Rio Grande do Sul

Coluna

Um março e um abril super quentes: encantar a política

Imagem de perfil do Colunistaesd
Leonardo Boff encerrou o 12º Encontro nacional do Movimento Fé e Política, realizado em Belo Horizonte, dias 5, 6 e 7 de abril - Foto: Divulgação
Leonardo Boff encerrou o 12º Encontro com três palavras chaves: Esperança, com indignação e coragem

Paulo Freire escreveu em ´A Igreja Profética´: “A conscientização, associada ou não ao processo de alfabetização (pouco importa), não pode ser um ´bla-bla-bla´ alienante, o que implica necessariamente um compromisso político. Não existe conscientização se a prática não nos leva à ação consciente dos oprimidos e das oprimidas como classe social explorada na luta pela sua libertação” (Paulo Freire, em ´Educação Política´, em ´Os cristãos e a libertação dos oprimidos, 1978).

Papa Francisco escreveu na Encíclica Fratelli Tutti: “Envolver-se na política é uma obrigação para os cristãos. Nós, cristãs e cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Devemos nos envolver na política porque a política é uma das formas mais elevadas de caridade, porque ela procura o bem comum. A política é um compromisso de humanidade e santidade. Na política há também lugar para amar com ternura. Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes.”

Diz Paulo Freire: “Cristo não foi conservador. Como ele, a Igreja profética tem que desatar a andar, pôr-se constantemente a caminho, morrendo para um contínuo renascer. Para ser, tem que estar sendo. Por isso, não há profetismo sem assumir a existência como tensão dramática entre o passado e o futuro, entre ficar e partir, entre falar e o silêncio castrador, entre ser e não ser. Não há profetismo sem risco. A teologia do assim chamado ´desenvolvimento´ cede lugar à Teologia da Libertação: profética, utópica e esperançosa. Evidentemente que, numa linha profética, a educação se instauraria como método de ação transformadora. Como ação política a serviço da permanente libertação dos homens e das mulheres que não se realiza, insistimos, unicamente nas suas consciências, mas na radical transformação das estruturas, em cujo processo se transformam as consciências.”

Ainda diz o Papa Francisco na Fratelli Tutti: “Política é caridade. Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social. Convido mais uma vez a revalorizar a política, que é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum.”

Foi neste espírito profético, que aconteceu o 12º Encontro nacional do Movimento Fé e Política, em Belo Horizonte, dias 5, 6 e 7 de abril, com o tema: ESPIRITUALIDADE LIBERTADORA: ENCANTAR A POLÍTICA, COM ARTE, CULTURA E DEMOCRACIA. Diz a Carta de Princípios do Movimento Fé e Política, construída em junho de 1989, ano de sua criação: “O Movimento Fé e Política é um movimento ecumênico, não confessional e não partidário. Ele está aberto para todas as pessoas que consideram a política como campo preferencial de vivência de sua fé como fundamento último de sua utopia política. O Movimento tem como objetivo fazer avançar a reflexão política e a vida espiritual daqueles e daquelas que estão comprometidas-os com uma prática política e social. Trata-se daquelas e daqueles que, atuando em movimentos sociais, organizações populares ou partidos políticos, assumem a causa dos pobres e dos oprimidos; que conferem prioridade à conscientização e organização popular de base; que recusam a manipulação das bases e rejeitam qualquer vanguardismo; que afirmam as classes populares como sujeito de sua história, na construção de uma sociedade democrática e socialista (em 1999, acrescentou-se ‘uma sociedade ecológica e planetária´). O Movimento Fé e Política pretende ser um veículo de formação e de informação sobre questões de política, cultura, ética e espiritualidade. Ele pretende reforçar e estimular a experiência dos grupos de reflexão, celebração e aprofundamento.”

Em 2024, no seu 12º Encontro Nacional, o Movimento Fé e Política, na Cartilha ´Subsídios para Formação de Grupos em Fé e Política´, propõe: “À luz de Paulo Freire  e do Papa Francisco, os militantes da fé e da política, nas urgências da conjuntura e dos tempos presentes, precisam formar grupos de reflexão sobre fé e política. Estes grupos de reflexão podem ser construídos na base das comunidades, ou por categorias profissionais, por local de trabalho, por laços culturais, ou da forma como seus participantes assim o decidirem e acharem melhor. É preciso se encontrar para dialogar freireanamente.

A partir de suas realidades locais, grupos de Fé e Política reúnem-se com diferentes denominações: grupo de acompanhamento do legislativo municipal/estadual, grupos de fé e política, grupos de fé e vida, de conselho e de movimentos sociais, grupos que se formam a partir das Escolas de fé e política, de ação partidária, entre outros. Enfim, grupos que consideram o compromisso social como parte constitutiva de sua espiritualidade. Hoje, mais que nunca, precisamos reforçar a necessidade de se criar grupos, para que juntos sejamos fortalecidos por uma espiritualidade libertadora, que nos faça cada vez mais comprometidas e comprometidos com uma política a serviço da vida e das transformações sociais.”

Em ´Mística e Política´, escrevi, em 1990: “A mística é o que sustenta a vida, o que a alimenta, o que a recheia, o que a informa do transcendente. Há diversos aspectos e elementos que devem estar sempre presentes, com sua marca e sua mística: a) Ternura e afetividade; b) Gratuidade; c) Indignação, revolta, inconformismo; d) Alegria e generosidade; e) Busca da verdade; f) Homem novo, mulher nova” (Selvino Heck, Mística e Política, 1990).

Estamos, pois, em todos os sentidos num março e abril super quentes, numa conjuntura mais que complicada e antes de um processo eleitoral municipal que se apresenta histórico. A construção da paz em todos os espaços, a luta contra a violência em todos os níveis, a exigência de direitos para os mais pobres entre os pobres, políticas públicas com participação social, a soberania, a democracia urgente e necessária, a participação popular, estão colocados como absolutamente necessárias e fundamentais. Cristãs e cristãos, militantes, sonhadoras e sonhadores de todas as religiões estão chamados, senão convocados, a contribuírem e se somarem como vozes proféticas e com ações transformadoras, à luz de Paulo Freire e do Papa Francisco.

A Carta Compromisso do Encontro propõe um percurso formativo a ser realizado este ano, uma ação coletiva chamada ´Mutirão pela Democracia´, tendo em vista as eleições municipais deste, com um reforço da revista CASA COMUM, editada pelo SEFRAS (Serviço Franciscano de Solidariedade) e parceiros (Informações em fepolitica.org.br).

Leonardo Boff encerrou o 12º Encontro com três palavras chaves para o atual contexto histórico, que animam os mais de 1500 participantes do Encontro nacional Fé e Política: ESPERANÇA, COM INDIGNAÇÃO E CORAGEM!

A canção de Zé Vicente ‘CANÇÃO URGENTE’  fez todo mundo se abraçar, dançar, dizendo umas para as outras, uns para os outros, ´ninguém solta a mão de ninguém’.

“A vida sem amor/ não vale nada/ O tempo é implacável/ sobre nós./ Depressa! O planeta é só urgências./ E Deus não vem desatar os nossos nós./

Viver tem pressa./ o que interessa é bem saber,/ é bem querer/ e bem cuidar! Feminicídio,/ infanticídio/ genocídio/ é preciso acabar!/

Riqueza e poder/ valem tão pouco./ O medo, o ódio, a guerra/ vão passar!/ Urgente é saciar a fome, a sede.../ E respeitar a quem se deve amar./

Religiões sem atos são tão frágeis!/ O templo mais sagrado é o corpo, o ser./ A cura, a solução são coletivas./ Urgente é só amar, unir, viver./

Viva a beleza!/ A natureza!/ Viva a grandeza/ que há em cada coração!/ Chegou a hora, / é hoje, agora!

VIVA O ABRAÇO!/ VIVA O LAÇO!/ GRATIDÃO!”.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko