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Milan Kundera e a teoria crítica

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"A prática do negacionismo se faz com mentiras, ameaças, calúnias, intolerância, agressões, assassinatos e tentativa de golpe contra a democracia. " - Foto: Fabio Rodrigues/ Agência Brasil
Ideologia de extrema direita promove falso patriotismo

A insustentável leveza do ser, romance de Milan Kundera, publicado em 1984, é baseado nas experiências de vida do autor. Ele percebe o quanto a vida humana é instável e frágil na existência.

No momento em que o autor fazia parte do Partido Comunista da Checoslováquia, sentia-se incomodado pelo excesso de disciplina da burocracia que espionava, censurava e punia quem criticasse os meios e modos de controle ideológico, que vigorou na URSS no governo de Stalin.

O personagem Tomaz era um médico filiado ao partido, mas revoltou-se com as mortes causadas pela repressão. E escreve um artigo dizendo que, na Grécia Antiga, Édipo, que fora criado longe do pai e da mãe, já adulto volta a Tebas e cumpre uma profecia que era matar o pai e desposar sua mãe. Em seguida descobre que Laio era seu pai e Jocasta  sua mãe, com a qual havia tido um filho. Apavorado com tal absurdo, Édipo arrancou seus próprios olhos para nunca mais ver coisa igual.

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Tomaz disse, em seu artigo, que os repressores que matavam manifestantes nas ruas de Praga, deveriam fazer o mesmo que Édipo Rei, arrancando os próprios olhos. Como não quis se retratar do que disse no artigo, foi demitido do hospital que trabalhava, passando a levar vida muito modesta.

Tomaz percebe que o stalinismo corria na contramão do pensamento de Marx para o qual a democracia, excetuando o modelo grego que admitia a escravidão, era um instrumento de transformação social; o progresso humano se faz com indivíduos livres e conscientes e não aprisionados por ideologias impostas pelos poderosos.

Fora da situação política, o personagem Tomaz se sente inseguro e insatisfeito nas relações amorosas e em tudo na vida. Para ele não há momento leve e suave que se sustente e que seja duradouro. Quem tem uma mentalidade crítica não se satisfaz com as promessas de felicidades da indústria cultural.

Neste ponto Kundera mostra que muitos momentos de leveza que sentimos, é porque somos manipulados pelos meios de comunicação da indústria cultural, que promete felicidade. A exemplo da arte e estilismo kitsch, caracterizado pelo exagero sentimentalista, focado sempre no que faz sucesso na mídia ou que é ou parece ser  luxuoso e rico.

O pensamento de Milan Kundera coincide com a teoria crítica da Escola de Frankfurt, denunciando a alienação provocada pela comunicação de massas, visando libertar os humanos das circunstâncias que os escravizam. O existencialismo de Sartre também aparece implícito no relacionamento afetivo dos personagens Tomaz e Tereza, que assemelha à prática de amor livre de Sartre e Simone Beauvoir.  

Com a desconstrução da URSS (1985), assistimos a hegemonia do neoliberalismo e da globalização. A teoria crítica compreende que as ideologias são os principais obstáculos à libertação humana. Para Marx, ideologia é uma falsa consciência da realidade, utilizada pela classe dominante para submeter os demais segmentos da sociedade.

Negacionismo

O que se desenvolveu no bolsonarismo, ideologia de extrema direita, foi um falso patriotismo; uma falsa concepção religiosa que incute nos fiéis, medo ou pavor ao progresso humano; que nega valores científicos; que acusa a modernidade de desvirtuar ensinamentos tradicionais.

A prática do negacionismo se faz com mentiras, ameaças, calúnias, intolerância, agressões, assassinatos e tentativa de golpe contra a democracia.

      

Antônio de Paiva Moura é autor do livro Médio Paraopeba e seu saber viver, professor de História, aposentado da UEMG e UNI-BH. Mestre em História pela PUC-RS

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Leia outros artigos de Antônio de Paiva Moura em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida