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Crônica | O Avarento

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"O crucifixo é de ouro puro e avaliado em 5 milhões de euros" - Foto: Freepik
O moribundo ergueu o braço e agarrou com toda a força o crucifixo

Ele estava nas últimas. O padre já tinha rezado no leito do hospital. O pastor também. O pai de santo fizera a mesma coisa. Todos discursaram sobre a obrigação que os ricos têm de doar parte do que possuem.

As fofoqueiras de plantão não deixavam barato e, nos corredores do hospital, metiam o pau nele: esse miserável negava até um copo d'água. Esse pão-duro não merecia ir para o reino dos céus.

Os mais maldosos fizeram até uma aposta:

- Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que esse miserável entrar no reino dos céus.

Na sala ao lado, os filhos estavam quase saindo no tapa por causa da herança do velho moribundo e miserável. Não queriam dividir nada com a amante e o suposto filho bastardo.

O homem era tão avarento que, mesmo em coma, tinha delírios com suas fazendas, contas bancárias e um crucifixo de ouro puro avaliado em 5 milhões de euros.

De repente, um corre-corre nos corredores perto do quarto do avarento. Parece que estava nos últimos suspiros. A esposa entregou o crucifixo para o padre para que ele pudesse fazer a última reza e oração. O pastor e o pai de santo morderam os lábios. Logo, os aparelhos começaram a parar bem devagarinho.

O padre começou então a rezar para que o avarento ganhasse o reino dos céus. Segurando o crucifixo com força, como se ele temesse que ele fosse pular para as mãos do pastor, começou:

- Que Deus tenha piedade...

Antes que a reza fosse encerrada, deu-se uma cena espantosa: o moribundo ergueu o braço e agarrou com toda a força o crucifixo. O padre tentou segurá-lo, mas o acamado não o largava de jeito nenhum.

Por fim, o avarento desistiu de sua última luta e caiu morto agarrado ao crucifixo. É como se houvesse passado na mão algum grude especial.

A família, sem saber o que fazer, autorizou o enterro dele com a mão pra fora do caixão.

Os coveiros sentiam que havia algo de errado com o caixão, pois estava pesado demais. Alguém sussurrou que era o peso dos pecados que o morto havia acumulado em vida. Os coveiros resolveram conferir. Para a surpresa de todos, os bolsos do defunto estavam cheios de joias, diamantes e até cartões de débito e crédito. Foi mais uma decepção para a família.

 

Rubinho Giaquinto é músico, escritor e militante do Coletivo Solidariedade Cidadã

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Leia outras crônicas de Rubinho Giaquinto em sua coluna no Brasil de Fato MG

 

Edição: Elis Almeida