Rio Grande do Sul

Coluna

Análise política das eleições gerais da Argentina 2023

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Primarias Abertas Simultâneas e Obrigatórias - Foto: Divulgação/PASO
Ao que tudo indica, as eleições serão decididas entre 'peronistas modernos' e 'coalizão da direita'

A República Argentina já entrou em um ciclo eleitoral, com eleições nas províncias e em várias municipalidades. A partir de agosto o país entra na agenda das primárias nacionais e vai culminar com a lista vitoriosa nas eleições para assumir dia 10 de dezembro. O calendário nacional é concomitante aos dois mais emblemáticos colégios eleitorais, o da Cidade Autônoma de Buenos Aires e da Província de Buenos Aires. Proporcionalmente, equivalem ao primeiro e quarto maior colégio eleitoral do país. O número e as proporções do eleitorado são:

Distrito                  Eleitorado    % do eleitorado nacional

Buenos Aires          12.704.518     37,00%

Córdoba                 2.984.631       8,69%

Santa Fe                 2.768.525      8,06%

Capital Federal        2.552.058      7,43%

Mendoza                1.439.463      4,19%

Tucumán                1.267.045      3,69%

Entre Ríos              1.112.939       3,24%

Salta                      1.051.142       3,06%

Chaco                    967.147         2,82%

Misiones                948.500         2,77%

Corrientes               894.376        2,61%

Santiago del Estero 778.455         2,27%

San Juan                579.913          1,69%

Jujuy                      573.326          1,67%

Río Negro               560.880         1,63%

Neuquén                526.441          1,53%

Formosa                468.299          1,36%

Chubut                  448.149           1,31%

San Luis                393.472           1,15%

Catamarca             327.478           0,95%

La Rioja                 294.509          0,86%

La Pampa              293.790          0,86%

Santa Cruz             256.388          0,75%

Tierra del Fuego     141.548           0,41%

Total                     34.332.992      100,00%

Regras eleitorais na Argentina

Em 1995, um ano após a reforma da lei maior, o segundo turno foi implementado na Argentina. Na Carta Magna, os artigos 97 e 98 indicam que um presidente toma posse quando sua fórmula alcança:

mais de 45% dos votos afirmativos;

pelo menos 40% dos votos e uma diferença percentual superior a 10 pontos em relação à fórmula a seguir.

Caso nenhuma dessas condições seja atendida, será realizado segundo turno, que deverá ser realizado nos 30 dias seguintes à última eleição, nos termos do artigo 96 da Constituição. Mas, quem participa do segundo turno?

As duas chapas mais votadas para presidente e vice-presidente participam da primeira instância, ou seja, das gerais. Para chegar nas eleições gerais, a Argentina tem o estatuto das primárias obrigatórias (PASO), que se realizam trinta dias antes do primeiro turno. Para chegar ao segundo turno, as duas candidaturas mais votadas vão decidir o pleito. Nesse caso, o candidato vencedor não precisa atingir uma determinada porcentagem, mas sim conquistar o maior número de votos.

Na Argentina, a data já está confirmada no calendário eleitoral, caso seja necessário: a votação será no domingo, 19 de novembro. Mas antes serão necessárias outras duas datas: a das primárias (em 13 de agosto de 2023, segundo domingo do mês) e o primeiro turno das eleições gerais (no quarto domingo deste mês, em 22 de outubro). Cada frente eleitroal realiza suas prévias (primárias, PASO) e a lista vencedora vai concorrer em outubro. Se os índices descritos acima não forem alcançados, as duas chapas mais votadas vão disputar o segundo turno em novembro.

As primárias da direita

A maior força política da direita argentina em 2023 conforma o frente eleitoral Juntos por el Cambio (JXC) que na prática congrega o histórico partido de centro-direita UCR (a União Cívica Radical) e o PRO (a legenda criada em torno do neoliberalismo portenho do século XXI

No momento em que escrevemos esse texto, o prefeito da capital federal é Horacio Rodríguez Larreta, graduado por Harvard e que atuou como secretário de governo do ex-presidente Mauricio Macri (um homem de negócios que se fez político após ser presidente do popular Clube Atlético Boca Juniors na década de 1995 a 2007) na prefeitura da cidade. Larreta concorre nas primárias contra Patrícia Bullrich, a ex-ministra do governo Fernando de La Rúa, que renunciou em dezembro de 2001 após decretar Estado de Sítio em função da política de ajustes impostas pelo FMI.

O candidato a vicepresidente na fórmula com Larreta é Gerardo Morales, atual governador da província de Jujuy (no extremo norte argentino, fronteira com a Bolívia). Morales promulgou uma reforma constitucional provincial às pressas, praticamente criminalizou o protesto social, os sindicatos e as comunidades indígenas e está assegurando a exploração de lítio (mineral estratégico) para empresas privadas, poucas famílias poderosas e companhias dos Estados Unidos. A meta é manter o lucro de apenas 4% na exploração do mineral do século XXI, fazendo diferente do Chile, que criou uma autoridade nacional para o minério. Mais distinto ainda é o caso boliviano, que com a criação da YLB (Yacimientos de Lítio Boliviano) está associada com capital chinês e procedendo com o ciclo industrial, chegando a produzir baterias e desenvolvendo um centro de medicina nuclear.

Já Patrícia Bullrich tem uma propaganda ainda mais agressiva, pregando ajuste, recorte de salários e diminuição de políticas públicas. O empréstimo assinado por seu governo (foi ministra de Segurança Interna de Macri – de dezembro de 2015 a dezembro de 2019 – e teve responsabilidade direta em dois desaparecimentos) implica na maior dificuldade para o Estado argentino funcionar e opera como uma permanente chantagem sobre a população. O seu candidato a vice é o deputado e advogado da província de Mendoza Luis Petri, que compartilha com Bullrich o discurso de rigidez no sistema carcerário, repressão pelo aparato policial e criminalização do protesto social.

As prévias do peronismo

A maior parte das listas vinculadas ao peronismo moderno, representando a continuidade do atual governo (Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner), está agrupada na frente politica União pela Pátria. Duas chapas vão concorrer nas prévias da centro-esquerda e do nacionalismo popular. Uma, a favorita absoluta e apoiada por Cristina agrupa o atual ministro da economia Sergio Massa (ex-prefeito do município de Tigre e com excelente trânsito tanto no empresariado como com autoridades dos Estados Unidos) e o chefe de gabinete do presidente atual, Agustín Rossi. É vista como dada a vitória de Massa e Rossi, indo ao confronto no primeiro turno contra a lista vencedora da direita.

A outra chapa concorrente dentro do peronismo, podendo se afirmar como uma exquerda peronista, é Juan Grabois e sua vice, Paula Abal Medina, filha do ex-assessor de Perón e laço de ligação com a Juventude Peronista, Juan Manuel Abal Medina. Podemos afirmar que Grabois e Paula vão marcar posição, indo à esquerda do kirchnerismo, o setor político representado pela herança política de Néstor e Cristina (que governaram a Argentina de maio de 2003 a dezembro de 2015).

O ultra neoliberalismo

O candidato da extrema direita mais midiática é o economista Javier Milei com sua candidata a vice, a advogada Victoria Villaruel. Em termos programáticos é a defesa da dolarização – a substituição do peso argentino pela moeda dos Estados Unidos – e também o fim da autoridade monetária pelo Banco Central. Na tradição política argentina, em geral em momentos de crise, a direita e o empresariado se dividem entre os que defendem a dolarização e quem se posiciona pela desvalorização do peso diante da moeda estadunidense. Milei não esta indo bem nas campanhas provinciais e sua candidatura sofre denúncias sérias de corrupção. Ao que tudo indica, as eleições gerais serão decididas entre “peronistas modernos” e a “coalizão da direita”.

Linhas conclusivas

A esquerda de envergadura eleitoral já forma a terceira força do país, embora o maior de seus espaços agregue a 50% das forças socialistas do país. Essa capacidadade pode ir para uma espécie de voto útil caso o país enfrente ao provável segundo turno para a Presidência. O mesmo se dá no setor que representa Grabois; provavelmente os destinos da Argentina vão se decidir – nas urnas ao menos – em uma contagem voto a voto. Para além da urna, é praticamente impossível governar de forma soberana diante das pressões do FMI após os absurdos empréstismos assinados por Mauricio Macri quando era presidente. Se vier uma inflexão por “mais ajuste” e diminuição do poder de compra dos salários vai implicar em repressão e criminalização do protesto social. Qualquer semelhança com dezembro de 2001 não será nenhuma coincidência.

* Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira