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Equador, Argentina, as ordens do FMI e o desinvestimento público

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Milei em seu discurso em Davos - Fabrice COFFRINI / AFP
"Reduções de salário para agentes penitenciários, tudo isso esteve detrás das políticas do FMI"

Dois países sul-americanos, com sua própria trajetória e contexto, coincidem como exemplos da atual crise e dos impactos das amarras impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e do programa neoliberal capaz de impactar o tecido social e a condição de vida dos povos.

Passo a passo, temos acompanhado a crise argentina e a grave deterioração das condições de vida com as medidas iniciais do governo Milei, gerando aumento do desemprego e da crise social, o que já era uma situação preocupante no país vizinho.

Bem como, no Equador, o governo de Álvaro Noboa está submetido ao que se tem chamado de capital ligado ao crime organizado internacional.

Não é exagero apontar que as crises têm ao menos dois componentes comuns: a retomada do neoliberalismo nesses países, com aplicação de medidas ortodoxas, bem como a ausência de soberania diante das orientações do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Crise institucional

Antes disso, é preciso dar dois passos atrás e compreender a crise institucional de ambos os países no início dos anos 2000, quando as massas populares, em protesto nas ruas, derrubaram três presidentes no Equador e três presidentes na Argentina (mais dois interinos), em uma profunda crise política e institucional.

O que não acontecia apenas nos dois países, mas também em todo o continente, quando o modelo neoliberal precarizava as condições de vida em vários países, contribuindo para levantes e protestos massivos, e a democracia representativa era insuficiente para livrar-se dessas amarras econômicas.

Hoje, o Equador afunda-se na falta de controle sobre a violência, a ponto de quase ter suas instituições suplantadas pelo crime organizado. O que vários autores atribuem à aplicação do programa neoliberal no país desde a perseguição contra o ex-presidente Rafael Correa, a partir da eleição, em 2017, de Lenín Moreno, presidente que deu uma guinada na política econômica do país, aplicando o modelo neoliberal.

Cartilha de austeridade

A experiência histórica ajuda a explicar melhor a forma como o FMI se apresenta em seus documentos. Quando o fundo afirma que tem como objetivo “Promover a estabilidade cambial e ajudar os países membros a resolver desequilíbrios do balanço de pagamentos” torna nítido o pressuposto do Fundo de inibir investimentos públicos, participação e planejamento do Estado na economia, entre outros pontos.

Na Argentina, estudo de Noemí Brenta, chamado “Historia de la Deuda Externa Argentina” (capital Intelectual, Buenos Aires, 2022) torna evidente que a crise de 2001 conseguiu ser estancada mais tarde pelos governos Kirchner. Porém, o ascenso de Macri, em 2015, ao governo federal retomou uma postura submissa ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A autora mostra em seu livro como os acordos com o fundo elevaram as importações, diminuíram as exportações, reduziram o emprego e participação industrial na economia daquele país. O problema também da dívida argentina é o fato de que ela se dá em dólares e o governo gera receita em pesos.

O Estado havia deixado de investir, o que foi desfeito apenas com o fim da paridade de câmbio, ao longo o período Kirchner. A volta de Macri ressurgiu trazendo a compra de bônus da dívida por parte do Estado. Nesse sentido, até mesmo atividades produtivas e no âmbito da infraestrutura passaram a estar amarradas ao capital financeiro.

O mais interessante, ainda que cada país tenha a sua trajetória, é perceber como o mecanismo da dívida inibiu os investimentos públicos, em um contexto de alta dos juros, e a autora pontua como o setor financeiro esteve hegemonizando e lucrando com isso. A armadilha após a queda dos governos kirchneristas e a derrota eleitoral de Cristina foi o endividamento para infraestrutura, de acordo com orientações do FMI e do G20, que elogiaram a “reinserção da Argentina no mercado financeiro mundial”. “O caso argentino teria importância estratégica”, página 227.

Não cabem comparativos imediatos, mas é claro que o exemplo argentino nos faz recordar o debate equivocado na política econômica do governo brasileiro, que busca inibir os gastos públicos, o que deve ser um imperativo para a retomada do crescimento econômico e dos empregos.

Em 2020, não havia condições para Fernandez aplicar um ajuste fiscal, devido à pandemia e à grave crise social. Houve tentativa de renegociar a dívida deixada como legado por Macri, tarefa para a qual o governo não foi bem sucedido, abrindo espaço para a ascensão do governo neofascista de Milei, que busca agora desvalorizar a moeda, os salários, corroendo as condições de vida da população.


estudo de Noemí Brenta, chamado “Historia de la Deuda Externa Argentina” (capital Intelectual, Buenos Aires, 2022) deixa evidente que a crise de 2001 conseguiu em parte ser estancada / Pedro Carrano

Equador: o caos para a renegociação com o FMI

O economista equatoriano Pablo Dávalos tem apontado o choque e a contradição entre o caráter progressista da constituição equatoriana e a ausência de investimentos públicos por parte do atual governo.

Critica o fato de que o Fundo Monetário Internacional, entre março de 2019 e setembro de 2020, impôs ao país programas de ajuste econômico, responsáveis pela atual situação do país de pobreza e violência.

“Neste acordo, o Fundo exigiu radicais medidas de austeridade ao Estado e, ademais, propôs reformas estruturais, que se cumpriram, de forma que o investimento público se reduziu praticamente a zero e as compras públicas entraram numa espécie de via crucis. É muito difícil. O Estado não paga, demora muito, devido às mudanças institucionais. O Fundo Monetário obrigou a que o Equador imponha no sistema de compras públicas. Por isso, os sistemas penitenciários ficaram sem recursos e o conflito que havia nos cárceres se derramou sobre a sociedade. Ao mesmo tempo, a polícia foi cooptada pelo crime organizado, juízes que ganhavam pouco, reduções de salário para agentes penitenciários, tudo isso esteve detrás das políticas de ajuste do FMI”, aponta, em conversa com nossa reportagem do BDF PR.

Em seus textos e artigos, Dávalos critica o que chama de “um intenso programa de desinvestimento público, um agressivo esquema de demissões e uma diminuição importante de compras públicas no país. “Desta forma, o FMI praticamente privatizou a dívida pública do país. As reformas estruturais do FMI foram executadas à risca. Em linha com a abordagem teórica do FMI e que coincide com as suas propostas de reforma estrutural, foram aprovadas pelo sistema político”, critica Dávalos.

Edição: Lia Bianchini