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O que um mapa tem a dizer sobre nossa soberania cultural e política?

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IBGE lança mapa-múndi com o Brasil no centro do mundo, ele tem a marcação dos países do G20 e dos que possuem representação diplomática brasileira. - Divulgação IBGE
Precisamos de representações do Brasil que combatam a subalternidade e o fascismo ao mesmo tempo.

Essa semana o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), lançou sua nova versão do mapa-múndi onde o Brasil foi posto no centro do mundo. Pode parecer para muitas pessoas algo bobo, banal, mas foi dos atos políticos mais potentes que vi no último tempo. Para mim, mais potente ainda por ser tão singelo.

Mas despretensiosamente essa ação é carregada de significados. Historicamente os mapas, que naturalmente carregam distorções, pois é uma representação cartográfica bidimensional do planeta, que é tridimensional, apresentam o hemisfério norte como no topo do mapa, ocupando a maior parte deste. Sendo que muitas vezes, essas distorções, que em tese deveriam ser apenas para melhor realizar a representação, passam a ter outros sentidos, como representar a Europa maior do que ela é de fato, maior do que outros continentes no sul global que, na realidade, é que tem um território bem maior. Nada disso acontece sem intenção.

Países que foram colonizados até hoje enfrentam problemas gerados pelos países do norte global, seus colonizadores. O continente africano, por exemplo, sofreu uma reorganização do seu território quando os países europeus, que possuíam colônias em África, fizeram uma divisão do território criando fronteiras e nacionalidades que antes não existiam, impondo a convivência em um mesmo território a povos que tinham culturas distintas e, por vezes, divergências até inconciliáveis. Num ato extremo de violência contra esses povos e o seu direito a autodeterminação.


Obra 'América invertida, 1949' de Joaquín Torres García discute sobre as representações de mundo e como isso está relacionado as questões de poder. / Divulgação Museo Torres García.

O artista uruguaio, Joaquín Torres García (1874-1949), em seu trabalho América invertida (1943), cria uma representação da América Latina que estaria de cabeça para baixo, se levarmos em conta o que estamos acostumados a ver representado, porém é importante lembrar que o planeta Terra está no espaço, onde na prática não tem em cima e embaixo, tem apenas o vazio. Essas divisões bipolares de alto, baixo, gordo, magro, preto, branco, homem, mulher… servem muito mais para criar hierarquias do que qualquer outra coisa. Sempre criando, consciente ou inconscientemente, mecanismos de poder. Napoleão, que era baixinho, sempre era representado como um homem bem maior do que ele era de fato, assim como a Europa, como já disse. Figuras históricas sempre são embranquecidas, como Jesus, mesmo ele sendo do oriente médio, região de pessoas negras.

As representações, que tem uma dimensão discursiva, moldam nossa cultura e como nos compreendemos, dessa forma, as representações que são no geral hierarquizadas de herança colonial capitalista colaboram para a manutenção do status quo para a manutenção da subalternidade, mesmo quando supostamente já estamos em uma sociedade livre e democrática. No Brasil podemos elencar vários casos para narrar isso, mas vamos ficar em um que ocorreu recentemente, que ilustra bem o quão ainda somos subalternos em relação ao norte global, nossos agressores, sobretudo aos EUA. O Senador cearense Eduardo Girão (Novo) fez uma fala no Senado brasileiro em inglês, onde ele inclusive traduziu o próprio nome, em defesa do bilionário Elon Musk que atacou a nossa democracia. Nada mais estúpido e demonstrativo da subalternidade na qual ainda nos encontramos, sobretudo pela postura da direita brasileira que é entreguista e capacho das definições estadunidenses.

Dessa forma, a confecção de um mapa-múndi onde o Brasil está no centro da representação é um poderoso elemento de fomento a discussão do que é ser brasileiro, de qual nossa posição no mundo e mesmo de um projeto de nação. Mas quero aqui deixar claro que não acredito nessa representação como um caminho para um nacionalismo doentio, também conhecido como fascismo, onde somos nós contra todo mundo, como faz os EUA, mas como uma imagem positiva de nossa nação, que tem sua importância e papel. Afinal sou comunista e acredito na construção de um mundo, como diria Rosa Luxemburgo, onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres!

*Lívio Pereira é trabalhador da cultura e militante social, escreve para o BdF há mais de um ano.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

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Edição: Francisco Barbosa