou dia 30 de outubro, vai passar pelo dia 18 de dezembro, e atingir o ápice dia 1 de janeiro. É tempo de celebrar, de bailar, de olhar para o futuro.

Ps. Gabriel, mas e o Neymar? Que cuide do tornozelo e seja feliz em campo, fora dele que tenha melhor relação com seu título de eleitor, mas isso é papo para outra crônica.

*Gabriel Carriconde é narrador esportivo, jornalista, nunca comeu bife de ouro porque é um fodido

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Lia Bianchini