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Liberalismo e mal-estar na civilização

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Imagem ilustrativa - Foto: Freepik
Para Freud, o mundo é cheio de ameaças à busca pela satisfação e felicidade

Quando Freud escreveu sobre o mal-estar na civilização (1930), ele disse nunca ter existido uma sociedade que tenha vivido pacificamente.  Os desejos de gozo e de felicidade, desde os primórdios, são reprimidos por tabus, preceitos morais e mandamentos religiosos. Para ele, o mundo é cheio de ameaças à busca pela satisfação e felicidade. Sendo assim, os indivíduos buscam tais sentimentos em outros meios, como  drogas, religião, artes e ciência.

Nada é mais prazeroso que a vida em grupo, como família, trabalho e vizinhos.Por outro lado, a relação com outros indivíduos pode trazer conflitos de interesses, sendo uma fonte de mal-estar. O indivíduo não pode fazer tudo o que quer e daí existe a luta entre pulsões e cultura.

O liberalismo econômico, desde os primeiros teóricos, como Adam Smith (1723-1779), é centro dessa contradição. O sistema reivindica para os produtores o direito de atuarem sem interferência do governo, obedecendo à lei natural do mercado. O consumo de bens produzidos é o que proporciona a circulação das riquezas.

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Conseguindo esse intento, os empresários passaram a escravizar outros povos, como africanos e ameríndios, além de explorar, ao máximo, trabalhadores patrícios europeus. Os Estados e seus poderes constituídos passaram a proteger os proprietários dos meios de produção, deixando o restante da população sem meios de reação.

O resultado foi o empobrecimento de grande parte da população mundial e o enriquecimento sem limites de poucos capitalistas. Massas humanas habitando áreas insalubres; perambulando e morrendo de fome pelos caminhos; vulneráveis a pestes e pandemias; vítimas fatais de guerras.

Guerras e literatura

Para tirar a culpa do sistema econômico por tais situações, o economista liberal inglês Thomas Malthus (1766-1824) afirmava que a população mundial crescia mais que a produção de alimentos e que, por isso, era natural que a maioria morresse de fome.

Para que a população não aumentasse tanto, as guerras deveriam funcionar como descargas demográficas, eliminando vidas humanas. Para ele, as epidemias eram providência da natureza para evitar o excesso de população. Além disso, os Estados não deviam investir em saúde pública e deixar pobres e velhos morrerem.

Muitas obras literárias contribuíram para o esclarecimento de como no interior de classes e grupos humanos travavam-se lutas e discórdias, sintomas do mal-estar reinante. Os motivos eram sempre a busca pela sobrevivência, ambição de poder e riqueza.

Na classe alta, referência para “Hamlet”, de Shakespeare (1601), uma tragédia na família real da Dinamarca que culmina com todos mortos e a frase final é: “só resta o silêncio”.

Na classe média, o livro “Irmãos Caramazov”, de Dostoievski (1880), conta a história da família de Fiodor Karamazov, um nouveau riche, que teve três filhos cada um com uma mulher. O primeiro filho Dimitri vivia em guerra com o pai porque queria apossar-se de seus bens e de uma de suas mulheres.

Na classe baixa, o livro de Vitor Hugo, intitulado “Os Miseráveis”, editado em 1862. Os personagens são proletários, que no ambiente de trabalho vivem mal-humorados, em desavenças uns com os outros. Um operário furta um pão para comer e teve que cumprir pena de vinte anos de trabalho forçado. Uma mulher que era mãe solteira foi expulsa da fábrica pelas próprias colegas e teve que se prostituir para sobreviver.

Neoliberalismo

No século XX, com o modernismo, concepções humanistas e democráticas, houve uma forte reação à teoria e à prática do liberalismo, prevalecendo o ideal de social-democracia. Mas, no final do mesmo século, o neoliberalismo restaurou o ideal teórico do velho liberalismo, inclusive, a detestável teoria de Malthus.

O Estado passa a existir somente para garantir as fortunas e a máxima lucratividade. Resultado: aumento da pobreza no mundo inteiro; concentração de riqueza; crise climática e aumento da competitividade entre indivíduos. Nunca houve no mundo tanto confronto entre indivíduos, crime organizado e guerras.


Antônio de Paiva Moura é autor do livro Médio Paraopeba e seu saber viver, professor de História, aposentado da UEMG e do UniBH. Mestre em História pela PUC-RS.

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Lucas Wilker