Minas Gerais

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A maldição de Minas

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Essa mineração, a das grandes corporações, apesar de ser responsável pela maior parte das exportações de produtos de Minas Gerais, traz menos resultados para a vida dos mineiros do que se faz imaginar. - Foto: Portal Brasil/ Ricardo Teles
É preciso que passemos a nos apropriar socialmente da renda da mineração

Infelizmente, os gerais, que deveriam ser potencializados, continuam política e retoricamente encobertos pelas minas. Ainda que as minas não tenham tanto a oferecer como o discurso tradicional faz parecer.

A economia de Minas Gerais segue um acelerado caminho de descomplexificação sob o ponto de vista tecnológico, comemorado pelo seu medíocre governo. O que está em completa sintonia com a relativa dependência que a economia do estado tem em relação às atividades primárias, ou indústrias de transformação a ela vinculadas, mais ou menos complexas, entre elas, a mineração. 

É claro que, quando se fala de mineração, a referência é a grande atividade minerária, de base industrial, de extração e comercialização de minerais metálicos, principalmente o ferro, que corresponde a cerca de 80% da produção exportada pelas grandes corporações transnacionais, inclusive aquelas que surgiram no Brasil, notadamente da Vale.

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Essa mineração, a das grandes corporações, apesar de ser responsável pela maior parte das exportações de produtos de Minas Gerais, traz menos resultados para a vida dos mineiros do que se faz imaginar.

Vamos aos números

Em 2023, dos U$D35,6 bilhões em exportações, os produtos minerais somaram U$D12,1 bilhões, aproximadamente 34%. A exportação de minério de ferro, especificamente, correspondeu a U$D10,9 bilhões, aproximadamente 30% do total.

No que diz respeito à arrecadação fiscal, é sempre bom lembrar, sobre os produtos para exportação, tal qual o minério de ferro, não há incidência de ICMS, conforme disposto na Lei Complementar nº 87, de 1996, a famosa Lei Kandir. Logo, o retorno fiscal da mineração para um estado como Minas Gerais ocorre por meio da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), que em 2023 ficou na casa R$3,2 bilhões, distribuídos entre União, estados e municípios, de acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM). O estado fica com 15% dessa parcela, logo, aos cofres estaduais, coube a arrecadação de cerca de R$478 milhões. Já os municípios mineiros, principais produtores e afetados pela atividade, ficam 75% do valor total, distribuídos conforme o volume da produção. Recentemente, a CFEM passou a ser distribuída também para municípios impactados pela mineração, conforme Lei nº 14.514/2022.

Em 2023, houve distribuição efetiva de valores da CFEM para 450 municípios de Minas Gerais, com valor correspondente a aproximadamente R$1,35 bilhões. Mas sabemos que a produção de larga escala é a do ferro e, nesse caso, foram distribuídos aproximadamente R$1,19 bilhões entre apenas 38 municípios, o que corresponde a cerca de 88% do valor da CFEM repassado aos municípios do estado.

Alta concentração e baixo desenvolvimento

Como sabemos, a mineração só ocorre onde existe minério, logo, é da natureza da atividade estar concentrada em determinados territórios e gerar efeitos econômicos bastante localizados. No caso de Minas Gerais, a atividade de mineração de ferro se concentra no que chamamos de “quadrilátero ferrífero” e, mais recentemente, essa atividade foi retomada em moldes industriais mais contemporâneos na Serra do Espinhaço, em torno do município de Conceição do Mato Dentro.

Figura 1 – Municípios recebedores de CFEM por produção de Ferro ou Minério de Ferro, 2023. FOTO


Municípios recebedores de CFEM por produção de Ferro ou Minério de Ferro, 2023. / Fonte: ANM

É comum que entidades ligadas à atividade minerária apresentem argumentos que procuram exaltar a importância econômica da atividade para endossar seu poder político. Mas apesar de ser uma atividade econômica importante, da qual o estado tem algum grau de dependência, sobretudo nas cidades propriamente mineradoras, seus efeitos sobre o conjunto da economia do estado são limitados e, de certa forma, inibidores do desenvolvimento de outras atividades tecnologicamente mais complexas. Temática, inclusive, com farta literatura acerca da “maldição dos recursos naturais”, que destaca a falácia da teoria econômica em considerar que a exploração de recursos naturais forneceria capital suficiente para a promoção do desenvolvimento econômico. 

Antes, ao contrário, a análise da experiência histórica demonstra grandes dificuldades das regiões com economias baseadas na exploração de recursos naturais para romper com quadros de dependência em relação a essas atividades, bem como, para promover a alavancagem de setores com maior valor agregado e, também, garantir melhor qualidade de vida para seus cidadãos.  

Do ponto de vista nacional, como atividade majoritariamente exportadora, a produção mineral contribui para o equilíbrio no balanço de pagamentos, mas, lembro, com retorno fiscal relativamente pequeno, em função das isenções concedidas pela Lei Kandir.  

Por outro lado, boa parte da renda auferida pelas grandes corporações da mineração, com amplas participações societárias estrangeiras, é direcionada para o exterior, por meio de remessas de lucros e dividendos. Logo, é preciso dizer que sequer estamos tendo a capacidade de reter a renda dessa atividade extrativista para realocá-la na forma de capital em outras atividades, como estratégia de fomento a um processo de reestruturação produtiva.

Geração de empregos

Recentemente, participei de um trabalho, publicado pela revista científica especializada Resources Policy, sobre os efeitos multiplicadores da atividade minerária na geração de empregos. Quando falamos em efeitos multiplicadores do emprego, queremos estimar a quantidade de empregos em outros setores que são gerados a partir de uma atividade específica, nesse caso, a mineração. 

Observamos que, em Minas Gerais, nos municípios eminentemente mineradores, a cada 100 empregos na mineração de minerais metálicos são gerados outros 62. Se considerarmos o conjunto de todos os municípios de Minas Gerais, observamos que a cada 100 empregos na mineração são gerados 55 em outros setores. Esses efeitos são mais significativos em setores menos complexos tecnologicamente da economia que orbitam a atividade, como a construção civil, o atacado e o varejo.

A mineração funciona na produção daquilo que, na economia regional, chamamos de “enclaves”, áreas especializadas na produção de um produto específico, em geral, extração mineral, onde se forma uma estrutura econômica, política e institucional voltada à atividade.

Minério-dependência

No caso mineiro, falamos muito sobre a dependência do estado em relação à mineração, o que acontece, sobretudo, nesse conjunto de municípios mineradores, nos quais a mineração controla boa parte dos fluxos econômicos no território, o que envolve atividades econômicas associadas, para fornecimento de insumos, serviços que são vinculados à mineração, tais como transporte, hospedagem, fornecimento de alimentos e a construção civil. 

O dilema é que essa dependência se dá em torno de uma atividade que um dia encerrará suas operações quando o minério acabar, e há grande dificuldade em promover a diversificação da economia, principalmente com atividades de maior valor agregado, causada justamente pela grande concentração.

Aliás, a própria CFEM foi instituída pela Constituição de 1988 com o intuito de alimentar fundos voltados à diversificação da economia nos municípios mineradores. Mas essa é uma tarefa que ainda não conseguimos levar adiante. E um dos motivos é, certamente, o desequilíbrio entre o que a mineração traz de benefícios à sociedade, em termos de renda socialmente apropriada, economias de escala e escopo, e os impactos que gera.

Os impactos e os recursos para enfrentá-los

Ainda quanto à CFEM, é comum ouvirmos críticas às administrações municipais, que promoveriam usos ineficazes desses recursos e o desvio do seu propósito original, voltado ao estímulo da diversificação econômica. Sem querer excluir essa visão, coloco um contraponto a esse argumento, que acaba por negligenciar o fato de que a mineração de larga escala é uma atividade extremamente impactante, não apenas no sentido ambiental clássico, principalmente em relação ao uso de recursos hídricos e esterilização das áreas de cava. 

Esse tipo de atividade, como um enclave, reordena a própria lógica de formação das cidades, com tendência de geração de concentração populacional vinculada a atividades econômica associadas, que, em geral, são pagadoras de baixos salários e, portanto, maior demanda por serviços públicos de saúde, educação, assistência social, segurança pública, mobilidade, manutenção de espaços e equipamentos públicos, de vias. Mas também com geração de impactos sobre a dinâmica de preços imobiliários, uma vez que cidades mineradoras tendem a ter valor da terra urbana mais elevado e não condizente com os rendimentos médios, o que gera também uma tendência à instalação de loteamentos irregulares e acentuamento de todas as questões já aqui postas.

Além disso, a mineração gera muita poeira, barulho e trepidação, com a circulação de caminhões, seja para transporte de minério e rejeitos ou para circulação de insumos relacionados à atividade, o que também impacta nas condições de saúde da população, na degradação e geração de desconforto do espaço urbano. 

Vejam, trata-se de uma espiral de impactos, que tem como consequência a maior necessidade de atuação da administração municipal para fazer a manutenção da cidade. Logo, a despeito de aspectos relacionados à má gestão de recursos, fica claro que a arrecadação de municípios mineradores, descontando a CFEM, não é suficiente para dar conta da complexidade do espaço urbano continuamente impactado. Portanto, a CFEM é sim colocada na roda, para dar conta do básico.

Soma-se a isso o fato de que, convenhamos, uma estratégia séria de diversificação produtiva envolve grandes e perenes investimentos, que devem ser planejados a longo prazo e que não cabem na escala de recursos de uma administração local. Devem, portanto, contar com a inteligência e esforço interfederativo de planejamento que estabeleça as zonas mineradoras como unidades especiais de planejamento.    

Por fim, e isso vale tanto para Minas Gerais quanto para o Brasil como um todo, é preciso que passemos a nos apropriar socialmente da renda da mineração. Seja por meio da cobrança de tributos, ou por meio de arranjos corporativos, com maior participação estatal nessas empresas e redirecionamento de lucros e dividendos. Caso contrário, continuaremos a fazer como fizemos em boa parte de nossa história: entregando nossas riquezas para outros, sendo pilhados e enriquecendo uma minoria em nosso país.  

 

 

Weslley Cantelmo é doutor em economia pelo Cedeplar/UFMG, Conselheiro CORECON-MG e presidente do Instituto Economias e Planejamento

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Leia outros artigos sobre educação e literatura na coluna Economia e Democracia no Brasil de Fato MG

 

 

Edição: Leonardo Fernandes