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Crônica | Um despejo e uma despedida

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A mãe comentou que a gente ainda não sabia pra onde ia, mas que qualquer coisa eles mandassem um zap - Pedro Carrano
A gente viu as mães chorando porque perderam todas as madeiras da casa no dente do trator

Foram só dois dias. Mas eu acho que pareceram muito, muito mais. De quando eu nem tinha acordado direito e a vizinha gritou que havia uma fila de policiais na entrada da invasão, até o momento em que a gente jogou futebol juntos no espaço do abrigo. Éramos cinco, e agora somos só dois, chutando uma bola meio murcha. Antes disso, eu preciso contar que dois dias atrás, durante o despejo, por volta de onze da noite, eu e Raíssa, minha irmã, a gente estava deitado no sofá de casa, só que o sofá já estava no meio da rua, debaixo da chuva, e a mãe colocou uma lona por cima da gente. A gente, eu e Raíssa, esperava pra saber o que ia acontecer, até que finalmente a liderança conseguiu um frete pra nos trazer até o abrigo onde estamos agora. Já na primeira noite fiquei amigo do Erick, irmão do Jonathan e do Emerson, a gente ficou bastante amigo, a gente achou engraçado no começo quando viu as coisas das nossas casas todas espalhadas naquele barracão fedido. Depois percebeu que a coisa era séria. A gente viu as mães chorando porque perderam todas as madeiras da casa no dente do trator. Então nesses dois dias, eu, o Erick, a Tainá, o Emerson e o Jonathan jogamos futebol, recebemos brinquedos de doação, recebemos visita de atores pra se apresentar pra gente, quebramos um dos vidros do banheiro dos homens, tomamos banho gelado, vimos o pai dos meninos bater boca com o funcionário da prefeitura. Só que agora a gente está aqui na frente do abrigo, é um fim de tarde com sol esquisito, os patrão da mãe do Erick aceitaram abrigá-los num puxadinho atrás da casa, as coisas estão outra vez sendo encaixotadas. Dessa vez não querem deixar nada pra trás. Chegou a hora de a gente se abraçar e não se ver mais, ninguém tinha ensinado ainda essa coisa da despedida pra nós, o pai nunca tinha dito como doía, as coisas estão todas misturadas no ginásio, as pessoas também, os cachorros também, os gatos também e agora o Erick me deu um abraço meio apertado e eu disse que gostava dele,  e percebi que a vida pode ser coisa que queima forte. O pai desejou boa sorte pra família deles. A mãe comentou que a gente ainda não sabia pra onde ia, mas que qualquer coisa eles mandassem um zap. Pior que as duas famílias que lá na invasão brigavam tanto e agora não brigaram mais. As coisas foram colocadas no carro velho de um tio do Erick. A comunidade bateu palmas, todo mundo junto, e ficou feliz pela família deles. Eu pedi apenas que Deus tivesse força pra segurar as lágrimas que desciam que nem tempestade do céu. Se cuidem, Erick, Jonathan, Emerson, o fim de tarde estava bonito e calmo. O carro partiu devagar e balançando. E a Tainá disse que também queria ir naquela direção bonita onde estava o sol.

 

 

 

 

 

 

 

 

Edição: Ana Carolina Caldas