Minas Gerais

Coluna

Boca na botija

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"Já na entrada da loja, o segurança ficou de butuca na sua bolsa. Começou a segui-la com seu o olhar sanguinário nos corredores." - Foto: Reprodução/ Pixabay
O povo todo ficou revoltado com a cena lamentável

Ela vive de bicos. Tem disposição para trabalhar todos os dias, se houver alguma faxina pra fazer. Seu nome é trabalho.  Sua vida sempre foi na labuta do dia a dia. Saiu da casa da mãe aos doze anos. Nunca teve pai. Não estudou. O sorriso nunca lhe faltou.

Ela estava feliz naquele dia chuvoso e frio. Tinha trabalhado por quinze dias direto na casa de um grã-fino que pagava muito bem. A caixinha dele era generosa. Esses quinze dias valeram por seis meses. Estava rindo sozinha dentro do ônibus e planejando a compra do mês para casa. Só que antes iria passar numa famosa loja de cosméticos.  

Já na entrada da loja, o segurança ficou de butuca na sua bolsa. Começou a segui-la com seu o olhar sanguinário nos corredores. Deu a fita para outro segurança pela radiocomunicação interna da loja:

- Presta atenção nessa negrinha magrinha de azul. Ela vai virar aí no final do corredor de xampus. Essa vai dar trabalho pra nós hoje. Vamos pegá-la com a boca na botija.

- Beleza. Tô de olho aqui.

De repente, uma confusão se instala dentro da loja. Correria pra lá e cá. Seguranças gritam:

- Pegamos uma ladra aqui com a boca na botija.

A mulher não aceita ser acusada de ladra e começa a gritar também:

- Não peguei nada, seus brutamontes. Eu tenho dinheiro para pagar. Me solta, seu grosso. Não preciso roubar. Eu acordo cedo e vou à luta.

O povo todo ficou revoltado com a cena lamentável. Não tinha nada dentro da bolsa da nossa trabalhadora. A mulher chorava copiosamente e tremia muito de raiva e indignação. Veio o gerente e pediu desculpa pelo ocorrido. Ela só queria ir embora. Ela não chamou a polícia. Seu filho fora assassinado por policiais numa batida violenta na sua quebrada.

Já no ponto ônibus, de volta pra casa, mais calma, ela levanta a cabeça e avista o segurança que a acusou de roubo. Ele entrou no mesmo ônibus e desceu um ponto antes do dela. Ele morava na mesma quebrada. Ela levantou e o viu entrando no beco e sumindo devagarzinho passo a passo.

Ela desceu no próximo ponto e jogou uma salsicha para um cachorro no meio da rua e deu um sorriso a uma idosa com dificuldade de andar. Chegou em casa e começou a ouvir Beth Carvalho na velha vitrola. Disco que ganhara há anos de presente do filho no Dia das Mães.

 

 

Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do coletivo Solidariedade Cidadã

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Leia outras crônicas de Rubinho Giaquinto em sua coluna no Brasil de Fato MG!

 

Edição: Elis Almeida