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Amelinha Teles esteve em Porto Alegre para lançar seu livro Feminismos no Sarau das minas, no aconchego da livraria Paralelo 30, bem pertinho da Redenção - Divulgação
Amelinha Teles acaba de lançar um livro tão maravilhoso quanto necessário: FEMINISMOS

No sábado 29 de abril, tivemos a imensa alegria de ter conosco a Amelinha Teles, em Porto Alegre. A acolhida foi no contexto do Sarau das minas, no aconchego da livraria Paralelo 30, bem pertinho da Redenção.

Foi uma tarde de casa cheia e corações palpitantes. Maria Amélia de Almeida Teles, mais conhecida por Amelinha, acaba de lançar um livro tão maravilhoso quanto necessário: FEMINISMOS. Eu estava fazendo umas matemáticas e malabares, imaginando a possibilidade de viajar a São Paulo para o lançamento, quando toca o telefone: mariam! fim de mês estarei em Porto Alegre, tu achas que rola um bate papo?

A primeira vez que vi a Amelinha foi na tevê, contando do horrível período que tinha sido presa e torturada pelo Doi-Codi, sob o comando do nada brilhante Ustra, durante a ditadura empresarial-militar. Meus olhos dilataram e o queixo caiu. Essa mulher!, com esse corte de cabelo tão particular, de uma paz invejável, entraria para sempre em mim. Mais tarde ficaria sabendo que a mesma pessoa que tanto trabalhou pela memória, verdade e justiça, também era feminista e fundadora da União de Mulheres de São Paulo, onde anos depois eu seria convidada, e muito bem recebida, a lançar meus livros.

“Feministas são as mulheres, praticantes e estudiosas do feminismo que lutam no cotidiano pela liberdade de expressão, de organização e de manifestação. (...) São mulheres que almejam autonomia em suas vidas e nas vidas de todas as pessoas.” Ao longo de 273 páginas, divididas em cinco capítulos, Amelinha fala dos Feminismos. Conta que o projeto surgiu de um convite para escrever um livro para adolescentes. Eu acho o projeto bem mais ambicioso e abrangente, acho que é um presente para quase todo mundo. Inclusive, para feministas como eu que nunca escutaram, ou leram, como se deu a luta pela constituinte de 1988. Esse para mim foi um capítulo emblemático porque é o que mais nitidamente fala na história. E quantas vezes nós lemos livros de história escritos por mulheres? E por feministas?


Ao longo de 273 páginas, divididas em cinco capítulos, Amelinha fala dos Feminismos / Divulgação

“O feminismo nasce da capacidade das mulheres de se rebelarem, de se indignarem e resistirem de diversas formas contra a dominação, a exploração, a opressão.” Quem de nós-outrAs, quando era criança, não se sentiu um pouco fora do mundo? Sem muita escolha de brinquedos, sem poder falar muito alto ou ter que ficar sorrindo como se o mundo fosse uma fantasia? Pois então, aí chega o feminismo a nos salvar e dizer sim, vocês podem e devem se indignar e gritar e lutar pelo que vocês acreditam, porque só assim serão ouvidas e mais, assim vocês também criarão um pensamento próprio.

Amelinha conta no livro que nunca acreditou muito nas ondas do feminismo, já ouviram falar da Primeira onda, da Segunda onda e tal? Eu sempre me perguntei, e antes disso, o que houve? Como o mundo em que nós nascemos e vivemos é patriarcal, ficaram muitas vozes raivosas apagadas, assim como bruxas queimadas na fogueira. Por isso, começar a contar a partir de 1848, quando ficou registrado que um grupo de mulheres começou a se organizar para conseguir o voto e o ingresso das mulheres (brancas) no mercado de trabalho, me faz pensar, e o que houve antes? Será que não existiram outras mulheres antes, revelando-se até esse momento? Será que desde que começou o patriarcado, há 10.000 anos, as mulheres juntaram as mãos se deixando algemar e nunca houve um grito? Será que, o suposto silêncio, não é mais um conto de fadas contado pelo patriarcado?

Ou será que todas essas vozes foram apagadas?

Sempre acho que numerar, anula o que veio antes. Assim como o mar não teve uma primeira onda, o feminismo não começou na Europa com as mulheres brancas/ heterossexuais.

:: 'Nós temos que ser mais contundentes e esse 8 de Março é o momento', defende Amelinha ::

Por tudo isto que digo que o livro de Amelinha é para quase todas as pessoas. Porque nos deixa pensando, porque preenche muitos buracos de conhecimento, porque gera uma empatia maravilhosa com essas mais de 15 mulheres que ela traz no último capítulo, contando e mostrando suas lutas e nos faz pensar, essa poderia ser eu também.

Durante mais de 10 anos tivemos um grupo que se chamava Mulheres Rebeldes, junto com Clarisse Castilhos. Uma das ações consistia em fazermos reuniões de conversas, estudo e debate. Que falta nos fez o livro FEMINISMOS para organizar o pensamento.

Finalmente, a mulher que tem mel no nome e muito sangue vermelho na corpa toda, pariu esta grande obra que termina assim: “Agora deixo aqui para vocês concluírem e escreverem novas histórias de mulheres que estão perto de vocês ou, quem sabe, são vocês que vão escrever suas próprias histórias?”

* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de Em breve tudo se desacomodará, 2022; organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre desde 2017 e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta. 

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko