Minas Gerais

Coluna

A greve do feijão

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Reprodução: Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e região - Foto: Roosevelt Cássio
Que a criatividade e a alegria voltem ao seio da classe trabalhadora!

Aconteceu em 1987, na campanha salarial dos metalúrgicos da antiga Forjas Acesita, em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, uma paralização de 12 dias, na qual, de forma inédita, houve a adesão 100% do setor operacional (peões) e 100% do pessoal administrativo, excluídos supervisores e gerentes.

Nós havíamos vencido as eleições sindicais há pouco tempo e a campanha salarial se iniciara. A empresa relutava em ceder em questões importantes, dentre elas o índice de reajuste salarial, o que incomodava bastante a todos.

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As assembleias lotadas indicavam a mobilização da fábrica em torno da pauta de reivindicações. Em reunião, a nossa diretoria, observando o clima pró-greve das assembleias, estava por decidir pela defesa da paralização.

Entretanto, alguns diretores ainda estavam receosos quanto à greve. Foi quando propus que fizéssemos um teste, que nos possibilitasse mostrar a nossa força diante da diretoria da empresa e ao mesmo tempo, com segurança, nos permitisse medir o nosso poder.

A proposta era a de ao invés de decretarmos de imediato a greve por tempo indeterminado, fizéssemos por um dia um boicote ao feijão, na hora do almoço e do jantar.

Vitoriosa na diretoria do sindicato, a proposta foi aprovada aos risos na assembleia geral dos trabalhadores.

Na contraofensiva da luta de classes, a empresa preparou para o dia do boicote uma maravilhosa feijoada, provocando indignação.

De modo que, a ideia do boicote, que inicialmente teria a função de demonstrar e medir força, acabou desempenhando uma nova função, a de coesão do grupo.

É que a ação política, qualquer que seja ela, tem um custo para quem a executa. Os custos (entenda-se os riscos) individuais de se participar de um boicote ao feijão são muito menores do que os de participar de uma greve.

De sorte que, entre a ludicidade da ação e o cálculo racional que indicava riscos baixos, e a afronta da empresa servindo uma feijoada, todo o setor administrativo da empresa aderiu ao boicote.

Consciência de classe

Acontece que, à medida que o setor administrativo participou de um ato transgressivo junto com o setor operacional, criou-se o vínculo, forjou-se uma identidade grupal, ou a consciência de classe.

Na semana seguinte a fábrica foi ocupada pelos trabalhadores por três dias. Do lado de fora, as famílias e a população de Santa Luzia apoiavam com alimentos.

Terminada a ocupação, a greve continuou por mais nove dias, com os trabalhadores e trabalhadoras acampados na porta de empresa em momentos de alegria contagiante.

Que a criatividade e a alegria contagiante voltem ao seio da classe trabalhadora!

Viva o Primeiro de Maio!

Dimas Antônio de Souza é professor de ciência política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida