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'Tínhamos 5 prioridades no 1º semestre, e conseguimos ser vitoriosos nas 5', diz Padilha

Convidado do BdF entrevista, ministro das Relações Institucionais de Lula valoriza apoio de nomes do chamado 'centrão'

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"Estamos reabilitando essa relação institucional, tanto com o Congresso Nacional, com os governadores e prefeitos", diz Padilha - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Para nós, o centro é isolar o bolsonarismo radical, isolar aqueles que defenderam os atos golpistas

A participação cada vez maior de integrantes de partidos de direita e centro de direita no núcleo do governo federal é vista com naturalidade pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ao BdF Entrevista, ele destacou a importância da chamada "frente ampla" que começou a se formar ainda no período eleitoral.

Na conversa, Padilha disse que o governo conseguiu avançar em suas pautas prioritárias com apoio de integrantes do chamado "centrão" no Congresso Nacional, e disse que parlamentares e partidos que repudiaram o terrorismo de 8 de janeiro, independente da raiz ideológicas, são bem vindos.

"Essas bancadas, no primeiro semestre, estiveram alinhadas conosco naquilo que eram as prioridades estabelecidas pelo governo: a defesa da democracia; rechaçar o terrorismo dia 8 de janeiro; apurar e punir os responsáveis por aqueles atos terroristas; a defesa da recuperação econômica do país e da recriação dos programas sociais", resumiu.

Confira a íntegra da entrevista:

José Eduardo Bernardes: Obrigado, Ministro. Queria começar nossa conversa falando sobre a entrada do "centrão" no governo. Ao menos duas pastas, além de alguns postos-chave como a Caixa Econômica por exemplo, passaram para esses parlamentares.

Alexandre Padilha: Primeiro, é importante a gente lembrar que há alguns partidos do centro do espectro político que já entraram no governo, têm ministros, desde o começo. Alguns no segundo turno já se posicionaram favoravelmente ao presidente Lula para derrotar o Bolsonaro, construindo aquela frente ampla. E desde o dia 8 de janeiro, nós fomos ampliando essa frente o sentido de salvar a democracia.

Todos aqueles parlamentares que toparam isolar a extrema direita bolsonarista, os golpistas do dia 8 de janeiro, defender a democracia e entraram junto conosco nesse esforço de recriar os programas sociais... todos os programas sociais criados aprovados no Congresso no primeiro semestre, como Mais Médicos, como o Programa de Aquisição de Alimentos, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, e as mudanças importantes da economia, para a gente criar um ambiente positivo na economia, como reforma tributária e o marco fiscal, nós temos todo interesse de atrair, que esses parlamentares estejam no governo de alguma forma.

A gente nem gosta muito de falar esse termo "centrão", porque o "centrão" às vezes é uma uma união ocasional, momentânea, no Congresso. Estamos falando de partidos políticos, alguns de centro, de centro-direita, cujas bancas já mostraram estarem favoráveis a essa agenda, que combina três coisas: a defesa da democracia; a retomada do ambiente econômico para o crescimento e a recuperação dos programas sociais.

Alguns deles inclusive já participaram dos governos do PT, tanto do de Dilma como de outros de Lula. Mas alguns desses partidos que ingressaram logo ali na virada, quando o governo assume o mandato, em janeiro, como o União Brasil, por exemplo, não significaram votos consistentes na Câmara. Ainda falta um pouco disso? 

A gente precisa compreender a realidade de cada partido no Brasil. Eu eu me lembro, por exemplo, no primeiro e segundo governos do presidente Lula - inclusive no segundo governo, eu fui ministro da Coordenação Política - a gente tinha um partido muito importante, o MDB, que tinha a segunda maior bancada na Câmara e a maior bancada no Senado.

Você tinha o MDB no Senado fazendo parte do Governo, com ministros desde o primeiro governo Lula; e uma parte do MDB da Câmara fazia parte, outra parte apoiava o Aécio, apoiava o Serra, os opositores, estiveram nas campanhas dos opositores. Ou seja: a realidade não impediu que a gente pudesse conviver com aqueles que queriam estar no governo.

Então tem uma fragmentação dos partidos, tem a composição. Por exemplo, o União Brasil, a gente precisa compreender: o União Brasil é fruto de uma junção de dois partidos, então você tem comportamentos diferentes. Mas o que eu quero sempre destacar é que, por exemplo, quando nós precisamos do voto da bancada do União Brasil para aprovar a a PEC da Transição, no ano passado ainda, que garantiu recursos para recriar o Bolsa Família, para criar os programas sociais, para a gente fazer o PAC, estava lá: quase 60 votos. A reforma tributária, mais de 60 votos; a votação do marco fiscal... Teve algumas votações, inclusive, que a bancada do União Brasil foi a que deu o maior número de deputados em números absolutos depois do PT.

A gente precisa compreender a realidade desses partidos e continuar nesse esforço. Para nós, o centro é isolar o bolsonarismo radical, isolar aqueles que defenderam os atos golpistas do dia 8 de janeiro e abrir um diálogo com todos aqueles que rechaçaram os atos do dia 8 de janeiro. O Brasil tem um conjunto de prioridades, como eu disse, que é retomar o ambiente econômico para poder crescer, recriar os programas sociais e salvar a democracia. Aqueles que querem estar junto conosco nesse tripé, nós queremos que estejam dentro do governo.

A Câmara aprovou o arcabouço fiscal, com votação favorável à proposta de parte expressiva dos deputados da oposição. Já é um aceno de uma base ampliada na Câmara?

Com certeza, já é um aceno de que tem algumas agendas do governo que nós estamos conseguindo atrair parlamentares, inclusive de partidos de oposição. Nós tínhamos cinco prioridades no primeiro semestre, e nós conseguimos ser vitoriosos nas cinco. É um time: o governo, sociedade e Congresso, que está liderando esse campeonato de reconstrução no Brasil.

A gente tinha uma prioridade, que era aprovar temas, como eu falei, que recuperam o ambiente econômico do país. Então: o marco fiscal, a reforma tributária, o Carf, que combate a sonegação de impostos. Todos eles foram aprovados. Nós tínhamos a segunda prioridade, que era recriar os programas sociais. Então recriamos o Minha Casa, Minha Vida, o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos, o Mais Médicos, escola integral, igualidade salarial das mulheres... Era a segunda grande prioridade.

A terceira era mexer no orçamento que foi herdado do governo Bolsonaro para garantir já no primeiro semestre o pagamento do reajuste dos servidores federais, que estavam há seis anos sem reajustes; mais recursos para ciência e tecnologia; reajustar as bolsas da Capes e do CNPQ, que estavam há cinco anos sem reajustes. Tudo isso teve que remanejar o orçamento, votar e aprovar isso no Congresso Nacional. Conseguimos aprovar isso.

A quarta prioridade era exatamente a gente poder coordenar e controlar as comissões, de uma forma que não afetasse a governabilidade. Então, por exemplo, nós conduzimos a CPMI dos atos terroristas do dia 8 de janeiro, provando "por a + b" que aquela tese terraplanista de que os responsáveis pelo golpe tinham sido o governo, o Congresso Nacional, ia cair por terra, como caiu por terra.

Nós conseguimos evitar questões importantes que queriam fazer na CPI do MST, de forma absurda queriam fazer, foram evitadas e mudanças importantes foram feitas. Então era um conjunto de prioridades. E a quinta prioridade era reformular várias medidas provisórias do Bolsonaro. Bolsonaro deixou treze Medidas Provisórias, que ele emitiu em dezembro, de um jeito que elas não gerassem um impacto negativo. Reformamos todas elas.

Então a gente conseguiu alcançar essas cinco prioridades, contando sempre com votos de parlamentares de partidos se consideram de oposição, ou que não votaram no Presidente Lula no segundo turno, mas que compreenderam a importância dessa agenda de prioridades.

Sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira: a relação dele com o governo é de um eterno 'vai e volta'. Tem momentos de bonança, outros mais turbulentos. Em um desses últimos episódios, uma fala do ministro [da Fazenda] Fernando Haddad parece ter deixado o presidente da Câmara meio descontente, como é que é a relação com o Artur Lira? É possível se aproximar do partido dele, o PP?

O presidente Lula faz questão de tratar o presidente da Câmara e presidente do Senado como presidentes de um outro poder, respeitando institucionalmente. Aquela época que existia aqui dentro do Palácio do Planalto uma verdadeira máquina de produção de conflitos, feita aqui no terceiro andar, no gabinete do Presidente da República, nós superamos, acabamos, desligamos a máquina. Deixamos desativada, não funciona mais. Estabelecemos uma relação de respeito, de diálogo que às vezes tem interesses diferentes.

O presidente Lula sempre fala: é mais o Executivo que precisa do Congresso, do que o Congresso que precisa do Executivo. Qualquer tentativa de conflito do lado de lá vai receber do lado de cá, o tempo todo, respeito e diálogo. Não vamos entrar em qualquer conflito como fazia o ex-presidente [Jair Bolsonaro]. Acho que esse episódio da fala do ministro Fernando Haddad está superado, tanto que nós conseguimos votar uma coisa muito importante, liderada pelo ministro, que foi o debate do marco fiscal.

É uma regra para o país, garante uma regra clara ao longo dos próximos anos, pode atrair investimento para o país e sinaliza que o Brasil vai investir em saúde, habitação, educação, infraestrutura, ciência e tecnologia, mas mantendo responsabilidade fiscal garantindo recursos para as próximas das gerações.

Então eu acho que esse é um tema superado e eu estou acostumado. Eu fui ministro da Coordenação Política no segundo governo do presidente Lula, já estava na coordenação política no primeiro governo dele, não era ministro, mas estava aqui, cuidava dos governadores e prefeitos. Quando fui ministro da Saúde, tinha uma relação muito próxima do Congresso Nacional, para aprovar o Mais Médicos, aprovar investimentos no Farmácia Popular, aprovar várias ações da área da saúde. Eu sei que às vezes é uma relação muito debate, crítica, tensa, mas o fundamental é que a gente está conseguindo sair vitorioso naquelas que eram as prioridades nossas no primeiro semestre.

O senhor falou sobre um governo de frente ampla, e todos sabíamos disso mesmo antes da eleição em outubro: que seria um cenário muito complicado para manter "um governo do PT". Mas o senhor acha que há um risco de contaminação ideológica com a entrada desses partidos de centro e centro direita no governo? Há um risco de um governo progressista ter que regredir em outras frentes?

Eu diria que não, pelo seguinte: os parlamentares que estão entrando [no governo] e essas bancadas, no primeiro semestre, estiveram alinhadas conosco naquilo que eram as prioridades estabelecidas pelo governo: a defesa da democracia; rechaçar o terrorismo dia 8 de janeiro; apurar e punir os responsáveis por aqueles atos terroristas; a defesa da recuperação econômica do país e da recriação dos programas sociais. Tem uma agenda, eles entram com uma determinada agenda, que é uma agenda prioritária do conjunto do governo.

É lógico que a gente sabe que tem pautas que são pautas que dividem opiniões. Tem uma postura do Congresso Nacional, mesmo da sociedade, para aquilo que é centralidade do governo, que é reconstruir um projeto que salve a democracia e crie um ambiente de crescimento econômico, redução na taxa de juros, geração de renda no nosso país; recriação dos programas sociais, colocar o pobre no orçamento de novo, as pessoas que mais precisam, como diz o presidente Lula. Reposicionamento do Brasil no mundo. Essa nova postura do país, protagonista da agenda internacional, em composição geopolítica internacional, e o Brasil ser um protagonista quando nós estamos falando da transição ecológica. Essa centralidade do governo, eu acho que vamos ter essas bancadas favoráveis, porque elas têm sido favoráveis, tem participado de votações importantes para nós neste momento. 

O ex-presidente Bolsonaro foi intimado a depor no caso das joias, assim como primeira-dama, o então ajudante de ordens Mauro Cid e seu pai, além dos advogados de Bolsonaro. O senhor acredita que o cerco tem se fechado contra o ex-presidente?

A cada enxadada é uma minhoca nova nessa turma de saqueadores do patrimônio público. Para mim cada vez mais claro, evidente, que o governo Bolsonaro montou aqui na presidência da República uma verdadeira quadrilha de saqueadores do patrimônio público. Seja o saque de joias; saque de recursos; o saque de empresas públicas que o Brasil tinha; o saque que fizeram por exemplo nas refinarias da Petrobras, de vender o patrimônio público a preço de banana; destruição de políticas públicas que fizeram... Então para mim está cada vez mais nítido isso.

E não só eles mas todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram os atos terroristas do dia 8 de janeiro têm que ser investigados e devidamente punidos. Eu acho que isso vai acontecer no Brasil, porque a Polícia Federal voltou a funcionar de forma institucional e autônoma, e construímos ambiente no Congresso Nacional de apoio a essas investigações, às punições e à defesa da democracia.

Como uma eventual prisão do ex-presidente Bolsonaro pode reverberar no Congresso? Pode haver um arrefecimento, por exemplo, da pauta de extrema direita na Câmara e também no Senado?

Eu fui deputado de oposição nos quatro anos no governo Bolsonaro, então senti o qual era o clima naquele Congresso: o avanço da pauta de extrema direita, a postura de alguns temas. Sou deputado reeleito, estou licenciado, mas estou vivendo o dia a dia do Congresso por estar aqui na Coordenação Política. Eu não tenho dúvida nenhuma de que uma parte daqueles que apoiaram o Bolsonaro e a sua pauta de extrema direita já se arrependeram e se desgarraram dela. Isso a gente vê na sociedade, nas pesquisas de opinião, e a gente também vê no Congresso Nacional.

O conjunto de pautas que eram impulsionadas pelo Bolsonaro não progrediu neste primeiro semestre. Por exemplo, o debate do desarmamento. Nós fizemos o decreto, impusemos esse debate, sustentamos o decreto do presidente Lula, foi reformulado o decreto agora e aquela pauta que havia, de avanço da liberação de armas, mudanças de regras, impulsionada pelo governo Bolsonaro, parou de crescer no Congresso Nacional.

Lógico que tem defensores ainda, tem gente que se elege só com esse discurso, mas não conseguiram avançar mais nisso. Pelo contrário: o que avançou no primeiro semestre no Congresso Nacional, principalmente, foi a nossa agenda, que combina retomada do crescimento econômico, recriação dos programas sociais e a defesa da democracia.

Temos tudo para isolarmos cada vez mais essa extrema direita radical bolsonarista, e é muito importante fazer isso. A gente vê pelos exemplos internacionais, o que acontece na política dos Estados Unidos, o que está acontecendo na Argentina, o que aconteceu nas eleições espanholas. É muito importante construir uma frente política ampla que isole de vez a extrema direita, o bolsonarismo, os golpistas do dia 8 de janeiro, para a gente, a partir de um novo ambiente político, poder repercutir uma agenda desenvolvimento econômico-social sustentável no Brasil.

No centro desse arrefecimento da extrema direita está o Supremo Tribunal Federal, principalmente na figura do ministro Alexandre de Moraes. Que papel tem o ministro neste momento na República? O STF, inclusive, foi importante durante os últimos quatro anos para garantir que algumas coisas não saíssem tanto do prumo.

O STF, a Suprema Corte, foi decisiva no enfrentamento da pandemia, foi decisiva, como você falou, ao impedir o avanço de uma destruição institucional que era impulsionada por Bolsonaro e pelo bolsonarismo; e foi decisiva durante as eleições. A Justiça Eleitoral teve um peso marcante durante as eleições.

Cada vez mais, as apurações que são feitas, seja pela CPMI do golpe, seja pela Polícia Federal, pelo próprio judiciário, vão trazendo evidências de que tinha uma organização criminosa contra a democracia dentro do Palácio do Planalto, uma organização criminosa antidemocrática que o tempo todo tentou impedir as eleições, fraudar as eleições, não permitir que as pessoas chegassem nas eleições, impedir o transporte, e o TSE teve um papel muito decisivo nisso.

Eu acho que agora nós estamos reabilitando essa relação institucional, tanto com o Congresso Nacional, com os governadores e prefeitos, e com judiciário. Inclusive recentemente houve uma pesquisa, até melhorou a avaliação da população sobre o judiciário brasileiro. Eu acho que isso tem um ganho importante, e o judiciário está tendo papel muito importante também na apuração dos atos terroristas do dia 8 de janeiro. Estamos reabilitando as relações institucionais do país.

Eu falava que uma das nossas ações do novo Ministério das Relações Institucionais era fazer um verdadeiro programa de reabilitação institucional do país. Nós já estamos fazendo, pensando como construir um novo modelo. Não é simples. A gente não vai ter o mesmo modelo de governabilidade que tinha no primeiro e no segundo governo do presidente Lula, mas também não vai ser o mesmo que foi do governo Bolsonaro.

A gente tem que construir um outro modelo, tanto na relação com o Congresso Nacional, com o judiciário, com a imprensa, com os governadores e prefeitos e com a sociedade. Esse é o nosso exercício aqui o tempo todo no Ministério das Relações Institucionais, e por isso o presente recriou esse ministério, ele não existia no governo Bolsonaro. Recriou com esse tripé de relação: governadores e prefeitos, Congresso Nacional e a sociedade através do Conselhão.

Por outro lado há demasiado poder na mão do STF? Isso é perigoso de uma maneira institucional?

Eu não acho que tem demasiado poder. Tem o poder da Suprema Corte, que teve papel e protagonismo importante, decisivo durante as eleições, e decisivo ao impedir, apurar e punir aqueles tentaram usar atos golpistas.

À medida em que a gente vai reabilitando as relações institucionais do país, criando harmonia entre os poderes, esse protagonismo vai perdendo papel e espaço, se restringindo cada vez mais àquilo que cabe a uma Suprema Corte, seu papel constitucional, sem o protagonismo que existiu por conta da situação que estava no país, de total destruição das instituições: agressão permanente à imprensa, conflito permanente com governadores e prefeitos, cooptação do Congresso Nacional através da execução orçamentária... Você tinha uma realidade distorção institucional o tempo todo.

À medida que a gente vai reabilitando, vai sendo criada uma relação mais harmônica entre os poderes, Legislativo, Judiciário, Executivo, com a própria imprensa e a sociedade. E é um desafio grande, não é uma coisa que a gente vai fazer da noite para o dia. O Brasil tem uma democracia muito frágil, a gente tem mecanismos frágeis de participação popular ainda, a gente tem o poder econômico tendo um peso muito grande nas decisões do nosso país, é um país muito desigual. É um desafio que não pequeno, que não é da noite para o dia, mas quem tem que perseguir, fortalecer a democracia.

O senhor falou durante a conversa sobre as CPIs, tanto a do 8 de janeiro quanto a do MST. Queria entrar nesse tema agora com o senhor. A do MST, provavelmente, chega ao fim sem grandes efeitos após a acareação com o João Pedro Stedile. Já a do 8 de janeiro teve uma reviravolta muito grande, após depoimento do Walter Delgatti o hacker da 'Vaza Jato'. Como é que o senhor avalia essas CPIs?

A CPI do MST, desde o começo, eu achava que era uma CPI sem objeto muito claro, com objeto pouco definido, amplo demais. E de fato as tentativas todas, de tentar criminalizar o movimento, vão caindo por água abaixo. Eu acho que a participação do João Pedro Stedile foi muito esclarecedora, para vários parlamentares que estavam ali e para a própria própria sociedade.

A tentativa que existiu por parte de uma certa bancada de criar ali um grande constrangimento e criminalização de um movimento importante no nosso país, na luta pela reforma agrária, no debate da alimentação saudável e da agricultura familiar, eu acho que realmente ruiu por terra.

A CPMI dos atos terroristas, desde o começo eu dizia: seria a pá de cal naquela teoria terraplanista, ela traz evidências ainda maiores, foi muito forte o depoimento do chamado 'hacker', do Delgatti. Ele trouxe informações muito graves, de envolvimento direto do Bolsonaro, envolvimento de uma deputada financiando, contratando alguém pra fraudar as eleições. Isso é gravíssimo.

Uma deputada, seu chefe de gabinete, a estrutura do gabinete, contratando uma pessoa pra fraudar as eleições, tumultuar o processo eleitoral. Isso é gravíssimo. Além dos outros depoimentos que mais uma vez trazem à tona aqueles que planejaram e executaram o ataque terrorista que tentou inviabilizar a democracia no nosso país.

O senhor temeu, no 8 de janeiro, que aquele golpe fosse de fato consumado?

Eu estava aqui, na linha de frente, no gabinete do Ministério da Justiça, junto com o ministro Flávio Dino. A gente fez toda a operação, discutiu a intervenção do governo do DF aqui em Brasília. Eu estava muito confiante da experiência e da credibilidade internacional do presidente Lula, muito confiante mesmo. Segundo, quando a gente toma a decisão de fazer uma intervenção na segurança pública do DF e a gente começa a tomar o controle, recuperar o prédio do Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Judiciário, e prender aqueles que estavam praticando os atos terroristas, eu tive ainda mais confiança.

A minha grande preocupação era não ter nenhuma vítima fatal. Todo aquele exercício, tanto da desobstrução também do QG do Exército que foi ocupado, como a gente fazer essa desobstrução, prender os responsáveis de uma forma que não tivesse nenhuma vítima fatal, essa era a minha grande preocupação.

Acho que se tivesse alguma vítima fatal, além de ser muito grave para aquela pessoa, além de machucar alguém, afetar uma família, afetar pessoas, poderiam surgir aí verdadeiros mártires, o que poderia ter uma consequência diferente do dia 8 de janeiro. Nossa grande preocupação era essa: salvar a democracia, punir os responsáveis e fazer tudo isso sem vítimas fatais.

A invasão do Capitólio nos Estados Unidos, por exemplo, teve óbitos. Se tivesse acontecido isso no Brasil, o que poderia ter de discurso, de narrativa, além de ser muito grave para as famílias, que iriam perder um ente querido. Então a nossa grande preocupação era essa, mas eu era muito confiante na credibilidade internacional do presidente Lula, na experiência política dele e na nossa capacidade de articulação. Tanto que 24 horas depois desse ato terrorista, a gente estava com 27 governadores, de todos os partidos, as entidades dos municípios, o presidente da Câmara, do Senado, da Suprema Corte, aqui no Palácio do Planalto, fazendo um ato de defesa do Palácio do Planalto, depois todo mundo indo junto pro Judiciário. Então eu confiava muito na nossa capacidade de resposta política institucional àquele golpe.

O senhor falou sobre os militares, o pessoal que estava ali na frente do QG do Exército. A relação com os militares segue estremecida? A recente prisão da cúpula da PM do Distrito Federal por conta de omissões no 8 de janeiro, a prisão do Mauro Cid e outros envolvidos com a tentativa do golpe também colocaram as Forças na defensiva. Há espaço para diálogo ou é necessário apertar o cerco e retomar o controle civil sobre as forças?

Foi muito importante o posicionamento das Forças Armadas quando vieram as evidências de irregularidades, de crimes praticados pelo [Mauro] Cid, aquela coisa da vida das joias. Se posicionaram firmemente: "tem que punir qualquer responsável, não vamos compactuar com quem cometeu crimes". Isso foi um posicionamento importante, e acredito que é fundamental que continuem as apurações, essa postura tanto das Forças Armadas quanto da Polícia Federal, da Suprema Corte, do Judiciário.

Nós não vamos titubear em investigar, apurar e punir quem foram os responsáveis pelos golpes. Tem que ser pedagógico pro Brasil como um todo, para a sociedade, para as instituições envolvidas nisso, para a política. Nós não podemos titubear em fazer a investigação, apurar e punir quem tivermos provas de que participou do golpe do dia 8 de janeiro.

Você tem não só as Forças Armadas: o conjunto das instituições, a imprensa em geral, até na medicina, eu sou médico. As instituições da área médica, instituições do executivo, civis e militares, Congresso Nacional, judiciário: infelizmente todas as instituições no Brasil foram contaminadas pelos quatro anos de ódio semeado contra a democracia pelo governo anterior. Infelizmente você tem em todas as instituições, indivíduos, às vezes dirigentes, que foram contaminados por isso. Nós estamos fazendo esse processo de reabilitação.

É fundamental, nesse processo de reabilitação, primeiro: não generalizar a postura, mesmo de dirigentes, como se fosse uma coisa da instituição como um todo, e punir de forma veemente todos aqueles que comprovadamente tiverem participado, executado, planejado ou financiado os atos terroristas do dia 8 de janeiro. Acho que é a melhor coisa que vai acontecer para as Forças Armadas brasileiras é elas terem postura firme, de contribuir com apuração, com a investigação e com a punição daqueles militares, individualmente, que eventualmente participaram dos atos terroristas do dia 8 de janeiro.

Edição: Rodrigo Durão Coelho