Rio Grande do Sul

Coluna

Por que precisamos de um planejamento metropolitano? Parte 2

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Os espaços urbanos e regionais resultam de acúmulos do que se planejou e executou no passado, das decisões e ações do presente e um pouco do que estamos refletindo e decidindo sobre o futuro - Divulgação
O RS precisa reconhecer a política metropolitana como importante estratégia de seu desenvolvimento

Esta semana retomaremos a importância do planejamento metropolitano, em continuidade ao artigo anterior, relembrando a necessidade de atentarmos para políticas supramunicipais. Antes, porém, ressaltamos que os espaços urbanos e regionais resultam de acúmulos do que se planejou e executou no passado, das decisões e ações do presente e um pouco do que estamos refletindo e decidindo sobre o futuro.

Inspiradas nas áreas metropolitanas norte-americanas, as primeiras regiões metropolitanas (RMs) foram instituídas no Brasil em 1973, através da Lei Complementar nº 14 (Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo e Rio de Janeiro em 1974). Estas regiões resultaram de grandes investimentos tanto em políticas habitacionais, que elevaram a concentração populacional nas capitais e municípios próximos, como na criação de infraestrutura para estimular a industrialização do país através de rede viária para atender as dinâmicas do mercado de trabalho. Juntos, estes aspectos ampliaram a área de ocupação das cidades que sediavam os principais complexos industriais do país, resultando em uma série de consequências que foram moldando os espaços hoje chamados de regiões metropolitanas.

Uma delas é a mobilidade pendular, ou seja, o movimento das pessoas de cidades do entorno da metrópole que necessitam cotidianamente ir ao seu lugar de trabalho ou de estudo, gerando um movimento maior do que as demandas dos fluxos estritamente municipais. Outra consequência é a concentração de serviços estratégicos: saneamento, equipamentos de saúde e educação, por exemplo, que tiveram que ser pensados a partir dos níveis de complexidade e de densidade de pessoas. Há ainda implicações sociais relevantes das aglomerações metropolitanas, como o grande contingente populacional que se desloca para as regiões metropolitanas e tem suas expectativas de inclusão no mercado de trabalho, sobretudo formal, frustradas, gerando um quadro de desigualdade social que engrossa as favelas brasileiras. 

Tais situações ainda presentes nas dinâmicas metropolitanas atuais, associam-se a novos fenômenos, como: as relações das redes digitais que se expandem de forma exponencial, exigindo novos investimentos; as condições ambientais preocupantes sobretudo para áreas de grande concentração urbana;  a ocupação de baixa e alta renda em áreas inadequadas para habitação; os baixos investimentos em serviços de drenagem e esgotamento sanitário são alguns entre tantos outros problemas que precisam ser observados no atual contexto metropolitano em atenção às emergências climáticas. Assim, é preciso realizar estudos e políticas para as RM, considerando o Estatuto da Metrópole (EM), Lei Federal nº 13.089/2015, que define um instrumento importante para estes desafios: o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado – PDUI.

O PDUI aparece em vários momentos do EM, mas é definido de mais claramente no Capítulo 1, Artigo 2º, inciso VI, como: “instrumento que estabelece, com base em processo permanente de planejamento, viabilização econômico-financeira e gestão, as diretrizes para o desenvolvimento territorial estratégico e os projetos estruturantes da região metropolitana e aglomeração urbana”. Trata-se, portanto, de instrumento orientador de governos estaduais a pensarem as dinâmicas sociais, políticas e institucionais de suas regiões, já que, segundo o Artigo 25º do Capítulo 3 da Constituição Federal de 1988, cabe aos estados instituir as RMs e aglomerações urbanas para organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum.

No Brasil a realização de PDUIs está acontecendo há algum tempo, considerando que o EM definiu inicialmente o prazo de três anos para que os Estados apresentassem seus planos. Em 2018 o Estatuto sofreu alterações por meio de Medida Provisória (convertida na lei), que prorrogou o prazo para 2021, revogando o artigo do EM que definia o prazo e impunha as sanções. No entanto, as exigências iniciais provocaram o lançamento do processo de elaboração do Plano em muitas RMs.

Do universo das atuais 82 RMs existentes no país (levantamento nosso), apenas 22 estão em fase de elaboração do PDUI em distintas etapas: organização institucional, elaboração de acordos e contratações ou realização de audiências públicas, segundo dados da FNEM (Fórum Nacional de Entidades Metropolitanas). Contudo, poucas estão próximas de sua aprovação e muitas nem iniciaram, tal como é evidente nas regiões Nordeste e Sul, com maior número de RMs do Brasil - 33 e 26, respectivamente - mas com baixa proposição de PDUIs. No país, somente duas RMs estão com o processo concluído aprovado como lei: a RM de Vitória (Lei 872/2017); e a RM do Vale do Rio Cuiabá (Lei 608/2018). As RMs do Rio de Janeiro e Belo Horizonte possuem seus Planos aprovados no Executivo, mas ainda não convertidos em lei.

No RS este processo se encontra estacionado. Apesar de eventos preparatórios em 2015, não houve continuidade nas discussões sobre o PDUI, talvez por outras prioridades ou pela fragilização de setores especializados na estrutura institucional. A falta da adequada institucionalidade se reflete, ainda, nos mecanismos de governança, como os conselhos metropolitanos, que parecem inexistentes no estado. Ressalta-se que além da RMPA, o RS possui a RM da Serra Gaúcha e duas Aglomerações Urbanas: a do Sul e a do Litoral Norte, que precisam elaborar os seus Planos.

Quase uma década após a criação do Estatuto da Metrópole percebe-se que a ausência de políticas nacional e estaduais com estratégias claras deixa lacunas pela falta dos Planos e de reflexões mais contemporâneas. O PDUI não assegura uma justa e coerente governança metropolitana, é necessário pensar em quem pode e deve participar deste processo e como será sua implementação, de forma horizontalizada e com linguagem de fácil acesso para que todos possam compreender o que está em jogo.

Importa que o estado do RS reconheça a política metropolitana como importante estratégia de seu desenvolvimento, avançando em propostas e convidando a população para participar, pois é processo a ser dialogado e negociado entre diferentes atores. Há vários casos de planos não implementados ou indutores de outros problemas, para além dos que se buscava resolver. Por isso é importante o comprometimento institucional e a transparência para que todos possam colaborar!

* Heleniza Ávila Campos, professora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur) da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs e pesquisadora do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre; Fernanda Teixeira Jardim, arquiteta e urbanista e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Geografia (Posgea) da Ufrgs e pesquisadora do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre.

* Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko