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Primeiro de Maio reforça potencial do movimento popular em Curitiba

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Há um novo contexto organizativo na capital paranaense - Gibran Mendes
É preciso um olhar para as organizações ali presentes e o resultado de uma série de trabalhos

É fato que há anos o Primeiro de Maio é uma agenda não prioritária da esquerda, dos movimentos popular, sindical e dos partidos de esquerda.

Ao mesmo tempo em que a data simbólica para a organização dos trabalhadores não tem essa prioridade na construção das organizações, revela também o momento de defensiva, fragmentação e impactos ainda dos períodos Temer e Bolsonaro na vida e na disposição à luta da classe.

Para um olhar atento, no entanto, em Curitiba, a atividade de hoje, organizada pelas pastorais sociais e campanha Despejo Zero, entre outras organizações, revela o potencial do movimento popular em Curitiba.

Não se trata de levantar o número de pessoas na atividade, que foi relevante, a olho nu. Mas enxergar as organizações que estavam ali presentes e o resultado de uma série de trabalhos que hoje se expressam na campanha Despejo Zero, que representa no mínimo quatro mil famílias em 14 áreas em Curitiba e região metropolitana, muitas delas ocorridas no período da pandemia. No Paraná, são 35 ocupações urbanas e rurais que integram a campanha.

É sem dúvida uma experiência de reconexão da confiança, do cotidiano e das pautas materiais da classe trabalhadora. Em 2016, a esquerda reagiu ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff apenas com presença da militância organizada e de vanguarda nas ruas, sem qualquer reação e participação dos trabalhadores na base.

Trata-se, sem dúvida, do grande ponto cego das construções dos governos petistas, chegando hoje ao governo Lula 3: a ausência de educação política, convocatória e participação dos trabalhadores, mesmo que haja o benefício de programas sociais importantes e emergenciais.

O dia de hoje é sintomático, inclusive, na decepção com o baixo número de pessoas em São Paulo, no ato com o presidente Lula. Como comparativo inevitável, a força do ato na Colômbia, no qual o presidente Petro aposta na convocatória de massas diante dos limites estruturais do parlamento colombiano deve ser um referente neste atual período da luta de classes da América Latina.

Hoje, a situação do movimento popular e das forças sociais em Curitiba é diferente, quase dez anos depois. Ainda estamos numa capital historicamente conservadora, cuja elite e setores burgueses construíram um urbanismo segregador, racista e violento, o que influencia neste imaginário de capital europeia, cidade modelo, entre outros rótulos disseminados pelo grupo que ainda se mantém no poder desde os anos 60 na capital. Isso não mudou. Mas a movimentação na base da sociedade, sim.

No entanto, olhar para o Primeiro de Maio hoje, organizado na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), numa região excluída desde os anos 90, é perceber construções que se consolidaram, como o Movimento Popular por Moradia (MPM), que organiza quatro ocupações desde 2012, com grande base social neste conglomerado urbano. É olhar uma construção recente como a da Frente de Organização dos Trabalhadores (FORT), contribuindo com a participação de lideranças do Tatuquara, Vila União, Ilha, Pontarola, além de ocupação recente batizada Resistência Forte.

É olhar que há várias organizações que estão realizando trabalho de base urbano, com diferentes metodologias, mas que, no conjunto da obra, somam para a disposição de uma vontade coletiva de retomar confiança e organização com a classe, a partir de suas demandas concretas.

Há trabalhos e há experiências das correntes do Psol, caso da Revolução Socialista e MES, dos movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Recentemente, o movimento Olga Benário realizou importante ação de ocupação de imóvel vazio no centro para apontar a ausência de centro de referência em acolhimento de mulheres no Paraná.

Associações de moradores, ainda que bastante debilitadas, mas há casos de várias delas que seguem sendo referência e se renovam, caso da Formosa, construída pelo PT, Graciosa (Pinhais), Moradias Sabará, Jardim Eldorado, Esperança e Nova Conquista, Primeiro de Maio, vila Pantanal, são alguns exemplos.

Nesse contexto, surgem lideranças e algumas delas não são apenas figuras isoladas num deserto de representação sem participação, mas surgem a partir de um grupo ou organização. Vem na memória neste momento o trabalho que Andréia de Lima realiza no Parolin, por exemplo, e a referência naquela comunidade, justamente se contrapondo aos mandos individuais e ligados à direita fisiológica, que se perpetuam em vários bairros uma relação clientelista com o povo.

Há importantes expressões de ocupações indígenas na região metropolitana de Curitiba e também a defesa permanente da Casa de Passagem Indígena (Capai). Bem como importante trabalho social de organizações surgidas do movimento negro, caso do Núcleo Periférico, ligado ao deputado estadual Renato Freitas (PT), com trabalho modelo com população em situação de rua, cujo movimento social também é relevante na capital paranaense.

As experiências são diversas, de cursinhos populares às exitosas cozinhas comunitárias, passando por hortas e frentes de doações de alimentos de forma emergencial. Centros culturais importantes como o barracão social da Vila União, passando pelo Grupo Afro-Cultural Ka-Naombo, entre outros.


Associação de Mulheres Indígenas Xetás participou do Primeiro de Maio / Gibran Mendes

O importante neste momento é fortalecer um contexto organizativo, sistematizar as pautas, gerais e específicas, experimentar uma unidade programática baseada em lutas e nas pautas reais da classe trabalhadora, como forma de avançar em suas lutas.

Caminhar pelas ruas, vielas e becos das quatro comunidades do Sabará/CIC, Primeiro de Maio, Dona Cida, Tiradentes e Tiradentes II, passando depois por Corbélia, revela os problemas estruturais e a ausência gritante de políticas públicas na região. Em termos de regularização fundiária e direitos sociais, nada mudou desde os anos 80.

Como organização que garantiu legitimidade a esse processo unitário da Campanha Despejo Zero, o MST do Paraná tem uma contribuição gigantesca desde a solidariedade, com o coletivo Marmitas da Terra, passando pela enorme contribuição nos rumos da Despejo Zero, na pressão, negociação e mediação com o poder público. Ao socializar seu acúmulo organizativo, a partir de sua capacidade de convocatória e unidade na esquerda, o MST tem tido contribuição fundamental no avanço de organizações urbanas.

Desde 2018, ainda durante a prisão de Lula, o MST Paraná chamou a atenção, aqui e em todo o país, para a necessidade de retomada dos trabalhos de solidariedade, para um retorno e inserção nas bases. É fato que a própria presença da Vigília Lula Livre contribuiu para um cenário mais favorável às organizações e às características que foram elencadas acima.

Desafios daqui frente

Os desafios são gigantescos e o contexto organizativo ainda é frágil. Porém, os desafios são nítidos para as forças populares em Curitiba:

- Avançar na elaboração de um programa mínimo de lutas que toquem nas condições de vida do povo. Que seja apresentado durante as eleições, porém siga sendo construído após esse processo.

- O papel unitário da Frente Brasil Popular deveria ser retomado para garantir a unidade das lutas entre as diferentes frentes de atuação.

- A aliança popular e sindical, que vá além do fundamental apoio de estrutura na relação entre sindicatos e lutas populares, de forma que o movimento popular contribua com as lutas dos trabalhadores, bem como o segmento formalizado dos trabalhadores deve fortalecer o movimento popular nos bairros e áreas precárias. Nacionalmente, um novo bloco deve ser costurado neste sentido, sem divisionismos, e com essa perspectiva unitária;

- Além do Primeiro de Maio na Cidade Industrial, também aconteceu uma atividade e caminhada relevante no centro de Curitiba, puxada por estudantes e sindicatos da educação e do serviço público federal, no contexto da greve dos trabalhadores, servidores e professores das universidades. É preciso analisar porque as duas iniciativas não foram unificadas, o que geraria certamente um ato de impacto muito maior, já que as duas atividades foram relevantes.

- Eventos podem ser importantes, mas é justamente esse paciente trabalho cotidiano que permitirá - a médio e longo prazo -, uma reconstrução do movimento popular com incidência de massas. Talvez essa seja a principal lição do movimento popular urbano em Curitiba para todo o país. Em uma cidade com grande histórico de desmobilização e conservadorismo, o trabalho cotidiano, de "formiguinha" tem mostrado, com sobriedade, seus primeiros resultados.

Como pôde ser visto no dia de hoje.


Duas atividades do Primeiro de Maio em Curitiba foram relevantes. É preciso unidade / Gibran Mendes

 

 

 

Edição: Mayala Fernandes