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Crônica | Moro em Jaçanã

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"Do outro lado, os amigos botequeiros tinham organizado um churrasco na casa do recém-viúvo da turma. Ninguém podia faltar." - Foto/ EBC
Só ele que não tinha confirmado a presença no churrasco

Ele era um trabalhador contumaz. Também era um botequeiro de primeira. O boteco era lugar sagrado para ele. Era um grande pai de família. A geladeira da casa nunca ficava vazia. Ele cumpria com suas obrigações. Só que o boteco de cada dia não podia faltar.

Sua família não ligava para sua vida boêmia. Não tinha horário para chegar em casa. Chegasse a hora que fosse, seu prato de comida estava no forno. Também nunca faltou um dia de serviço.

Só que ele estava com um imbróglio para resolver. Sua mulher, muito religiosa, gostava de reunir a família na sexta-feira da Paixão para comer bacalhau. Ela seguia o ritual da família portuguesa. Ela o tolerava o ano todo, mas, nessa data, ele precisava estar sóbrio, arrumado e com o terço no pescoço.

Do outro lado, os amigos botequeiros tinham organizado um churrasco na casa do recém-viúvo da turma. Ninguém podia faltar. Só ele que não tinha confirmado a presença no churrasco. Os amigos, todos sacanas, sabiam qual era o problema dele e, no grupo do zap, a gozação com a cara dele não parava.

A semana santa estava chegando. Ele ainda enrolava os amigos e pensava em como iria dar uma desculpa para a mulher. Ele nem estava dormindo.

Como era um cara de sorte, na quinta-feira, véspera do feriado santo, o metrô entrou de greve. Ele bolou um plano. Ligou para a mulher e falou que iria dormir na casa do viúvo da turma. Ufa! A mulher aceitou. Mas disse que o esperava para o almoço. Ele garantiu a ela que chegaria na hora.

O churrasco estava indo bem. Os amigos se divertiam como velhos adolescentes. Ele espertamente escondeu todas as cervejas debaixo do telhado. Um dos amigos gritou da churrasqueira: “Acabou a gelada! Quem vai comprar?”. Ele não titubeou. De longe gritou: “Eu vou!” 

Almoçou com a mulher e disse que precisava ir à farmácia comprar um remédio para o estômago. Voltou para o churrasco cheio de cervejas e ainda levou uma garrafa rara daquelas cachaças boas. Os amigos adoraram.

Só que ele tinha que voltar para casa. A mulher já sentira sua falta. Ele disse que tinha na geladeira da sua casa uma picanha argentina. Que precisava pegar. Ele chegou em casa. Com o remédio para o estômago. Já muito cansado de sua peregrinação, adormeceu no sofá. Só acordou no outro dia e disse à mulher:

- Você não sabe o que sonhei. E começou a cantarolar a música do nosso grande Adoniram Barbosa.

 

 

Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do coletivo Solidariedade Cidadã

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Edição: Elis Almeida