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Do café entre Lula e Lira, aos 10 anos da campanha da Constituinte. Um sistema político agonizante

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Se levamos em conta que o sistema político, no Brasil e na América Latina, está aprisionado ao modelo neoliberal, avesso às necessidades populares - Pedro Carrano
A Constituinte do sistema político é uma bandeira que segue latente na realidade brasileira e latina

Já no início de 2024, um dos principais temas da luta política é o tensionamento do presidente da Câmara Federal, Artur Lira, na sua relação com o governo Lula. O que na manhã de hoje (9) culminou em café da manhã entre o presidente do país e o presidente da Câmara Federal.

A percepção, desde 2023, é de que o neofascismo foi derrotado nas urnas e algumas de suas principais figuras articuladoras passam por necessária criminalização. Embora o neofascismo siga vivo na sociedade brasileira. Hoje, o governo Lula ensaia medidas limitadas para indústria e na retomada do PAC, além de retomar política progressista externa e para o meio ambiente – o que, sem dúvida, oxigena o ambiente político no Brasil e favorece as condições de vida das massas populares. Para este ano, no entanto, a vigência da nova regra fiscal e a política de déficit zero, limitando os investimentos públicos, cobrará seu preço, em comparação com o momento favorável de 2023.

Porém, acrescenta-se o problema dos limites do sistema político, as amarras do Congresso fisiológico, que manteve uma relação de verdadeira compra e venda com o governo Bolsonaro, fortalecendo a figura de Lira, o que neste momento se revela uma fratura exposta, um limite para as políticas do governo Lula, a partir de um Congresso que, na verdade, busca submetê-lo. “Errará, grosseiramente, qualquer um que aposte em uma suposta inércia desta Câmara dos Deputados neste ano de 2024”, declarou Lira, logo na reabertura dos trabalhos legislativos na casa, em 2024, em recado direto ao executivo.

O veto de Lula às emendas parlamentares dentro do Orçamento teria irritado a base de Lira. Que tem declarado que o “Orçamento é de todos e não só do Executivo”. Como recorda o analista Jeferson Miola, “Os parlamentares aprovaram R$ 53 bilhões para manejarem através de emendas orçamentárias em 2024. “É um ultraje, é quase o total que o governo terá para investimento”, denunciara a presidenta do PT, Gleisi Hoffman.

Constituinte quando?

Não custa recordar agora que há dez anos, em 2014, partidos políticos, movimentos populares, sindicatos, organizações como a Consulta Popular, a CUT nacional, o MST, MAB, entre outros, conduziram um plebiscito popular por uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político, que aglutinou 8 milhões de votos populares, em campanha militante, e chegou à síntese de que seria necessário um Congresso – Câmara e Senado -, que não fossem reféns da grana, mas onde os trabalhadores em sua diversidade tivessem voz.

A campanha deu vez a grande material teórico, produzido pela militância, teóricos e juristas populares, sobre os limites do sistema político nacional e os limites que o ciclo que resultou na Constituição social de 1988 e já dava mostras de esgotamento, sobretudo após a retirada de direitos de Temer. Juristas populares apontavam necessidades que uma nova constituinte precisava apontar:

- Alteração em um sistema político refém do poder econômico (à época, um "pacote" de candidaturas a deputado estadual, governador, deputado federal era “orçada” em 4 milhões);

- Eliminar os legados da Ditadura Militar presentes na sociedade, como é o caso Polícia Militar;

- Necessidade de uma nova representatividade em que congressos estaduais e nacional estão blindados à presença de representantes de trabalhadores, mulheres, negros e negras, indígenas, LGBTs, entre outros.

Perspectivas

Obviamente, até meados de 2017 a campanha entrou na geladeira. Diante de uma correlação de forças desfavorável, após o golpe de Temer, uma Constituinte tenderia a ter resultado desfavorável às forças populares, sob risco de redução de um patamar de direitos. O que, mesmo assim, na prática aconteceu de qualquer maneira.

De certa forma, a sua bandeira como saída para as forças populares mobilizadas ocorreu após o junho de 2013, quando à época a presidenta Dilma, em meio à mobilização da juventude e crise das instituições e governos, apontou a necessidade de uma Constituinte, dando às forças populares uma bandeira para a mobilização.

Fica nítido, então, a relação entre levante de massas e a bandeira política que aponta o tema da política, do poder, da confrontação com os atuais grupos no poder do Estado.

Por ora, segue como um debate necessário na propaganda, no interior da vanguarda, puxado principalmente por figuras como José Genoíno, no Brasil.

As mobilizações populares e massivas recentes na América Latina, desde a pandemia, como na Guatemala, Peru, e Chile, não excluem a possibilidade de que nova movimentação popular coloque esta bandeira como o tema do dia.

Com o ascenso do neofascismo, porém, o exemplo recente no Chile torna o problema mais complexo, na medida que, no contexto de um governo de medidas fracas como Boric, a Constituinte voltou-se contra as forças populares, que, em 2019, fizeram uma rebelião nas ruas chilenas. Ou uma constituinte realmente está disposta a mudanças estruturais, ou se voltará contra as próprias forças de esquerda, perde seu potencial de mudanças e rebeldia.

Se levamos em conta que o sistema político, no Brasil e na América Latina, está aprisionado ao modelo neoliberal, avesso às necessidades populares, podemos esperar mais cenas desse próximo capítulo. A bandeira segue latente.

REFERÊNCIAS:

https://jacobin.com.br/2024/02/arthur-lira-e-mais-uma-heranca-maldita-do-governo-bolsonaro/

CARTILHA “Plebiscito Constituinte – 2ª edição, fevereiro de 2014, 50 mil exemplares.

Edição: Lia Bianchini