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Sinodalidade e Caminhada Libertadora

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"Apesar de não se definirem como sinodais, essas Igrejas locais viviam a Sinodalidade como 'caminhada' de inserção no mundo social e político"
"Apesar de não se definirem como sinodais, essas Igrejas locais viviam a Sinodalidade como 'caminhada' de inserção no mundo social e político" - Rosilene Miliotti
A democracia é posta à prova por grupos de elite e governantes que admiram o autoritarismo

O papa Francisco completa dez anos como bispo de Roma e papa, ou seja, patriarca-primaz das Igrejas da comunhão católico-romana em todo o mundo. O que marca este aniversário é o seu convite para que toda a Igreja Católica se organize a partir da Sinodalidade. De fato, a Sinodalidade foi a forma da Igreja Católica se organizar durante os primeiros séculos. 

Etimologicamente, Sinodalidade significa “caminhar juntos”. No Brasil, desde 1970, estimuladas pela 2ª Conferência dos Bispos Latino-americanos em Medellín,  algumas Igrejas locais se abriram às comunidades eclesiais de base. Essas dioceses mais abertas sempre foram pluralistas. Contavam com grupos de tendências diversas, mas, nelas, a missão e o modo de ser Igreja recebiam muito das Cebs. Tornaram-se conhecidas como “Igrejas da Caminhada”. Apesar de não se definirem como sinodais, essas Igrejas locais viviam a Sinodalidade como “caminhada” de inserção no mundo social e político, a partir da Espiritualidade Ecumênica Libertadora. 

O principal inimigo desta Sinodalidade a partir de baixo foi o próprio Vaticano, que, até que Francisco se tornasse bispo de Roma, não apoiou a Caminhada das Cebs e das dioceses que se organizaram a partir delas.  Até então, as Igrejas locais que se inseriram profeticamente na caminhada dos pobres sofreram perseguições e foram marginalizadas. 

Atualmente, apesar de que o papa propõe novo mergulho no Evangelho, muitas dioceses e paróquias privilegiam um devocionalismo barroco mais superficial do que no século XIX. Em visita ao sul da Itália, o papa Francisco se referiu ao estilo de muitos clérigos jovens como nostalgia do tempo de suas avós. De fato, muitas dioceses e paróquias visam o retorno ao modelo de Cristandade: uma Igreja centralizada, com hierarquia poderosa e influente, que divide o mundo em sagrado e profano; tem como centro o culto externo  e a rigidez de regras morais, imposta, ao menos, aos de fora. 

Muitos religiosos/as, padres e mesmo bispos acolhem a proposta da Sinodalidade, porque o papa mandou. No entanto, não se deixam penetrar pelo espírito da Sinodalidade. Não querem a Igreja verdadeiramente sinodal. 

Pretender Sinodalidade em Igreja clerical e baseada no poder hierárquico é querer tornar possível a quadratura do círculo. 

A base da Cristandade é a fé em um Deus, como Senhor todo-poderoso que legitima o poder e divide as pessoas em crentes e descrentes, santos e pecadores. É um deus narcisista que precisa ser agradado para salvar as almas. Conforme os evangelhos, Jesus combateu este tipo de religião. 

Já no final do Concílio Vaticano II, no Pacto das Catacumbas, um grupo de bispos se comprometeu a romper com o modelo autoritário do poder e se tornarem pobres junto com os pobres, em uma Igreja servidora. Há anos, o profeta Pedro Casaldáliga afirmava que a Igreja de Jesus Cristo não é democrática, porque tem de ir além da Democracia e ser Comunhão. 

Esta proposta da Sinodalidade não diz respeito só internamente à Igreja. Caminhar juntos e suscitar estruturas participativas é desafio espiritual, mas também social e político para toda a sociedade. Mais do que em outras épocas, em vários países, a Democracia é posta à prova por grupos de elite e governantes que admiram o autoritarismo e elogiam ditaduras militares. Torna-se assim, ainda mais urgente o apelo do papa Francisco em sua carta-encíclica  Fratelli Tutti: o desafio de construir uma fraternidade universal que assegure Paz e Justiça eco-social para todos e todas, tendo a Vida em primeiro lugar.  Sob outros nomes e com outras designações, o projeto de Sinodalidade para as Igrejas pode e deve valer para toda a sociedade como caminho para um novo mundo possível. 

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga