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CRÔNICA | O pai dela riu de mim porque meu carro era um Ford Ka!

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Imagem ilustrativa - Foto: Pixabay
A furreca aí é sua, meu filho?

Eu era o cara mais popular da universidade, e ela era a garota mais bonita, inteligente e super gente boa.

O destino nos uniu por uma obra do acaso. Ela chegou atrasada num colóquio de psicanálise sobre Lacan e sentou-se ao meu lado.

Eu não estava entendendo quase nada. Meio sem graça, olhei de rabo de olho e senti que ela estava entendendo tudo.

Naquele dia, todas as turmas de psicologia estavam no auditório. Eu sabia que ela era de um período mais avançado. Tinha fama de uma excelente estudante, daquelas que se sentam nas cadeiras da frente.

O palestrante começou a falar sobre afeto e coisa e tal. Pediu para pegar na mão da pessoa ao lado, dizendo que o toque era importante e que as pessoas pouco se tocavam uns aos outros. Eu, muito sem graça e com um olhar de cachorro sem dono, fiquei inerte.

Ela, toda extrovertida, me olhou e disse: dá sua mão aí, rapaz! Foi quase um século para minha mão encostar na mão dela. Nem sabia que ela sabia meu nome. Fiquei atônito!

Tempos depois, fui encontrá-la numa calourada de psicologia. Nesse dia, a levei embora e começamos um romance desses do século XXI. Passei a buscá-la em casa para irmos juntos a shows, boteco, teatro, cursos... O pai dela nunca me convidou para entrar e, do muro, nem me cumprimentava.

Um dia, o pneu do meu carro furou na frente da casa dela, e o pai veio me ajudar com uma cara brava e de deboche. Ele já chegou rindo de mim e da situação. Fez questão de não me cumprimentar. Reparei que ele tinha uma mania de palitar os dentes, e, no canto da boca, sempre havia um palito. A barriga também era preponderante. Na janela do quarto, dava pra ver uma bandeira do Brasil pendurada. Desconfio que essa bandeira já estava até com vergonha.

_ A furreca aí é sua, meu filho?

_ Sim.

_ Minha filha anda nisso aí? Não criei minha filha para andar nessa coisa. Essa juventude ainda quer mudar o mundo. Vocês não valorizam a família e a pátria. Nesse momento, ele coçou as nádegas e levou a mão na boca para cheirá-la. O palito caiu da boca.  

Eu, muito sem graça, queria acabar logo com aquilo. Nem respondi. Acelerei o carro e me mandei.

O tempo passou. Lembrei-me dessa história porque, mais uma vez, pela obra do acaso, nos encontramos no Mercado Novo. Ela continua muito gente boa e bela! Já o pai.....


Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do Coletivo Solidariedade Cidadã

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Leia outras crônicas de Rubinho Giaquinto em sua coluna no Brasil de Fato MG

 

Edição: Elis Almeida