Rio Grande do Sul

Coluna

Por que precisamos de um planejamento metropolitano?

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"Cada município está interessado em resolver 'seus problemas', o que é legítimo, mas não pondera a necessidade de soluções integradas no território metropolitano" - Foto: Imobiliária Foxter
O planejamento integrado da Região Metropolitana deve levar em consideração os eventos climáticos

A Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) concentra 37% dos habitantes e 36,5% do PIB do RS, contando (além da Capital) com municípios de grande relevância demográfica e econômica. Trata-se de um espaço particular que concentra serviços, infraestruturas (especialmente rodoviária), apresentando grande mobilidade interna e diferentes centralidades. Também há na RMPA a concentração de graves problemas, como o habitacional, da mobilidade e atualmente, a não menos importante, questão ambiental urbana.

A economia metropolitana, como já abordada no artigo sobre o mercado de trabalho, está em transformação. Grande parte da geração de empregos não se dá mais pela indústria, e sim pelo setor de serviços. Os grandes investimentos metropolitanos ocorrem pelas atividades terciárias, no setor de logística e de distribuição (atacarejos), o que demonstra que, atualmente, somos menos um espaço de produção e mais um espaço de consumo.

Todos estes problemas e outros que poderiam ser listados fazem jus a uma discussão de soluções integradas, concertadas entre os diferentes municípios e a sociedade organizada neles localizada. Porém o planejamento integrado da RMPA, a qual já foi exemplo de planificação, apresenta diversos entraves, dos quais listamos alguns.

Ainda predomina na gestão dos municípios metropolitanos uma visão localista, que é própria da política municipal, e que se potencializou desde os processos de descentralização administrativa, promovido pela Constituição de 1988, ademais, de lá pra cá, pouco se desenvolveram estratégias de planejamento regional ou metropolitano. Cada município está interessado em resolver 'seus problemas', o que é legítimo, mas não pondera a necessidade de soluções integradas no território metropolitano.

Cabe ressaltar que as regiões permitem o planejamento e ações a partir das funções públicas de interesse comum (FPICs), tais como: abastecimento de água, efluentes, destino e tratamento de resíduos sólidos. Em tempos de emergência climática, as FPICs passam a ser tema de alta relevância para pensar as cidades como conjunto em seu contexto regional, enquanto rede urbana, com suas potencialidades e seus limites.

Em anos de eleições municipais, como o é o caso de 2024, muitas gestões locais querem apresentar seus “trunfos” aos eleitores/as, reforçando uma visão paroquial. Contudo, muitas vezes os problemas que se manifestam em um dado município não dependem apenas de sua decisão política, mas de ações partilhadas, a partir de informações que deveriam ser providas pelos municípios e pelo estado. 

O neoliberalismo que domina muitas administrações municipais, no qual a concorrência vale mais que a cooperação, é um dos fatores que dificultam esta consideração. Em um contexto de crise, há uma tendência das administrações competirem entre si para atrair investimentos. Como resultado, governos municipais se esforçam em oferecer vantagens que, não raro, se traduzem em renúncia fiscal via isenção de impostos. Entretanto, tais iniciativas necessitam de mediação, considerando o bem do estado como um todo.

Tendo em vista especialmente as últimas gestões do governo estadual no RS - que privilegia parcerias público-privadas, pelas concessões e privatizações - as estruturas estatais estão debilitadas. Em artigo publicado em 2022 sobre o fim da METROPLAN, lembramos da extinção de diversas fundações e serviços públicos no período da gestão Sartori (MDB, 2015-2018), sem que houvesse uma alternativa capaz de orientar as demandas regionais do Estado. De lá pra cá, o poder público não tem demonstrado a devida atenção à estrutura de planejamento e gestão metropolitanos, parecendo desconsiderar o planejamento como importante para o desenvolvimento do estado. Soma-se o próprio processo de “reprimarização” da economia gaúcha, cada vez menos industrial e mais agroexportadora. Mesmo as indústrias “de ponta” do estado localizadas no interior, fora da região metropolitana e em regiões hegemonizadas pelo agronegócio na economia e na política, padecem com a ausência de uma política de estímulo ao seu desenvolvimento.

Assim, o que observamos é a não utilização dos instrumentos que o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015) propõe para a “gestão plena” metropolitana. Ainda não temos o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado - PDUI (que será tema de próximos artigos), e o “Conselho Metropolitano” é pouco ou quase nada atuante. Tardiamente em relação a outros estados brasileiros, o PDUI está em fase inicial de discussão dos seus parâmetros e tardará a sua conclusão. Esperamos também que o processo seja o mais participativo possível, contemplando os diferentes setores sociais dos municípios, contando com a participação das Universidades, as quais conhecem a realidade da região.

O planejamento integrado da região metropolitana deve considerar as tendências atuais do desenvolvimento metropolitano, inclusive as detectadas pelo Censo de 2022: o novo comportamento demográfico e os novos vetores do crescimento populacional, as mudanças na economia metropolitana, no mercado de trabalho, as mudanças sociais e culturais provocadas pela pandemia e o contexto de incertezas provocado pelas mudanças climáticas. Deve-se levar em consideração a diversidade da RMPA em suas diferentes “regiões”, que requerem um olhar especial e um planejamento próprio. Os espaços rurais, onde se destaca a produção orgânica e familiar de alimentos, também devem ser contemplados, visando sua defesa e manutenção.

Apesar da conjuntura local e estadual, em nível nacional estamos em um período de discussões de mudanças na matriz econômica e de novos incentivos para a industrialização. Paralelamente discute-se a expansão de infraestruturas metropolitanas, alarmando a possibilidade de que estes novos investimentos venham a se realizar sem a presença de um plano de desenvolvimento metropolitano que lhes dê diretrizes em termos de localização e impactos de sua implantação.

Por fim, destacamos a necessidade de pensar a questão ambiental, o enfrentamento das consequências dos eventos climáticos e meteorológicos extremos, que impactam os mais pobres e vulneráveis de forma severa. O planejamento integrado da Região Metropolitana deve levar em consideração esses eventos e realizar democraticamente esta discussão com todos os setores sociais da RMPA, promovendo o desenvolvimento urbano metropolitano de forma integrada, sustentável e viabilizando a justiça socioespacial e ambiental.

* Paulo Roberto Rodrigues Soares. Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia (POSGEA) da Ufrgs e pesquisador do Observatório das Metrópoles. Heleniza Ávila Campos. Professora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles. Nicole Leal Almeida. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor e das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko