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Black Mirror: o que essa série nos diz sobre como enxergamos as tecnologias?

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Na série, Joan decide destruir as tecnologias que a rodeiam - Print - Netflix Brasil - Black Mirror
Nossa lida com tecnologias é condicionada pelos valores norteadores do modo de produção capitalista

Por Hiago Trindade*

Neste mês, veio a público a 6ª temporada da série “Black Mirror” a qual, desde seu lançamento, ainda em 2011, vem problematizando a relação entre o homem e a tecnologia na sociedade contemporânea, provocando os mais diversos sentimentos entre os(as) expectadores(as). O primeiro episódio dessa nova temporada, intitulado Joan is Awful (Joan é péssima), desenvolve-se centrado na reprodução da vida pública e privada de Joan (personagem principal) em uma plataforma de Streaming, revelando seu cotidiano e seus segredos mais íntimos (assim como das pessoas que a cercam) para milhares de pessoas.

Obviamente, esse episódio poderia ser tratado a partir de diversos ângulos, pois nos posiciona cara a cara com inúmeras questões presentes em nossa sociedade. Contudo, na coluna de hoje, gostaria de trazer alguns apontamentos acerca da “tecnofobia”, ou seja, do sentimento de aversão e repulsa direcionado à aproximação ou utilização dos recursos tecnológicos disponíveis.

Joan demonstra essa postura tecnofóbica pois, mediante o dilema vivenciado, a solução encontrada para superá-lo é destruir a máquina. “Há que derrubar o sistema, o tal computador quântico”, diz ela, em uma das passagens do episódio.  

Para mim, foi impossível defrontar-me com esta cena e não recordar o movimento ludista, ocorrido no século XVIII na Inglaterra. Naquele tempo, em meio as grandes transformações provocadas pela revolução industrial, os homens e mulheres começaram ser substituídos pelos novos inventos maquínicos e, assim sendo, foram excluídos do universo produtivo. Em meio ao desemprego, passaram a viver imersos em um contexto de pobreza e miséria, fazendo com que iniciassem uma série de atos tendo em vista destruir aquelas que lhes parecia ser a causa e a consequência de seu flagelo: as máquinas.

Decorridos três séculos desde esse fato histórico, ainda vemos – na ficção e na vida real – pessoas culpabilizando as máquinas ou, de modo mais amplo, as tecnologias, pelos malogros que a humanidade vem atravessando. No tempo recente, as polêmicas em torno desse tema vêm se adensando ainda mais, em virtude da rápida expansão das Inteligências Artificiais (IA). Quem não lembra, por exemplo, dos escândalos que ganharam as redes sociais em virtude da imagem (produzida por IA) na qual o Papa Francisco aparecia vestindo um traje super pop, chocando vários cristãos? E o caso do fotógrafo Oris Eldagsen, recordam? Após ter sua fotografia selecionada como vencedora de um grande concurso na área, o artista revelou ter produzido a imagem com IA e recusou-se a receber o prêmio.

Além desses, outros tantos casos poderiam ser mencionados e, penso, todos eles nos provocam reflexões diversas: as IAs irão extinguir o trabalho humano? Como pensar em padrões de utilização dessas ferramentas em meio ao contexto de disseminação das Fake News? Que questões éticas se colocam para a sociedade no trato com a incorporação das IAs nos mais variados ramos, inclusive na produção de arte? Independentemente das respostas  oferecidas em um primeiro momento, algo é certo: precisamos aprofundar o debate sobre esse tema, a fim de encontrar caminhos para a nossa relação com as tecnologias e para as potencialidades e limites que elas apresentam ao desenvolvimento da sociedade. 

Nesse sentido, não podemos perder de vista que a nossa lida com as tecnologias é, em grande medida, condicionada pelos princípios e valores norteadores do modo de produção capitalista. Nesse sistema, portanto, essas ferramentas são apropriadas e utilizadas para satisfazer os desejos de lucro das classes dominantes; isso ocorre relegando trabalhadores(as) ao desemprego, estendendo suas jornadas de trabalho, vigiando, de diversas formas, seus corpos, além de outras tantas situações. Se Joan tivesse essa reflexão em mente, talvez sua raiva e seu desejo de destruição não se voltassem para o computador quântico…  

Mas, assim como Joan, expressiva parte da população ainda está apontado suas críticas e ações na direção errada. Ora, numa sociedade pautada em outra lógica social e econômica, a utilização que faríamos das tecnologias poderia ser radicalmente diferente. Particularmente, não tenho dúvidas que todo esse avanço tecnológico registrado nos últimos tempos – fruto da potencialidade criativa dos homens e mulheres –, poderia nos servir na construir uma vida mais amena e plena de sentidos. E você, caro(a) leitor(a), o que pensa? 



*Hiago Trindade é doutor em Serviço Social pela UFRJ e professor do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande (Campus Sumé). Ainda pela UFCG, cursa o bacharelado em Arte e Mídia
     

Edição: Polyanna Gomes