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Novos e velhos desafios dos sindicatos

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Verifica-se a ausência de organização por local de trabalho mesmo no novo sindicalismo dos anos 80 - Gibran Mendes
Que erros as organizações de esquerda não podem repetir?

A apresentação por parte do governo Lula de proposta de regulação do trabalho dos motoristas de aplicativo, ontem (4) traz à tona também o debate sobre o atual momento da luta dos trabalhadores e de uma das suas principais ferramentas de organização: os sindicatos. Quais são os desafios depois de longo período de ataques e aumento da precarização? Que erros as organizações de esquerda não podem repetir?

Sem dúvida, o desafio e os riscos para o governo federal, depois de sete anos de políticas de ataques neoliberais, que colocaram os trabalhadores em situação defensiva, agora deve ser a preocupação com a recomposição das condições de vida dos trabalhadores, ampliando o mercado de trabalho, o que certamente ampliaria as condições de luta e organização.

Porém, essa necessidade choca-se com o fato de que o governo está comprometido com a meta fiscal de déficit zero em 2024. A dificuldade de apresentar uma proposta de regulamentação do trabalho em plataformas, de maneira que fortalecesse o segmento e enfraquecesse as grandes empresas do setor chocou-se com a ausência de debate político com a sociedade, com as dificuldades herdadas do governo neofascista, e com a própria indisposição do atual governo para o potencializar a luta de classes.

Iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o programa Nova Indústria Brasil, o programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a secretaria nacional de Periferias e o Minha Casa Minha Vida, entre outras, são importantes, mas que devem ser pressionadas por mais avanços, a partir das condições de vida das massas trabalhadoras.

Defensiva

Desde a consolidação do Golpe de Estado que levou ao governo Temer (2016), com aplicação da plataforma neoliberal “Ponte para o Futuro”, a classe trabalhadora foi colocada numa situação defensiva, em que foi possível verificar a queda no número de greves e de mobilizações sociais mais amplas.

Mais tarde, nesse sentido, chegamos a ter, nos anos de 2020 e 2021, o que o Dieese classificou como “greves de desalento”, o que quer dizer: mobilizações em locais de trabalho que simplesmente se desfaziam e fechavam a atividade e postos, no contexto de aumento da informalidade, do desemprego e do subemprego, em que as pessoas sequer tinham ânimo de vender sua força de trabalho num mercado contraído. As reformas trabalhistas e da previdência também deixaram suas marcas até o atual momento.

Condições melhores e educação política

Em 2012, num balanço necessário, após dois governos de Lula e no primeiro governo Dilma Rousseff, o país havia atingido um alto índice de número de greves, negociações sindicais com aumento real (96% das unidades de negociação), acesso a conquistas de direitos nos itens de pauta, e um patamar próximo ao pleno emprego.

Naquela condição, houve maior possibilidade de os trabalhadores se movimentarem no cenário econômico favorável. Faltou, porém, da parte da esquerda, das organizações e do próprio sindicalismo, um maior trabalho de educação política naquele cenário.

Em pouco tempo, naquele mesmo período, no interior da frente neodesenvolvimentista, empresários do setor bancário, entre outros, já protestavam contra os ganhos que as categorias vinham tendo. Ficava insustentável a possibilidade no interior dessa Frente de ganhos para os dois lados e a Frente política neodesenvolvimentista começava a implodir.

Cenário limitado e consequências

Agora, em 2023, em cenário bem mais limitado, ainda assim houve recente redução do desemprego, aumento do salário mínimo, reposição da inflação nas campanhas salariais de 2023, proposta de reabertura de segmentos importantes da indústria, caso da Fafen, entre outros sinais importantes, num ambiente democrático, após tentativa de golpe pelo neofascismo.

No que se refere ao salário mínimo, o aumento atual de 4,57% contrasta com o que foi o do período anterior, do governo neofascista com programa neoliberal. Como explica o Dieese, em sua nota técnica de número 281.

"Em 2019, valendo R$ 998,00, o SM apresentou ganho de 1,14%, porém, em 2020, o valor praticamente não foi alterado. Em 2021, não houve incorporação de qualquer ganho real, exceto por reflexo do pequeno arredondamento para o valor de R$ 1.100,00. Para 2022, o ocorrido no ano anterior se repetiu: o salário mínimo não teve aumento real, somente acompanhou a inflação medida pelo INPC".

Mas como a esquerda e as organizações devem operar neste cenário?

É fato que a taxa de sindicalização já era baixa ao final dos governos do PT e atingiu o menor percentual em 2022, com 9% apenas de trabalhadores brasileiros sindicalizados. São vários limites herdados do período anterior, e outros não enfrentados durante o primeiro ciclo de governos do Partido dos Trabalhadores (PT).

As análises de diversas organizações e especialistas atribuem parte dos problemas à estrutura sindical. Neste contexto, a ausência de organização por local de trabalho mesmo no novo sindicalismo dos anos 1980 sedimentou uma cultura política do chamado sindicalismo do "Eu resolvo", termo cunhado por Emilio Gennari, que dá conta de um sindicato de presidência/liderança, por vezes legítima, mas que desencoraja qualquer envolvimento dos trabalhadores com a organização. O recado é passado do caminhão de som, aprovado, e os trabalhadores voltam para o local de trabalho. A lista de filiação é restrita. A ampliação, nessa estrutura, não é necessária. A luta de classes e organização com o pé nos problemas cotidianos, algo extremamente residual.

O Brasil hoje representa somente 1,28% da indústria mundial e dos anos 80 para hoje a participação da indústria brasileira no Produto Interno Bruto (PIB) caiu muito. A Formação Bruta de Capital Fixo chega ao auge em 2014. O investimento público federal total nos quatro principais modais (rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário) caiu de R$ 13 bilhões, em 2014, para R$ 7,5, em 2022. Ou seja, o golpe de Temer e o governo neofascista de Bolsonaro pioraram sensivelmente a condição de vida do povo, trazendo desafios enormes para o período e para o investimento e intervenção estatal.

O número de greves no primeiro semestre de 2023, já com a vitória eleitoral de Lula e um cenário democrático, ainda aponta um cenário defensivo, o que é revelador de quais são as tarefas do período, de reconstrução, fortalecimento, educação política, construção cotidiana a partir da materialidade da classe e menos a partir de convocatórias que não conseguirão massificar agora. Isso porque 80% greves foram de caráter defensivo, com predomínio no funcionalismo público. Lutas por recomposição salarial, com baixo número de greves propositivas.

Se o sindicalismo foi valorizado e ao mesmo tempo criticado em seus limites por Lênin, Gramsci, entre outros autores marxistas nas experiências revolucionárias do século vinte, é porque justamente é a primeira escola de mobilização do trabalhador, um ponto de partida fundamental e, ao mesmo tempo, limitado, quando voltado apenas ao corporativismo e à pauta econômica. Mas é fundamental a incidência das forças populares justamente ali.

Alguns rápidos apontamentos:

1 - Esse período de 10 anos, desde as mobilizações contra o Golpe, tem reforçado, politicamente e nos dados de greves, a centralidade dos trabalhadores da educação estadual no processo de lutas;

2 - Além de todos os ataques sofridos em anos recentes, a classe trabalhadora ainda convive com várias inseguranças, caso dos impactos oriundos da crise climática (ocasionada pelo capitalismo) nos bairros periféricos, do impacto da falta de acesso à moradia digna, sendo que 170 mil famílias em todo o Brasil, de acordo com a campanha nacional Despejo Zero, atravessaram a pandemia sob risco de despejo forçado. São trabalhadores informalizados, ou precarizados, cuja força de trabalho não alcança o necessário para a moradia.

3 - Inevitavelmente, no atual período o movimento popular, que organiza as pessoas por local de moradia ou mesmo trabalhadores precarizados, ou que já não estão no mercado formal, deve se aproximar das lutas do movimento sindical, e vice-versa, um fortalecimento necessário para as lutas do período.

4 - Há lutas importantes encampadas pelo sindicalismo municipal de Saúde e Educação que estão profundamente ligadas com a demanda de associações de bairros, movimentos populares e a chamada comunidade escolar;

5 - Principalmente, o debate das plataformas digitais traz o debate fundamental de envolvimento das organizações de esquerda com a luta desses trabalhadores. Bem como exemplos do Rio Grande do Sul e Paraná tem mostrado que algumas categorias de pouca experiência de luta têm se movimentado por conta dos casos de racismo, típicos do neofascismo, contra os trabalhadores. Em Curitiba, por exemplo, trabalhadores frentistas têm encampado essas resistências importantes, que mobilizam uma categoria sem histórico de lutas econômicas.

O fortalecimento das lutas, o mapeamento dos principais setores em movimento, a ponte entre a luta popular e sindical, e a pressão necessária pelo avanço de importantes programas que toquem nas condições de vida do povo são condições necessárias para o conturbado período que já está aberto.

*Pedro Carrano, jornalista, militante da luta popular, um dos criadores do FORT - Frente de Organização dos Trabalhadores, e integrante da organização Consulta Popular.

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato Paraná

 

Edição: Lia Bianchini