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Dica de Leitura. “Forte como a morte”, terceiro romance de Otto Leopoldo Winck, amplia sínteses e diálogos

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Terceiro romance de Winck se debruça sobre teologia, teologia da libertação e sobre a formação de um Sul do Brasil de lutas pelas terra - Pedro Carrano
Winck resgata a formação social e de lutas que marcaram a demanda por terra no Sul do país

O novo romance de Otto Leopoldo Winck é um poliedro que revela várias coisas. Da consolidação do romancista, em sua terceira obra, produzindo um novo trabalho de peso.

Consolida também a capacidade de Winck, professor universitário e oficineiro de criação literária, em produzir uma obra politizada, aberta, em amplo diálogo, sínteses, apontamentos e possibilidades a partir do enredo proposto.

Em seu primeiro trabalho, Jaboc (2006, Garamond), o diálogo era com o próprio fazer literário e com a historicidade do romance. Em Que Fim Levaram Todas as Flores (2019, Kotter) o autor destrinchou os discursos e narrativas da luta política, a resistência contra a ditadura, a atmosfera e os debates teóricos dos anos 60 na construção de uma geração.

Agora, Forte como a Morte (2023, Aboio, com acabamento editorial impecável) traz o resgate da formação social e de lutas que marcaram a demanda por terra no Sul do país, incentivadas pela ação da Teologia da Libertação contribuindo com as lutas populares da América Latina desde os anos 70 – protagonizadas pelo peruano Gustavo Gutiérrez, colombiano Camilo Torres, nicaraguense Ernesto Cardenal, o brasileiro Leonardo Boff, entre tantos outros.

É preciso notar ainda algo comum nos livros de poemas de Winck: a capacidade de reunir a fala prosaica, como se num papo de bar, com frases bens construídas, palavras e carpintaria textual. Funde na sua obra a sabedoria do povo com a valorização de cada palavra. “antevia que ele e sua família seriam recebidos com ressaibo por boa parte das lideranças da paróquia. Espinhos toda rosa tem, toda rosa tinha, ele sabia”, página 129.

Em um diálogo com Kafka, já apresenta de início o centro do conflito que conduz o livro. “Quando certa manhã Rosália Klossosky se levantou, depois de sonhos inquietos – e que sonhos, meu Deus! -, percebeu que havia uma mancha levemente rosada na palma de cada mão”, o mistério da mancha e o estigma marca a trajetória da personagem.


Carioca radicado em Curitiba, Otto Leopoldo Winck é doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) / João Debs

Winck, um experimentador da técnica literária (revelou certa vez num curso que pensa o enredo com a pergunta sobre qual é a moldura desta “tela” por onde correm as narrativas), entrecruza três fios que impulsionam o enredo, recurso usado também por romancistas como Michel Laub, Bernardo Carvalho, entre outros autores contemporâneos. Maria Valeria Rezende, na apresentação do texto, compara os fios de histórias com três mechas de uma trança.

Um dos fios é o do narrador que conta a história de Rosalia Klossosky e do percurso de sua família polonesa, de Boleslau, Florentina, até o ingresso na dinâmica de um movimento social de luta pela terra. É um narrador machadiano, na medida em que quebra o fluxo da narrativa para fazer observações sobre os próprios personagens, entre parênteses.

O outro fio narrativo, em primeira pessoa, é a voz do padre Hugo Gluchowski, da paróquia de Montes Claros, na cidade de Imbiruçu, que acompanha, como sempre é necessário e comum, o acampamento de Nova Canaã.

E um terceiro fio, que mais tarde descobre-se a origem, são trechos de reflexões e diálogo com autores e questões centrais da teologia e do problema da Kénosis.

Recomendado expressamente a quem está em busca da ampla experiência estética, política e humana. “De que adiantava absolver os pecados (geralmente pecadilhos: padre, eu desejei a mulher do próximo; padre, eu menti; padre, eu colei na prova), se os maiores pecadores – os fazendeiros, os empresários, os militares – não se arrependiam?”, página 76.

Não se trata de classificá-lo simplesmente como regionalismo, ou novo regionalismo, embora a geografia humana, social e a luta de classes esteja presente na obra. No entanto, a obra de Winck é na verdade um manual de dialogismo com as questões centrais do nosso tempo.


Com três romances e mais publicações de poesia, Winck se afirma como autor barroco e popular, complexo e aberto às lutas das classes populares / Pedro Carrano

 

 

 


 


 

Edição: Lia Bianchini