Paraná

Entrevista

"Curitiba é muito desigual e o legislativo é muito elitizado", analisa vereadora Maria Letícia

Vereadora do PV enxerga oposição ainda mais isolada na Câmara de Curitiba a partir de 2023

Curitiba (PR) |
"A Câmara está extremamente conservadora. Talvez tenha até piorado", aponta Maria Letícia - Foto: CMC

A partir deste ano, o cenário na Câmara de Curitiba deve ser de conservadorismo ainda mais forte e uma oposição cada vez mais isolada. Essa é a análise da vereadora Maria Letícia (PV), em entrevista ao Brasil de Fato Paraná.

A vereadora avaliou quais mudanças devem ocorrer na Casa Legislativa a partir da entrada de quatro novos vereadores e analisou as políticas públicas que têm sido implementadas na cidade e a gestão do prefeito Rafael Greca.

Confira a entrevista: 

Brasil de Fato Paraná - Nós tivemos a posse de quatro novos vereadores, mas a Câmara praticamente não muda sua composição, tem a grande maioria governista e uma base de oposição que faz muito barulho mas é pequena. Há alguma mudança neste momento na Câmara ou ela deve funcionar como sempre funcionou?

Maria Letícia: Olhando quem entra, eu acho que a Câmara está extremamente conservadora. Talvez tenha até piorado. A gente não sabe como vai ser o diálogo com os que entraram. Eu já convivi com o Bruno [Pessutti] na outra legislatura. É bem preparado, mas é base do governo. Eu não sei o que esperar do Rodrigo [Braga Reis], é um bolsonarista, já tive alguns problemas com ele, ele discorda dos nossos posicionamentos, então vai ser muito duro.

Nós temos um bloco na oposição e não conseguimos aumentar. Somos dois partidos, PV e PT. Antes, o PDT estava independente, agora ele está no bloco fechado com os partidos da base. Se ele era independente e fecha bloco com os partidos da base, o que se imagina disso? A gente vai enfrentar mais dificuldade. Olhando a grosso modo, a gente só teve uma sessão plenária, mas me parece que a coisa pode ser mais pesada. Os temas que nós vamos discutir agora: o plano de carreira dos servidores, vai ser bem difícil de debater; o transporte coletivo...temas bem pesados, e nessa condição parece que a oposição fica mais isolada. Antes a gente tinha o apoio isolado de um ou outro que votavam com a gente. Vamos ver o que vai acontecer.

O que você considera que falta no legislativo, de maneira geral? E o que falta de políticas públicas em Curitiba?

O legislativo é a cara de Curitiba. Nós vivemos em uma cidade em que o prefeito se elege em primeiro turno sem ter ido a um debate. O eleitor curitibano escolheu que fosse dessa forma. Aí você olha a Câmara e vê a representação da cidade lá. Bolsonaro teve 65% dos votos aqui na nossa cidade. Então, olha a condição em que nós vivemos lá, fazendo oposição numa cidade que tem essa estrutura.

Curitiba tem uma cidade que é postal e uma cidade que é periferia. Definitivamente, o legislativo não atende as demandas de uma cidade que está ainda sem cartão postal, ele atende as demandas do centro, da classe média branca, mas não atende onde deveria estar trabalhando com mais determinação, que são os bairros da cidade. São 77 bairros que vivem dificuldades, desde acesso a transporte público, trabalho, espaço. Curitiba é muito desigual e o legislativo é muito elitizado, foi feito para a classe média.

Eu acho que as políticas públicas tem que avançar nesse sentido, tem que olhar a cidade como um todo. A cidade precisa crescer, não pode criar mais problemas sociais. Pelo contrário, tem que destruir os problemas sociais que já existem, tratá-los, porque há recursos, o orçamento público teve superávit. Se teve superávit, por que a gente não atendeu os bairros com mais qualidade? A gente já tem um centro restrito, que vive sendo reasfaltado. A gente tem uma preocupação em ser uma smart city, mas que não pensa no transporte como melhoria de qualidade de vida, tem bairros que não tem ciclovias, ciclofaixas e o prefeito fica fazendo asfalto no centro. Quando a gente vai nos bairros a gente vê a falta de condição de acesso ao mínimo, que é trabalho, moradia. Isso é muito grave na política pública que se constroi na cidade.

No discurso de posse, o vereador Rodrigo Braga Reis falou que é um político de direita, está em uma cidade de direita e está ali para fazer um trabalho conservador, porque é isso que a população quer. A senhora, sendo uma política do campo progressista, entende que existe mesmo essa dificuldade de ter um diálogo das pautas progressistas com a população curitibana? Se sim, como superar isso?

Eu acho que tenho que ser pedagógica, fazer com que a população entenda a importância das pautas progressistas. Eu sou médica, sou branca, venho da classe média e fui eleita por gente com esse perfil. Quando eu venho para a Câmara e me posiciono publicamente e politicamente progressista, mais à esquerda, eu perco meus eleitores, já começo a ter essa leitura, essa percepção pelas críticas que eu recebo nas redes sociais. Isso para mim foi um aprendizado. A gente vai ter que ter muita paciência e ir reconstruindo isso, porque nós temos um novo governo eleito legitimamente e é esse governo que nós vamos seguir. Quem não votou vai ter que entender quais são as medidas importantes, necessárias. 

Eu sou uma pessoa que me construí ao longo dos anos com essas pautas. Quando a gente teve o posicionamento com o Renato [Freitas] foi muito marcante, eu fui muito criticada. Eu dizia "porque será que eles estão assim?" Eu fui absolutamente técnica. Eles não queriam que eu fosse técnica, queriam que eu fosse emocional.

Mudando de assunto: a partir da sua experiência na Saúde, como a senhora avalia a política de Curitiba voltada para essa área? 

Eu fui servidora municipal, trabalhei como médica ginecologista numa unidade de saúde, e tenho experiência de servidora pública do estado como médica legista. A saúde está falida na cidade de Curitiba. O Rafael Greca (DEM) vai ficar conhecido como o prefeito que mais desconstruiu a saúde pública.

Por exemplo, a maneira como Curitiba enfrentou a pandemia: ele [Greca] tentou montar palanque fazendo atendimento centralizado, ele centralizou no Barigui. Ele não pensou nas pessoas. Houve equívoco enorme durante a pandemia. Houve equívoco quando se desmontou a saúde, encolheu a saúde, diminuiu as unidades básicas de saúde durante a pandemia, porque as pessoas ficavam desassistidas e morriam de diabetes, hipertensão, doenças que são tratáveis e que elas já tratavam e perderam acesso.

Então, houve um cenário pavoroso. Era o momento de acolher as pessoas, orientá-las, salvar as vidas, mas não, se cruzou os braços. Eu tentei emplacar uma CPI da FEAS [Fundação Estatal de Atenção à Saúde], que hoje responde por todas as UTIs, todas as unidades de saúde, e não consegui todas as assinaturas, porque a base é muito grande. Fiquei com 11 assinaturas, precisava de 13. A FEAS recebe, até março, mais de R$ 400 milhões e não está prestando conta disso. Quando a secretária de saúde vai na Câmara municipal prestar contas, ela leva um relatório engessado, que eu leio inteiro, questiono e ela não responde. 

Foi um escândalo a maneira como o prefeito Rafael Greca conduziu a saúde desde a legislatura anterior. É não pensar na população, não tem habilidade e capacitação para tratá-la.  

Edição: Lia Bianchini