Rio Grande do Sul

Coluna

Escutar a Mãe Terra e construir a Reforma Agrária Popular

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Os 40 anos do MST foram celebrados de 6 a 8 de fevereiro na Fazenda Annoni, em Pontão, com muita mística, com debates, história e reflexões sobre o futuro - Foto: Letícia Stasiak
Lutar, construir Reforma Agrária Popular é o chamado-convocação Rumo ao 7º Congresso Nacional do MST

Ao bispo emérito de Vacaria e sempre pastor e profeta, Dom Orlando Dotti, e a Enio e Rosilene Borges e família, que me acolheram em sua casa na Fazenda Annoni nos Atos dos 40 anos do MST

“Faze-nos defensores da mãe e irmã terra para que todos os seus filhos tenham TERRA, TRABALHO E PÃO”, diz a oração da 46ª Romaria da Terra, acontecida na terça de Carnaval, 13.02.2024, em Ipê, Rio Grande do Sul, capital nacional da Agroecologia. Seu tema: “ESCUTAR A MÃE TERRA E COM MARIA CUIDAR DA VIDA”. O lema: “Escolha, pois a vida, para que você e seus descendentes possam viver” (Dt, 30,19).

Nas palavras do bispo da Diocese de Vacaria, Dom Sílvio Guterres Dutra, “esta Romaria dá-se num momento importante da vida da igreja, sob o pontificado do Papa Francisco, nas suas proféticas exortações, propondo ao mundo o conceito de Ecologia Integral, a necessidade de um decidido cuidado com a Casa Comum e a urgência de se reagir diante da mais grave crise climática do nosso tempo. O perigo do domínio do chamado paradigma tecnocrático, como alerta o Papa Francisco, com seu consequente incentivo ao espírito individualista na sociedade, tem gerado o conflito do ser humano com toda a natureza. A 46ª Romaria da Terra quer anunciar caminhos alternativos e geradores de vida”.


"A 46ª Romaria da Terra quer anunciar caminhos alternativos e geradores de vida", anunciou Dom Sílvio Guterres Dutra / Foto: Katia Marko

Milhares de romeiras-os encontraram-se em caminhada debaixo de abençoada chuva, depois de infernal calor nos dias anteriores. Cantaram, rezaram, deram-se as mãos e se abraçaram. Falaram na transformação dos sistemas alimentares com uma aliança ecológica integral, dizendo que praticar a agroecologia e as Sementes Crioulas é escutar e cuidar da Mãe Terra, e esperando que a agricultura ecológica de Ipê seja esperança de um futuro melhor.


Milhares de romeiras-os encontraram-se em caminhada debaixo de abençoada chuva / Foto: Victor Frainer

Sempre junto com Dom Orlando Dotti, cuja história de 93 anos está “marcada pela vocação dedicada à defesa dos direitos dos mais pobres e humildes”. Anunciou Dom Sílvio: “Um ano atrás nós tínhamos ainda muito o impacto dos 3 anos de estiagem longa. O escutar a terra vem um pouco disso. A terra está tentando dizer alguma coisa para nós. Precisamos abrir os olhos, a mente e o coração para escutar. Juntamos aqui com a agroecologia e principalmente com a figura feminina. A mulher aqui, Ipê tem um movimento de mulheres muito bem organizadas. Nossa Senhora aqui na Diocese, Nossa Senhora de Oliveira, ela é sobrevivente de uma queimada de campo. Somamos a experiência das mulheres organizadas aqui e também a nossa relação com a mãe terra no cartaz do evento.”


A satisfação do encontro de amigos de longa data na Romaria da Terra / Foto: Katia Marko

O hino da 46ª Romaria da Terra, na voz da conterrânea da Linha Andréas, Venâncio Aires, Bruna Ave Cantadeira, diz: “Cuidar da terra/ é a nossa garantia/ de que nossos filhos/ vivam com soberania.” Diz a letra de ´Romaria da Terra`, na voz do seu autor Antônio Gringo : “Vêm, caminheiros,/ pra fraternidade dessa Romaria./ Vêm, peregrinos da paz,/ da esperança da nossa utopia.” A canção ´É preciso cuidar da vida´ profetiza: “Que saibamos cuidar da vida/ que há dentro da gente e em todo lugar./ Que saibamos cuidar da vida/ que há na terra e no mar.” O poema ´Dos justos será a terra`, do teólogo luterano Roberto Zwetsch, poetisa: “Por isso, Senhor,/ reúne este povo disperso/ pelas beiras das estradas,/ pelos cantos de mato/ e infunde-lhe ânimo e muita fé./ Ajuda-nos a manter a vigília!/ Contra o medo, nós te pedimos:/ aumenta nossa fé!/ Não nos deixes vacilar” (Roberto Zwetsch, Flor de Maio, Nhanduti Editora, 2014, p. 191).

“Lutar, construir Reforma Agrária Popular” é o chamado-convocação Rumo ao 7º Congresso Nacional do MST, de 15 a 19 de julho de 2024, em Brasília. Os 40 anos do MST foram celebrados de 6 a 8 de fevereiro na Fazenda Annoni, em Pontão, com muita mística, com debates, história e reflexões sobre o futuro. João Pedro Stédile, com a palavra-síntese ´sempre servir ao povo´, lembrando Mao Tse-Tung e a Teologia da Libertação, falou sobre os DESAFIOS DO MST PARA A REFORMA AGRÁRIA POPULAR para os próximos 10-20 anos.


"O MST deve ser zelador da natureza, cuidando da biodiversidade, das plantas, da água, das florestas", afirmou João Pedro Stédile / Foto: Letícia Stasiak

Falou João Pedro: “No início, a frase chave era: terra para quem nela trabalha. Hoje, 2024 e próximos anos, novos pilares e paradigmas vão sustentar a nossa causa. 1. A terra não é apenas lugar para trabalhar, mas território para viver, sem exploração de outras pessoas. 2. A defesa da natureza é fundamental. O planeta corre risco de perder os seres humanos. O MST deve ser zelador da natureza, cuidando da biodiversidade, das plantas, da água, das florestas. É preciso plantar árvores para recompor a água e equilibrar a natureza. 3. Produzir alimentos saudáveis de todos os tipos. 4. Os Assentamentos devem ser um bom lugar para viver, com novas relações humanas, com emancipação humana: irmãs, irmãos, amigas, amigos, companheiras, companheiros, camaradas. A solidariedade é um bem fundamental, a vida em solidariedade.

Ainda falou João Pedro, para os próximos, Stédile para os adversários, segundo ele próprio: “É preciso uma concepção de uma Reforma Agrária mais ampla, revolucionária. A revolução é mudar as relações sociais e de produção, construindo os pilares da nova casa. Para isso, é preciso retomar a luta de massas para conquistar a terra. Não se deve desapropriar terras no final do mundo, mas perto das grandes cidades, com produção mais perto dos mercados. E implementar um novo modelo de agricultura, com produção agroecológica em todos os Assentamentos. Para isso, entre outras coisas, é preciso recompor os coletivos, com organização de Comissões e Núcleos, com permanente formação política para ajudar a mudar o mundo, retomando a cooperação e a comercialização, com organização de Cooperativas.”


Recordando a história do Camp com os companheiros Olívio Dutra e Álvaro Delatorre / Foto: Leonardo Melgarejo

2024 não podia ter começado melhor: Escutar a Mãe Terra, construir e fazer uma Reforma Agrária Popular. São proféticas as palavras e a mensagem de Dom Orlando Dotti, ao final da mais que justa homenagem que lhe foi prestada na Romaria da Terra: “Nós vimos nos movimentos sociais, e também nas pastorais sociais, um caminho para a renovação da sociedade. A sociedade não se reforma por aquilo que vem de cima, mas por aquilo que vem da base. A base é que vai trazer mudanças dentro da sociedade. Não podemos perder de vista o grande objetivo: melhorar as condições de vida de toda agricultora e todo agricultor, de todas aquelas e todos aqueles que trabalham na terra, para que o seu trabalho seja recompensado.”

O cântico de São Francisco de Assis lembra a proposta de Ecologia Integral e o cuidado com a Casa Comum do Papa Francisco: “Louvado sejas meu Senhor, por nossa irmã a Mãe Terra, que nos sustenta e governa, e produz frutas diversas e coloridas flores e ervas.” Como dizia, e diria hoje, Paulo Freire: Na boa luta, com fé e coragem, ESPERANÇAR.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko